A evolução tecnológica das últimas décadas – só comparável com a descoberta do fogo ou a invenção da roda – transformou o mundo em todos os planos, a todos os níveis e, por consequência, mudou também a guerra.
Mas guerra é guerra. E há coisas que não vão mudar nunca.
Onde há guerra há sofrimento, há discriminação de género e de idades (e ainda bem), a solidariedade convive com a barbárie, a inteligência com a estupidez, a estratégia com o desenrascanço, a coragem com a cobardia e o medo com o terror. E há quem supere o medo e quem ceda ao pânico.
Na guerra há informação e propaganda.
E, independentemente da evolução dos meios, a propaganda é uma das principais armas em tempo de guerra. Tão importante como a informação.
Sempre foi assim e continuará a ser.
Quando há bons e vilãos, é fácil tomar partido.
E, tomando partido, não é difícil passar a ver a realidade pelo prisma de um dos lados, aquele que consideramos bom, reduzindo a propaganda tudo o que vem do outro, o vilão.
Foi com base nessas premissas que os regimes ditatoriais, em tempo de guerra mas não só, sempre cuidaram de silenciar quem se lhes opunha, para imporem as suas armas de propaganda e desinformação.
Ora, para as democracias ocidentais, os regimes ditatoriais – ideologicamente de esquerda ou de direita – sempre foram os vilões. Não os bons.
E essas práticas de propaganda e silenciamento, para as mesmas democracias ocidentais, sempre foram condenáveis, ilegítimas, inaceitáveis.
Como é possível, pois, que a União Europeia, liderada por democratas e defensores dos direitos humanos, tenha ordenado o fim das emissões de meios de comunicação russos – a começar pela televisão Rússia Today e pela agência noticiosa Sputnik (ambas indissociáveis do Kremlin) – e a Google e a Meta (Facebook) interditado os respetivos canais de difusão na web?
A senhora Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, veio dizer que, através desses meios, estávamos «a assistir a uma propaganda maciça e a uma desinformação sobre este ataque ultrajante a um país livre e independente». E, como tal, sentenciou: «Não deixaremos que os apologistas do Kremlin despejem as suas mentiras tóxicas que justificam a guerra de Putin ou semeiem as sementes da divisão na nossa União».
Ora aí está. É o que qualquer ditador diz quando quer silenciar os que se lhe opõem.
E todos os Estados-membros ouviram, calaram e aceitaram.
Do outro lado, a Rússia também bloqueou a internet e as emissões do Ocidente, numa atitude reprovável e sempre condenada pelos democratas e defensores dos direitos mais elementares como a liberdade de expressão.
Pois é. Os mesmos que preferem fechar os olhos quando a Europa faz exatamente o mesmo (e que também aplaudiram os meios de comunicação que censuraram o discurso final de campanha de Donald Trump nas últimas presidenciais nos EUA e apoiam o cancelamento discricionário de contas no Twitter ou noutras redes sociais).
E os mesmos que depois se indignam quando o PCP, por cegueira ideológica, vota contra a resolução do Parlamento Europeu de condenação da invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin.
Ou quando o BE pretende atirar-nos areia para os olhos denunciando supostos financiamentos de oligarcas russos a meios de comunicação nos quais eles próprios colaboram e dos quais inclusivamente dizem receber uma remuneração mensal a acrescer aos seus ordenados de deputados da nação para escreverem em defesa das propostas e ideias dos respetivos partidos.
Ou seja, e no fundo, são eles quem admite receber dinheiro de oligarcas russos que, pelos vistos, condenam?
Ai… de facto, o pior cego é aquele que não quer ver.
E há tantos, a somar aos muitos milhões que aceitam as palas que os iluminados da União Europeia, da Rússia, da China, da Google, da Meta, do Twitter lhes põem sobre o que podem ver, ler ou ouvir.
A informação é um bem absolutamente essencial. Que não pode ceder à desinformação nem à propaganda, venham de onde vierem.
Mas essa é outra guerra, que já tem anos e promete durar.
Porque, como já soprava o vento de Alegre, mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão / há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não!