Rui Nabeiro. Pegou no verbo criar e fez dele a sua bússola

Conta com várias distinções e condecorações no seu currículo, mas um dos empresários portugueses de maior sucesso prepara-se para receber o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. Em várias entrevistas que deu admite ser ‘um criador de trabalho e de vida’ e não hesita em relação ao seu projeto de vida que sempre o…

A poucos dias de fazer 91 anos, Rui Nabeiro vai receber da Universidade de Coimbra o Doutoramento Honoris Causa. «É a mais elevada distinção atribuída por uma universidade portuguesa, destinada a cidadãos de indiscutível mérito profissional e de qualidades humanas que constituam uma referência para toda a sociedade», justificou a universidade.

E foi mais longe: «Evidencia o compromisso entre os princípios de gestão que se ensinam na Universidade de Coimbra e a sua concretização nos processos de liderança empresarial e na dimensão humana das relações de trabalho. Estamos diante de um admirável empreendedor, de espírito solidário e de grande humanismo, qualidades que soube incutir no grupo empresarial que fundou há mais de seis décadas e que tem projetado uma marca e uma região no plano nacional e internacional». 

O fundador da Delta Cafés, que é líder no seu mercado, está atualmente afastado da liderança da empresa, apesar de continuar a ser presidente do conselho de administração. As rédeas do grupo foram assumidas pelo neto, Rui Miguel Nabeiro, em setembro do ano passado. Mas o responsável pela projeção da empresa continua a marcar presença, principalmente para quem vive em Campo Maior, mas não só. 

A Delta Cafés é a principal empregadora desta serena e tranquila vila do Sul de Portugal, muito perto da fronteira com Espanha. Só na fábrica de torrefação do café, na Herdade das Argamassas, trabalham cerca de 1.500 pessoas (em alguns casos, famílias inteiras), ou seja, mais de um terço da população ativa do concelho. Um número que engrossa se contarmos com os empregos indiretos gerados pelo negócio do café e com as duas dezenas de empresas do grupo Nabeiro, que atuam em setores como o comércio, os serviços, a hotelaria e a distribuição. 

E o peso não fica por aqui. O concelho onde ergueu a fábrica apresenta um salário médio superior à média nacional. E esta semana voltou a ser notícia ao revelar que o grupo tinha aumentado a remuneração mínima dos seus trabalhadores, fixando-a nos 720 euros brutos, valor que está acima do Salário Mínimo Nacional. Ao mesmo tempo, vai apostando num legado de responsabilidade social. No seu nonagésimo aniversário, o fundador do grupo contou à TVI que tem uma preocupação de responsabilidade social, que se materializa no facto de os seus funcionários terem todos seguro de saúde pago pela empresa. «Quanto mais riqueza houver no mundo das empresas, mais felicidade no trabalho», defendeu. 

Já em março do ano passado, em plena pandemia e após ver o seu volume de negócios a cair – rondava os 340 milhões de euros – disse apenas: «Temos prejuízos enormes, mas a fé não abala». E três meses depois, durante uma entrevista ao Jornal de Negócios voltaria a falar sobre o tema para garantir que nenhum empregado teve salários em atraso. «Não fomos ao layoff para dizer está aqui o dinheiro, não, esse dinheiro era mais lento e diferente. Pensámos que íamos pagar do nosso bolso, porque ainda havia meios suficientes para o fazer». E assumiu que criar mais emprego é uma preocupação permanente, admitindo que o seu lema é «criar vida para muita gente e dar melhores condições».  

O rosto por detrás do império

Manuel Rui Azinhais Nabeiro nasceu a 28 de março de 1931 em Campo Maior, no seio de uma família humilde, o terceiro de quatro irmãos. Começou a trabalhar cedo: aos 12 anos, mas também cedo mostrou que queria ser alguém e que não iria conformar-se com uma simples existência. Ajudava a mãe numa pequena mercearia e, ao mesmo tempo, o pai e os tios na torra do café, numa época em que se sentiam os efeitos da guerra civil em Espanha e a zona raiana era lugar de contrabando. Mas a sua ambição era dar volta a esta situação e conseguiu. «Sonhava em dar estabilidade à minha mãezinha. O filho que estava focado para a vida era eu e estava sempre disponível», disse, em novembro passado, numa entrevista ao programa Alta Definição, reforçando que sempre foi muito dedicado ao trabalho.

