Foi pela boca de um amigo cuja opinião muito prezo que ouvi falar pela primeira vez de Krishnamurti. Este nome de estranha reverberação suscitou-me de imediato um respeito quase reverencial. E, embora a conversa não tenha tido grande seguimento, foi o suficiente para, tempos depois, me recordar dessa referência quando me deparei num alfarrabista com o livro The Penguin Krishnamurti Reader.
Nascido na pequena cidade de Madanapalle, Sul da Índia, em 1895, Jiddu Krishnamurti perdeu a sua amada mãe quando tinha apenas dez anos. O seu pai era funcionário da administração colonial britânica e consta que lhe batia. Jovem enfermiço e aluno pouco digno de nota, ele próprio viria a reconhecer que teria morrido não fosse dar-se um encontro que mudou a sua vida.
Krishnamurti tinha 14 anos quando foi avistado numa praia do rio Adyar pelo místico Charles Webster Leadbeater, um sacerdote que reclamava ter poderes psíquicos. Segundo Leadbeater, figura influente do movimento teosofista, o jovem possuía «a mais maravilhosa aura» que ele alguma vez vira. Daí em diante, Leadbeater colocou o adolescente sob a sua alçada, traçando grandes planos para ele: Krishnamurti deveria ser educado e preparado para tornar-se o mestre espiritual que os teosofistas há muito aguardavam, o equivalente de um Buda ou Cristo.
Uma combinação de fatores, a que a minha curiosidade não terá sido alheia, fez com que eu iniciasse a leitura da antologia de textos de Krishnamurti logo a seguir a tê-la adquirido. Como referi, a própria sonoridade do nome do autor fez-me alimentar grandes expectativas. Porém, à medida que avançava, cada vez estava menos convencido dos ensinamentos contidos nas páginas amareladas.
Transcrevo um pequeno comentário que escrevi a lápis à margem do texto: «Krishnamurti fala por diversas vezes de «grande amor». No entanto, também diz que o mundo é «terrível» e refere-se a uma «sociedade em permanente conflito consigo mesma». Insiste que é preciso mudar o mundo porque está tudo errado. Afinal que «grande amor» sente e por quê ou por quem?». Pela humanidade não era, com certeza.
Ao contrário do que eu imaginava, Krishnamurti parecia um homem amargurado, quase revoltado. Talvez essa revolta resultasse da sua própria biografia. Depois de ser descoberto na praia por Leadbeater, o jovem indiano foi levado para o Reino Unido.
Para o preparar para a sua missão, o mentor impôs-lhe um intenso programa de exercício, desporto, estudos, ioga, meditação, preceitos de higiene, boas maneiras, línguas, etc. Às tantas, cansado de tanta tarefa e responsabilidade, Krishnamurti desvinculou-se dos teosofistas e renunciou a esse papel de mestre espiritual – embora fosse exatamente isso que muitas pessoas, incluindo figuras tão notáveis como George Bernard Shaw, Aldous Huxley, Bruce Lee e Jackson Pollock, viam nele.
Confesso que pouco encontrei no Penguin Krishnamurti Reader que me fizesse bom proveito. Nenhuma iluminação, nenhuma revelação. Não era nada daquilo que esperava. Os poucos apontamentos que fiz no livro dão conta do meu desencanto. Um dos últimos diz respeito a uma resposta dada numa entrevista. «Como podemos libertar-nos do orgulho?», perguntou-lhe o jornalista.
«Se tivesse tomado atenção à resposta à sua pergunta anterior, teria percebido como libertar-se do orgulho, e estaria livre de orgulho; mas você estava mais preocupado em como colocar a pergunta seguinte, não é?», repreendeu-o Krishnamurti. «E por isso não estava a ouvir. Se ouvisse realmente, descobriria por si a verdade do que lhe estou a dizer». Posso estar muito enganado, mas seria capaz de jurar que um mestre, um verdadeiro mestre, jamais falaria assim, com esse misto de desprezo e soberba.