Por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires
Vários membros da Comissão Política Nacional (CPN) do PAN abandonaram os seus cargos, na sequência de uma reunião do partido no passado sábado, que teve como principal objetivo a análise dos resultados das eleições legislativas. Os dirigentes do partido alegam uma “total asfixia democrática interna”, sendo que as razões que levaram a esta saída em bloco prendem-se com “o chumbo da proposta para a realização de um Congresso eletivo extraordinário com vista à discussão e balanço das eleições legislativas e retificação dos estatutos”, explicam em comunicado.
Segundo afirmam, apenas um Congresso, “pela amplitude de debate que proporciona entre todos os filiados”, ofereceria condições para que a discussão seja global e que ratifique os estatutos que não foram aprovados pelo Tribunal Constitucional (TC), caso contrário metade dos dirigentes da Direção Nacional ficam de fora, sem direito a voto.
Entre os comissários demissionários encontram-se o porta-voz regional e deputado à Assembleia da Região Autónoma dos Açores, Pedro Neves; o porta-voz regional e cabeça de lista pela Região Autónoma da Madeira, Joaquim de Sousa, e o ainda deputado à Assembleia da República e membro da Comissão Distrital de Lisboa Nelson Silva. A proposta foi votada favoravelmente pelos dirigentes que estão agora de saída, com os restantes membros da CPN a votarem contra, não tendo havido abstenções.
Em declarações ao i, Nelson Silva lamenta que a maioria da CPN do partido tenha votado contra a proposta de um congresso eletivo extraordinário, que, a seu ver, além de ir “sanar as dificuldades nos estatutos” que foram aprovados no ano passado, poderia “legitimar esta direção ou eleger uma nova direção que obedecesse à vontade dos filiados”. E acrescenta: “Não existe uma clara vontade de sanar os erros dos estatutos de 2021, e não podemos aceitar que os enormes avanços que foram dados para a democracia interna sejam agora varridos para debaixo do tapete. Obviamente não podíamos aceitar esse cenário”.
O membro da Comissão Distrital de Lisboa, que tinha já abandonado a Comissão Política Permanente (CPP) antes das eleições legislativas, acusa ainda a atual direção de estar a “fechar-se em cúpulas conservadoras”, contrariando os valores de um partido que se diz “democrático, transparente e progressista”. “Isto é um rumo que a atual direção tem estado a tomar e com o qual não podemos compactuar”, acrescenta.
Na nota enviada às redações, os comissários demissionários apontam, ainda, “a falta de maturidade e lucidez política” nas análises dos resultados eleitorais, sugerindo que “apenas uma entropia pode justificar a resistência em não querer reconhecer os próprios erros” que descrevem como um “posicionamento político difuso”, uma estratégia de comunicação falhada e “contrária às soluções internas que tinham sido bem sucedidas no passado”, e a aposta num “discurso de campanha monotemático e repetitivo”, com “pouco espaço para o PAN continuar a ser disruptivo”.
Além disso referem igualmente a “pouca disponibilidade” da CPP para debater com a CPN a derrota nas legislativas, “cerrando fileiras às opiniões divergentes”.
Os membros demissionários consideram que uma direção que, “perante os maus resultados em dois atos eleitorais consecutivos, foge ao escrutínio em congresso, não se pauta por uma metodologia verdadeiramente transparente nem democrática” e, nesse sentido, “necessita de ser reavaliada”.
“Sem um Congresso, o partido estará sempre numa fragilidade contínua, algo insustentável que irá condenar o PAN a uma erosão”, justificam.
Na passada sexta-feira, o antigo porta-voz do PAN criticou, num artigo de opinião, a “postura errática” do partido sob a
liderança de Inês Sousa Real, mostrando-se disponível para regressar à liderança do mesmo, para o ajudar a “reposicionar-se e a reconquistar a credibilidade e a voz política que já teve”.
Questionado pelo i sobre o eventual retorno de André Silva ao PAN, Nelson Silva não descarta essa possibilidade. “Com aquilo que contribuiu para o crescimento do partido, acho absolutamente natural a sua reação, seria estranho se não o fizesse”.
Em reação à demissão coletiva, Inês de Sousa Real, porta-voz do partido, garantiu não ter “qualquer tipo de receio” de ir a votos num Congresso eletivo, acusando estas demissões de serem movidas por uma “agenda pessoal”. O “momento que o partido vive e o momento que o país também vive” exige “um elevado sentido de responsabilidade, de união, de maturidade e não de dissidência”, disse à Lusa.
Mudanças no Regimento Apesar desta instabilidade interna, o partido revelou também que vai avançar com uma proposta de alteração ao regimento da Assembleia da República, procurando “maior participação democrática”. O partido ambientalista diz que esta proposta pretende garantir “um funcionamento mais democrático e transparente do Parlamento, que possibilite um maior escrutínio da ação do Governo (especialmente necessário num contexto de maioria absoluta) e garanta que a voz das forças políticas não é silenciada à boleia de um princípio da representatividade”.
O comunicado diz ainda que a apresentação acontecerá já na próxima conferência de líderes, uma vez que, entende que “não pode ser a realidade política do país a adaptar-se às regras de funcionamento, mas o Parlamento à pluralidade de forças que estão representadas, sob pena de se continuar a silenciar e dificultar o trabalho de forças políticas democraticamente eleitas, não garantido sequer o exercício do direito de oposição em condições de igualdade”.
A primeira proposta de alteração feita pelo PAN prende-se com o regresso dos debates quinzenais no Parlamento, já que “é premente fazê-lo a bem de uma democracia saudável e para um Governo devidamente escrutinado”. Recorde-se que já o Chega e a Iniciativa Liberal também propuseram o regresso destes debates.
O partido quer também ver reforçados os direitos dos Deputados Únicos Representantes de um Partido (DURP), através da sua inclusão na composição da conferência de líderes; do reforço do seu direito de agendamento potestativo, “que não pode ser de apenas de uma iniciativa por legislatura, mas que deve antes ser dada a mesma possibilidade de agendamento que é dada às restantes forças políticas”; e do reforço dos seus direitos no âmbito das declarações políticas, “garantindo a igualdade quanto aos grupos parlamentares no que toca ao número de declarações políticas passíveis de serem feitas e a possibilidade de, tal como os grupos parlamentares, poderem interpelar as outras forças políticas quando realizem declarações políticas”. Finalmente, os ambientalistas querem também o reforço da transparência do funcionamento do Parlamento, com a restrição significativa da possibilidade de realização de reuniões de comissões parlamentares à porta fechada, e da divulgação pública na página individual de cada deputado dos sentido de voto individualizados adotados relativamente às iniciativas votadas em plenário.