Os impactos do ataque da Rússia à Ucrânia foram imediatos. Os mercados bolsistas estão à beira de um ataque de nervos, a negociação do petróleo e gás natural disparou, assim como o ouro, e os efeitos para os consumidores não se vão fazer esperar.
O ministro do Ambiente já tinha garantido que quem consome diretamente gás natural vai sentir aumento “inevitável” dos preços, devido à situação na Ucrânia, que levou a Alemanha a suspender a certificação do Nord Stream 2, para transporte de gás russo. “Portugal não fixa esse preço. É o preço de uma commodity [matéria-prima], que é fixado a nível mundial”.
Uma questão que ganha maiores contornos quando o gás natural TTF (Title Transfer Facility) para entrega em março subiu 29% no mercado holandês para mais de 100 euros por megawatt hora (MWh). Esta matéria-prima, que não tinha excedido 100 euros desde 7 de janeiro, subiu 52% esta semana, durante a qual a situação na Ucrânia se deteriorou gradualmente, culminando com a invasão russa.
Uma questão que ganha revelo, após a gigante francesa da energia TotalEnergies afirmar que não existe uma solução imediata para substituir as importações europeias de gás da Rússia, se estas cessassem devido ao contexto russo-ucraniano. “Se o gás russo não chegar à Europa, temos um problema real com os preços do gás na Europa”, disse o presidente do grupo, Patrick Pouyannée. E que “a situação é mais preocupante, porque o gás russo representa hoje 40% do mercado europeu do gás”.
O mesmo cenário repete-se no mercado petrolífero. O ataque da Rússia em território ucraniano, que fez disparar o preço do barril do Brent para acima dos 102 dólares por barril, vai ter impacto nos preços dos combustíveis em Portugal. A garantia foi dada pelo secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (APETRO). De acordo com António Comprido, “tudo o que é instabilidade vai ter impacto na cotação do petróleo e como consequência no preço dos combustíveis”.
Contactado pelo i, Steven Santos, gestor do banco BiG, lembra que o petróleo Brent não negociava acima dos 100 dólares por barril desde 2014. Henrique Tomé, analista da XTB, sublinha que “praticamente todas as matérias-primas têm estado a valorizar à medida que as tensões continuam a escalar. O Brent ultrapassou a marca dos 100 dólares, o gás natural também disparou mais de 5%. Os produtos agrícolas também subiram significativamente”, nota, acrescentando que o “facto de a Rússia ser um player importantíssimo na exportação de petróleo para a Europa faz com que os preços das commodities energéticas estejam expostas a períodos de elevada volatilidade”, disse ao nosso jornal.
Mercados no vermelho Também a reação imediata das ações está a ser negativa, com todos os índices bolsistas pressionados e a negociar em terreno negativo. Segundo Steven Santos, o “impacto negativo na economia europeia, com menos comércio e maiores custos energéticos, poderá forçar o Banco Central Europeu a adiar a retirada dos estímulos monetários e a subida das taxas de juro, pelo que as consequências poderão ser deflacionárias e positivas, a médio prazo, para as ações”. Já nos Estados Unidos, de acordo com o responsável, “o mercado prevê agora menor probabilidade para uma subida de 0,50% nas taxas de juro, face há uma semana atrás”.
Henrique Tomé lembra mesmo que o índice russo esteve a cair perto de 30% e chegou a atingir os mínimos de 2020.
E agora? Para a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), a invasão russa da Ucrânia representa “um importante risco económico para a região e para o mundo” e pode afetar a recuperação económica. “Estou muito preocupada com o que se passa na Ucrânia e, acima de tudo, com as consequências para pessoas inocentes. Isto adiciona um importante risco económico para a região e o mundo. Avaliamos as implicações e estamos prontos para apoiar os nossos membros se for necessário”, afirmou Georgieva, em mensagem na rede social Twitter.
Também Steven Santos não fica alheio a estas consequências. “A economia europeia irá sofrer com os elevados custos da energia e das mercadorias agrícolas, que terão impacto rápido nas empresas e, numa fase posterior, nos consumidores. Os aumentos de inflação no produtor e no consumidor terão um reflexo evidente e negativo nos orçamentos das empresas e das famílias”.
Mais reticente está o analista da XTB, que considera que ainda é cedo para avaliar os eventuais impactos económicos desta decisão por parte da Rússia. “Nesta fase, os mercados estão preocupados sobre a duração do atual conflito e as dúvidas prevalecem em torno das atuais tensões no leste da Europa. É necessário perceber se esta situação poderá escalar ainda mais e até que ponto”. Ainda assim, admite, “os períodos de guerra tendem sempre a ser períodos inflacionistas, pelo que este cenário não é nada animador uma vez que a inflação neste momento já se encontra em níveis preocupantes”.
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa dá como exemplo a subida da cotação do ouro, perto dos dois mil dólares por onça. “Isto é, uma incerteza crescente face ao agravamento do conflito militar na Ucrânia e aponta também para uma desaceleração na subida das taxas de juro, fruto de um potencial abrandamento económico, em virtude das sansões económicas à Rússia”, diz ao i. E lembra que “se esta estagflação se vier a materializar então as perspetivas do início do ano que indicavam novos ganhos para os mercados acionistas em 2022, dificilmente se concretizarão. Se o conflito na Ucrânia for limitado no tempo e não se traduzir em pressões inflacionistas duradouras, então os mercados poderão recuperar dos atuais níveis”.
Quanto ao futuro, prevê: “A tendência negativa dos mercados dependerá da duração e do agravamento do conflito no leste europeu. Se o cenário atual não se agudizar e a paz regressar gradualmente aquela geografia do leste europeu, então os mercados acionistas tenderão a recuperar das atuais perdas”.