Escrevo atordoado com as notícias que vêm da Ucrânia! Uma guerra no terreno, há muito anunciada, que no Ocidente temos dificuldade em compreender e que racionalmente não aceitamos. As declarações dos líderes mundiais sucedem-se, condenatórias na sua esmagadora maioria, mas impotentes para a evitar.
As populações, no terreno, sofrem na pele os desmandos e ambições dos políticos, ouvem sem compreender razões que nem descortinavam na pacatez da sua existência, agora confrontada com uma realidade que nem sabem como enfrentar.
Deste lado do Ocidente, agimos em conformidade com os alinhamentos políticos de uma União Europeia à qual pertencemos, preparando para enviar tropas em consonância com as posições da NATO.
A Europa estava em paz desde 1945, apesar de diversas convulsões regionais nas últimas décadas, sobretudo resultantes da implosão da União Soviética em 1989. Umas lutas pela independência ali para as bandas da antiga Jugoslávia, sobretudo a envolverem a Sérvia e Kosovo (1998/99), Bósnia Herzegovina (1992/95), Macedónia e Albânia (2001), mas nenhuma com a dimensão e relevância desta entre a Rússia e a Ucrânia, a propósito da possível adesão à NATO por parte desta e que a Rússia entende como provocação.
Para já, só sabemos que Portugal, sobretudo a nossa economia, irá sofrer fortemente com esta guerra, em diversas vertentes:
• Energia: a escalada (anunciada) de preços do petróleo já passou a barreira dos USD 100/barril e isso vai repercutir-se a curto prazo e de forma acentuada nos preços dos produtos, com a inflação a disparar; sobre o fornecimento de gás, é evidente, até pela distância geográfica, que Portugal não será diretamente afetado de forma significativa, mas não ficará imune ao aumento do preço da energia que importa do estrangeiro, com consequências similares na inflação.
• Agricultura: segundo dados publicados, Portugal importará cerca de 18% dos seus cereais da Ucrânia e a disrupção parece evidente, mesmo que fundamentalmente apenas afete a alimentação dos animais; ou seja, uma preocupação grave a acrescer à seca que atinge Portugal e da qual dramaticamente ouvimos os criadores falar em diversas reportagens na televisão.
• Banca: a exposição financeira da banca portuguesa à dívida russa não é significativa; no entanto, parece claro que as pressões inflacionistas decorrentes do agravamento do preço da energia irá acelerar o incremento das taxas de juro nos mercados internacionais, com óbvias repercussões na economia nacional, sobretudo nos empréstimos à habitação e consumo, em que as famílias portuguesas estão fortemente alavancadas, já sem falar nas empresas de um tecido empresarial caracterizado por PME com enorme escassez de capitais próprios.
• Dívida pública: estes últimos anos de elevado crescimento económico que terminaram com o eclodir da pandemia nunca geraram ‘superavits’ na economia nacional porque todos os fundos foram canalizados para repor direitos e rendimentos, como o PS tanto se orgulhou; desta forma, a dívida pública nominal nunca diminuiu e agora, a seguir aos efeitos da pandemia, quando antevíamos o crescimento do PIB a rondar os 5%, somos apanhados nos efeitos cruzados de uma guerra que irá indiretamente agravar as taxas de juro como acima refiro e não temos ‘guarda-chuva’…
Perante estas consequências para a nossa economia, absolutamente inevitáveis, seria bom que já tivéssemos um Governo em funções, mas nem isso temos. Aliás, nem Governo nem oposição. O partido que deveria liderar esta oposição, o PSD, está em estado vegetativo e em decadência, prostrado por um líder que deveria acelerar a sua sucessão, mas adia-a sem se perceberem os objetivos.
Os restantes partidos conservadores estão silenciosos, quiçá por não existir Governo e não saberem o que dizer. A esquerda radical em estado comatoso. Quem sobra? Costa e Marcelo, ambos sentadinhos à espera da repetição de umas eleições europeias, realidade que só nos envergonha e que os nossos emigrantes não mereciam.
Não estamos nada bem, mas relembremos que muito pior estão os ucranianos que gostariam de ter a oportunidade de definir o seu destino e, em termos práticos, serão anexados pela Rússia enquanto o Ocidente grita e esperneia, mas assiste impotente, pela certeza de que qualquer retaliação efetiva poderia gerar uma 3ª guerra mundial.
P. S. – No primeiro dia desta guerra, as bolsas europeias, asiáticas e mercados de futuros de ações nos Estados Unidos sofreram quedas abruptas, particularmente a de Moscovo (33%). Curiosamente, Lisboa caiu apenas 1,5%, graças à valorização das energias, em particular, as renováveis – EDP (5,42%) EDP R (10,53%) e Greenvolt (2,78%), à semelhança de outras cotadas em praças internacionais, como a Siemens Gamesa, Vestas Wind e Orsted que também valorizaram mais de 10%. Sintomático!