A poupança é uma palavra que consta no seu dicionário não tivesse vindo de origens humildes. «Entregava todo o dinheiro que ganhava à minha mãe. Como tinha de me levantar às 4h da manhã, não tinha tempo para grandes paródias e para gastar dinheiro», disse na mesma entrevista. E hoje, mesmo sendo dono de um verdadeiro império, também não é muito diferente. Vive na mesma casa há mais de 40 anos e o carro que usa no dia a dia tem 16 anos.

Aos 19 anos e, após a morte do pai, assumiu os destinos da pequena torrefação familiar. E para fazer crescer a empresa incentivou a venda de café em Espanha, constituindo depois, em sociedade com os seus tios, a Torrefação Camelo.

No entanto, como explica o grupo, «o espírito empreendedor e a forte ética de trabalho estiveram sempre presentes nos momentos decisivos da sua vida».Em 1961 criou a Delta Cafés e passado poucos meses da sua fundação, a marca já era distribuída em todo o país, abrindo um entreposto comercial em Lisboa, em 1963 e outro no Porto, em 1964.

«Com uma visão futurista, provida de ambição», fundou a Novadelta no ano de 1982 e dois anos mais tarde criou a maior fábrica de torrefação da Península Ibérica, existente na época. O grupo Nabeiro – Delta Cafés nasce em 1988. 

Mas não se dedicou apenas aos negócios. A política também fez parte da sua vida. Antes do 25 de Abril de 1974, e por duas vezes, Rui Nabeiro foi nomeado presidente da Câmara Municipal de Campo Maior, em 1962 e em 1972. Voltaria a exercer o cargo em 1977, mas já por sufrágio universal, tendo sido reeleito duas vezes e mantendo-se no cargo até 1986.

Também deu prioridade à educação. Em 2007 inaugurou o Centro Educativo Alice Nabeiro, para dar resposta às necessidades extraescolares das crianças de Campo Maior. Com o patrocínio da Delta, a Universidade de Évora criou, em 2009, a Cátedra Rui Nabeiro, destinada à promoção da investigação, do ensino e da divulgação científica na área da biodiversidade.

‘Amor à vida’

Rui Nabeiro é um apaixonado pelo seu império. «Sou um homem reformado por natureza, servi o tio, servi os pais. Estou na fábrica, se quiser sair, saio. Mas era sempre o primeiro a entrar e o último a sair», disse na mesma entrevista ao Alta Definição. Como também admite que é um apaixonado pela vida ao garantir que a principal saudade que sente é a de «poder viver mais tempo, porque tem amor à vida». 

Já sobre o legado que gostaria de deixar, o empresário não deixa margem para dúvidas: «A amizade, o respeito e o carinho. A vida passa a correr e o que desejo que aconteça é que a empresa continue a ser uma empresa familiar, forte e capaz de lutar, servindo a mim, aos meus e aos outros». E se for considerado uma referência garante que quer ser associado como pessoa. «Pus as pessoas a ter trabalho e condições. A gratidão é só um obrigado (…) Se me reconhecerem é bom, se me considerarem um exemplo, é melhor». 

Já este ano, em plena campanha eleitoral, referiu: «Vivo sempre para as pessoas, vivo sempre para a minha terra, vivo sempre para qualquer região do nosso país».

Uma vida de condecorações

É certo que o reconhecimento é notório. A 9 de junho de 1995, Mário Soares atribuiu-lhe o grau de comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial Classe Industrial. A 5 de janeiro de 2006, Jorge Sampaio distinguiu-o como comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Foi também distinguido pela Universidade de Évora com a atribuição do Doutoramento Honoris Causa.

Em julho passado foi agraciado com a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa. «Rui Nabeiro é um cidadão do mundo e do país e agora também um cidadão de honra da nossa cidade. É uma das maiores referências éticas e morais do nosso país e um privilégio poder atribuir esta distinção», disse, na altura, Fernando Medina.

E mais uma vez não hesitou no discurso, ao garantir que sempre procurou viver a sua vida «como o mundo precisava», acrescentando que «o ser humano não deve viver a vida apenas para si, deve sempre pensar na comunidade. Agradeço a Câmara de Lisboa hoje ter pensado num cidadão como eu, que veio do Alentejo, mas que pertence ao mundo, ao país, a Lisboa e a todos». Mas esta é uma das várias distinções que foi recebendo ao longo da sua vida.

No seu último aniversário recebeu os parabéns de Marcelo Rebelo de Sousa. «90 abraços, 90 abraços por cada ano de vida, por tudo que fez, pelo que lutou pela sua terra, pelas suas gentes, pelo seu Alentejo. Nunca desanimou, pelo contrário, sempre foi um otimista».