Enquanto tropas russas cercam cidades ucranianas, com Mariupol particularmente apertada, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, deixou um aviso sombrio, caso a NATO ponderasse intervir. “É claro que a III Guerra Mundial só pode ser nuclear”, assegurou Lavrov, numa conferência de imprensa, esta quinta-feira, aproveitando para acusar os países da aliança de o incentivar.
“É na cabeça dos políticos ocidentais que a ideia de uma guerra nuclear está constantemente às voltas, não na cabeça dos russos”, frisou Lavrov. Declarações pouco consoladoras, dado o Kremlin ter repetido o mesmo quanto aos alertas de uma invasão russa da Ucrânia, até esta acontecer. “Garanto-vos que não iremos deixar que quaisquer provocações desequilibrarem-nos”, continuou o ministro.
Por agora, o cenário de um confronto nuclear parece distante – ainda que menos que há umas semanas – dada a promessa dos países membros da NATO em não enviarem tropas para a Ucrânia, optando por aumentar o envio de armamento para as forças armadas ucranianas.
Já os sucessivos apelos do Presidente Volodymyr Zelensky para que a NATO estabeleça uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia – à semelhança do que foi feito no Iraque após a Guerra do Golfo, na Bósnia ou na Líbia – têm sido recusados.
“Fechem os céus”, pediu o Presidente. “Digam-nos, quantas pessoas têm de morrer? Quantos membros têm de ser arrancados de corpos, para que vocês nos oiçam?”, continuou, enquanto cidades como Kiev, Kharkiv e Mariupol eram alvos de bombardeamentos. A confiança dos russos – há imagens de uma coluna de veículos blindados com mais de 40km a avançar rumo a Kiev sem grandes cuidados em espaçar as suas forças, como seria expectável se temessem algum ataque aéreo, notam analistas – indica que os ucranianos praticamente não têm meios de ripostar.
No entanto, a aliança está bem consciente que uma zona de exclusão aérea não se impõe por decreto – implicaria abater dos céus as aeronaves russas que desafiassem essa proibição, o que colocaria a NATO num confronto militar direto com uma potência nuclear. “Seria definitivamente uma escalada”, admitiu a porta-voz da Casa Branca. “Poderia potencialmente colocar-nos numa posição em que estaríamos num conflito militar com a Rússia. Isso não é algo que o Presidente queira fazer”.
Ainda assim, mesmo tendo esta opção sido colocada fora de questão pela Casa Branca, o facto de algumas vozes em Washington a defenderem – “matámos 400 russos na Síria, Putin ficou calado”, tweetou o congressista republicano Adam Kinzinger, referindo-se aos confrontos pelo controlo dos campos petrolíferos de Deir el-Zour, em fevereiro de 2018, onde foram mortos entre duzentos a trezentos mercenários russos da Wagner e soldados sírios, segundo o New York Times – revela “uma mentalidade errónea, mas comum entre a elite da política externa americana”, apontou a Vox.
“As pessoas que pedem intervenção na Ucrânia estão presas nos anos 1990, na era do hiperpoder americano”, lia-se.
“A guerra na Ucrânia é uma das demonstrações mais claras que essa era acabou. Uma política americana que recuse reconhecer esta realidade pode ser catastrófica”.
Já Zelensky não desiste de tentar que os seus aliados da NATO se metam ao barulho. “Depois da Ucrânia – se nós não existirmos, Deus nos livre – então será a Letónia, Lituânia, Estónia, Moldávia, Geórgia, Polónia”, anteviu o Presidente. “Eles vão seguir até ao Muro de Berlim. Eles vão continuar”, declarou, enquanto desafiava Putin para que negociasse frente a frente consigo.
Negociações e cercos Sentados à mesa de negociações, na Bielorrússia, perto da fronteira, os representantes da Ucrânia e da Rússia fizeram alguns progressos. Não obtiveram as suas principais reivindicações – Kiev pretendia um cessar-fogo imediato, Moscovo queria que a Ucrânia reconhecesse a anexação da Crimeia, a independência das repúblicas separatistas, que se ”desmilitarizasse” e “desnazificasse”, algo lido como a exigência da queda do Governo ucraniano – mas acordaram a criação de corredores humanitários, para evacuar civis.
Entretanto, o cerco de Mariupol, nas margens do mar de Azov, um dos grandes pólos industriais ucranianos, torna-se cada insuportável para os seus 400 mil habitantes. “Não tem havido luz, aquecimento ou água há dois dias inteiros, e já mal temos comida”, relatou Maxim, à BBC. Também faltam medicamentos, nada entra na cidade, contou este informático de 27 anos, que se tem escondido na cave dos avós para escapar aos constantes bombardeamentos. “Podemos ouvi-los vindos de qualquer direção. É assustador”.
O receio é que as forças russas não permitam que os corredores humanitários funcionem em Mariupol, tendo as autoridades locais alertado esta quinta-feira que os bombardeamentos tão intensos e contínuos que os civis não conseguiam sair dos seus abrigos para escapar.
O problema é que o Kremlin reserva um ódio particular às milícias de extrema-direita ucranianas, como o infame batalhão Azov, um grupo neonazi que Putin tem usado como justificação para a sua invasão. E “a zona do sul é onde estão as milícias de extrema-direita, com centro de gravidade em Mariupol. Essas vão ser varridas”, explicara Carlos Branco, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais e major general na reserva, ao i.
Quanto aos civis apanhados pelo meio, enfrentam o pior do cerco, entre os bombardeamentos, frio, fome e sede. “Enchi a banheira com água antes da água ser cortada. Sobraram-nos cerca de cinco litros”, lamentou Maxim, ao canal britânico.