Após uma noite de combate feroz em Kiev, com as tropas ucranianas a conseguir fazer estacar o rápido avanço das forças russas no leste do país, delegações de ambos os lados reuniram-se para negociar à margem do rio Pripyat, na fronteira com a Bielorrússia, esta segunda-feira.
Apesar da invasão da Ucrânia não estar a correr ao ritmo que Vladimir Putin poderia esperar, este não demonstrou grande interesse em negociar, não divulgando o que exigia para retirar, e enviando um antigo ministro da Cultura, Vladimir Medinsky, para discutir a paz com o ministro da Defesa ucraniano, Oleksiy Reznikov. Enquanto conversavam, com a Ucrânia a exigir um cessar-fogo imediato, Kharkiv, a segunda cidade ucraniana, era alvo de uma barragem de rockets que atingiu áreas residenciais, registando-se dezenas de mortos e centenas de feridos.
Após as suas colunas blindadas avançarem sobre terreno aberto, com cobertura de poder aéreo e artilharia, ao longo dos últimos dias os russos têm optado por cercar as cidades no leste da Ucrânia, conscientes de que para as tomarem de assalto teriam de as arrasar com bombardeamentos ou enfrentar duros combates casa a casa, rua a rua.
O que não significa que a situação não esteja já terrível para a população ucraniana. “Há imensos cadáveres, de civis”, descreveu Andriy, um habitante de Kharkiv contactado pelo Financial Times, com os bombardeamentos a concentrarem-se sobretudo no norte da cidade.
Contudo, e apesar de anunciarem ter obtido pleno controlo do espaço aéreo ucraniano, nos últimos dias de combate os russos só alegaram ter tomado a central nuclear de Zaporizhzhya, o que a Ucrânia negou. Havia receio de que os combates causassem um acidente à escala de Chernobyl ou Fukushima – e duas pequenas localidades no sudeste, Enerhodar e Berdyansk, avançou a agência russa Interfax, continuando sem controlar nenhuma grande cidade.
As perdas da Rússia têm sido mais elevadas que esperado.
Caso os números apresentados pelas autoridades ucranianas na segunda-feira se confirmem, 5300 russos foram abatidos ou feridos, tendo sido destruídos pelo menos 29 helicópteros, mais de 190 tanques e uns 800 veículos blindados.
Nada foi confirmado pelas autoridades russas, que mantêm um silêncio total sobre as suas baixas.
Mas é certo que as imagens de prisioneiros de guerra russos – “mamã, papá, não queria vir para aqui, eles obrigaram-me”, disse um jovem soldado, num vídeo divulgado pelas autoridades ucranianas, que também têm feito circular imagens de militares mortos, declarando que é para que os seus familiares na Rússia os possam identificar – não farão bem nenhum à moral das tropas.
Já no que toca às perdas ucranianas, o Kremlin anunciou ter destruído pelo menos 314 tanques ucranianos, mais de meia centena de baterias de mísseis e umas 120 peças de artilharia. Contudo, esta foi uma pequena demonstração do poderia bélico da Rússia, alertam analistas.
“Até agora, por mais destrutivos que tenham sido os bombardeamentos em Kiev e noutras cidades, não vimos as plenas capacidades que as forças armadas russas têm e que aplicaram, por exemplo, na Síria, ou nos combates na Chechénia, no início dos anos 2000”, notou Mason Clark, investigador de política russa no Institute for the Study of War, ao Vox.
“Parece que Putin fez um brutal erro de cálculo no que toca a quão rápido as forças armadas ucranianas iriam colapsar”, considerou Mason. No entanto, “o mero peso dos números, e se os russos começarem a usar os recursos que têm, irá esmagar as forças armadas ucranianas em algum ponto”, garantiu.
Já em Kiev, montam-se posições defensivas, barricadas e armadilhas para tanques na rua, à espera de mais um assalto.
“Quando concorri à presidência, disse-vos que cada um de nós seria o Presidente”, declarou Volodymyr Zelensky.
Num vídeo divulgado na segunda-feira, apelou aos ucranianos que peguem em armas, abrindo os portões da cadeia a todos os presos com experiência de combate, para que “compensem a sua culpa” juntando-se à refrega. “Agora, cada um de nós é um guerreiro”, concluiu.