Alívio total na primavera

Governo faz depender levantamento de todas as restrições, como propuseram os peritos, de descida de mortalidade. Projeções apontam para acalmia das infeções nos próximos meses. Universidade de Washington estima que 72% dos portugueses já terão estado infetados pelo menos uma vez e que no final de janeiro só 28% das infeções foram detetadas. 

O Governo anunciou um alívio significativo nas restrições da covid-19, mas o levantamento de todas as medidas só acontecerá quando houver um descida sustentada na mortalidade atribuída à doença, que em Portugal continua acima da linha de alerta do Centro Europeu de Prevenção de Controlo de Doenças. Cinco semanas é a janela temporal prevista pelos peritos para que o número de mortes diminua para menos de 15 óbitos diários, o que colocará Portugal abaixo da linha vermelha dos 20 óbitos por cada milhão de habitantes a 14 dias, um nível de impacto na mortalidade provocada pela covid-19 que, no final da semana passada, continuava a ser ultrapassado em quase todos os países europeus à exceção de Países Baixos, Noruega, Alemanha. 

Portugal estava na altura, segundo o relatório semanal do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, entre os países que, não obstante uma situação menos grave face ao ano passado e população vacinada, registou um maior nível de mortalidade na atual vaga da Omicron, sendo o nono país com uma maior incidência de mortalidade. 

A mortalidade começa a registar também uma tendência de descida depois de ter duplicado em janeiro com o aumento das infeções em idosos, mais lento que nos jovens, mas que implicou que nas últimas semanas houvesse dez vezes mais diagnósticos na população com mais de 80 anos do que no final de dezembro. 

Com a possibilidade de uma nova variante diferente da atual emergir ou poder haver algum recrudescimento de infeções à medida que forem levantadas as restrições a permanecerem como incógnitas, as projeções da Universidade de Washington preveem agora uma progressiva acalmia da circulação do vírus, que tudo indica que circulará sazonalmente todos os invernos, ou seja, previsivelmente regressará com maior intensidade no próximo. Foi essa a modelação apresentada no Infarmed pela equipa do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. 

72% dos portugueses já terão estado infetados

O Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) da universidade norte-americana, que desde o início da pandemia publica regularmente projeções mundiais e que previu em dezembro que Portugal atingiria, como se confirmou, um pico de diagnósticos na casa dos 60 mil dia –  sendo na realidade o número de infeções superior a 100 mil por haver casos que ficam por diagnosticar  – antecipa agora nas suas últimas projeções que pelo menos até junho, data da última modelação, não haverá novos sobressaltos. 

Note-se que as modelações do IHME têm no presente em conta  as variantes atualmente em circulação e a proteção na população. Em Portugal, além da elevada cobertura vacinal, estimam que 72% dos portugueses terá estado infetado pelo menos uma vez desde o início da pandemia até ao passado dia 31 de janeiro, a maioria este ano.

E os números estão à vista. Só este ano foram diagnosticados em Portugal mais de 1,7 milhões de casos de covid-19, mais de metade de toda a pandemia, pelo que pelo menos 17% da população teve um diagnóstico confirmado. Tem sido estimado que existam pelo menos o dobro dos casos por diagnosticar e o aumento da taxa de positividade em Portugal para níveis recorde nas últimas semanas sugere que a malha de deteção foi menos apertada mesmo com o país a bater recordes de testagem – em janeiro foram feitos, segundo o Instituto Ricardo Jorge indicou ao Nascer do SOL,  7.967.359 testes de diagnóstico ao SARS-CoV-2. Há um ano, em janeiro, foram feitos 1,6 milhões de testes à covid-19, o que mostra bem a diferença. Mas se na altura a chamada taxa de positividade atingiu um máximo de 20%, agora, com cinco vezes mais testes, voltou a passar-se a barreira de 18% de positividade.  

Segundo as projeções feitas para Portugal pelo IHME, que o Nascer do SOL consultou, no final de janeiro terá havido uma taxa de deteção em Portugal na casa dos 28%, mais de metade do que era antes da chegada da Omicron, o que sugere que mais do dobro das pessoas terão estado infetadas desde o início do ano. O impacto hospitalar acabou por ser menor do que antecipavam e nisso também as projeções nacionais acabaram por ficar acima do que se verificou, mesmo sem os dados oficiais destrinçarem internamentos por covid-19 de internamentos por outras causas de pessoas infetadas.

Ainda segundo as projeções da Universidade de Washington, as infeções vão continuar a baixar, bem como os doentes internados e a mortalidade associada a doença, que projetam que poderá ficar abaixo das 15 mortes por dia no final deste mês, continuando a diminuir ao longo de março e tornando-se episódica em abril. Num comentário às projeções, Christopher Murray, do IHME, considera que a eliminação da obrigação de máscaras em países onde os picos de infeções foram elevados poderão não ter efeito na tramissão, podendo haver uma ressurgência nas situações em que o pico possa ter sido atingido quando havia ainda bolsas de população suscetíveis. Em Portugal, pese o reforço vacinal, os idosos foram o grupo populacional menos diagnosticado nesta vaga pandémica.

O responsável reflete ainda sobre o impacto da variante BA.2, que esta semana o INSA revelou que representa agora 24,3% dos casos em Portugal, considerando que podendo prolongar a vaga de infeções, não há indícios de que seja mais grave do que a linhagem que dominou a situação epidemiológica nas últimas semanas. O IHME mantém assim que quando se chegar a abril, mais de metade da população mundial já terá estado infetado com esta variante, com a primavera a chegar com os níveis de imunidade para o SARS-CoV-2 mais elevados desde o início da pandemia o que, não havendo um a nova variante que altere o cenário, deverá traduzir-se num «período de relativa baixa transmissão durante semanas ou meses». No hemisfério Norte, tal poderá estender-se pelo verão e outono.  

Na reunião do Infarmed foi apresentado o novo modelo de vigilância proposto pelo Instituto Ricardo Jorge, que irá substituir o reporte diário de testes positivos e doentes internados, juntando numa mesma monitorização infeções agudas respiratórias com o SARS-CoV-2, gripe e vírus sincicial respiratório, causa de bronquiolites nas crianças.  Além de síndromes de infeção reportados pelos médicos no que deverá vir a ser uma reformulação da rede sentinela da gripe, dados de laboratórios e de hospitais, o INSA anunciou que pretende incluir a vigilância de águas residuais nesse sistema, onde a deteção de maiores cargas de partículas víricas (expelidas nas fezes e urina) pode dar o alerta precoce para maior circulação de vírus, uma metodologia já usada na investigação de consumo de drogas ou resistências antibióticas.