O coletivo que condenou Ricardo Salgado a seis anos de prisão efetiva por três crimes de abuso de confiança explica na sentença, a que o i teve acesso, que na sua decisão pesaram sobretudo o “estatuto económico” do banqueiro e o facto de “a atividade delituosa” se ter prolongado no tempo. Sobre as alegadas limitações psíquicas do arguido, o Tribunal limita-se a registar que tem doença de Alzheimer, mas não retira daí qualquer consequência prática para a sua decisão.
Em causa, recorde-se, estão sucessivos ‘saques’ de dinheiro da Enterprises Managemet Services, uma sociedade constituída por fundos do Grupo Espírito Santos (GES) e conhecida como o ‘saco azul’ do grupo, a duas sociedades sediadas no Panamá – a Savoices e a Begolino -, a favor de Ricardo Salgado e com a ajuda de terceiros, como Henrique Granadeiro e Helder Bataglia.
A primeira verba, no valor de dois milhões e setecentos e cinquenta euros, remonta a 2010 e teve origem na Espírito Santo Enterprises, sediada na Federação Helvética para uma conta titulada por Helder Bataglia, que imediatamente a fez circular para uma outra de Salgado no Crédit Suisse, a Savoices.
Já a segunda, no valor de 4 milhões de euros, remonta a 2011, também teve origem no ‘saco azul do BES’ e teve como destino a mesma sociedade sediada no Panamá.
No mesmo ano, apenas com um intervalo de um mês e desta vez através de Henrique Granadeiro (antigo presidente da PT), com conta no banco Pictet, segue com destino à outra sociedade offshore do banqueiro, a Begolino, a última tranche no montante de 3,9 milhões.
No acórdão, os juízes valorizam a prova recolhida pelo Ministério Público e destacam a análise financeira feita por Paulo Silva, o líder da Inspeção Tributária de Braga que fez parelha com o procurador Rosário Teixeira no processo Operação Marquês, de onde os factos acima descritos foram extraídos pelo juiz Ivo Rosa, no final da instrução. “Com efeito, a documentação pontualmente indicada relativamente a cada ponto faz de facto a demonstração inequívoca das movimentações financeiras, a qual ficou mais clara com o depoimento da testemunha Paulo Jorge Carvalho Silva, que demonstra grande experiência no conhecimento do funcionamento das sociedades offshore e uma grande capacidade para fazer a interligação entre os movimentos bancários efetuados entre diversas entidades bancárias e não bancárias, a qual ficaria oculta a olhos menos experientes”afirma o Tribunal, que foi presidido pelo juiz Francisco Henriques
Explicação de granadeiro não foi “credível” Em contrapartida, os juízes não dão crédito a várias testemunhas, como é o caso de Henrique Granadeiro. A transferência efetuada por Granadeiro, a 2 de novembro de 2011, e a explicação que o ex-charmain da PT encontrou para a sustentar é alvo de ironia e humor: “Esta explicação seria credível se tal tivesse realmente ocorrido”.
No documento da transferência, foi manuscrita uma informação prestada por Francisco Fino, o procurador da conta de Granadeiro, indicando que a verba tinha em vista a aquisição futura de um bem imóvel em Portugal. Ao ser ouvido pelos investigadores da Operação Marquês, quando confrontado com este recebimento, Salgado adiantou como explicação que os quatro milhões de euros consistiam num adiantamento por conta da aquisição por Granadeiro da casa de férias que tinha num condomínio privado em Itacaré, no estado brasileiro de Bahia.
Esta versão, no entanto, não foi sustentada em qualquer contrato-promessa de compra e venda ou numa escritura de aquisição da casa, que nem Salgado nem Granadeiro conseguiram apresentar aos investigadores (alegando o bancário que, por um lado, a amizade entre ambos dispensava o primeiro documento e, por outro, a intensa vida profissional de ambos não lhes dera tempo para registarem o negócio em papel).
Além disso, ao ser ouvido como testemunha nos autos, Francisco Fino, para lá da explicação diferente que dera no documento de transferência, revelou ainda que também era proprietário no mesmo resort de luxo de uma casa que, apesar de ser melhor do que a de Salgado, não valeria sequer, aos preços do mercado imobiliário brasileiro da época, um milhão de euros.
Entre volumosa documentação que o Tribunal valorizou encontram-se ainda escutas do processo Monte Branco, o primeiro inquérito em que o antigo líder do BES caiu nas malhas da justiça, em 2011, quando ainda era presidente do BES. Interceções essas que o juiz Ivo Rosa quis que fossem retiradas do processo mãe.
Alzheimer? Ficará nas mãos da Relação Os advogados de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, já anunciaram que vão recorrer da decisão. Legalmente, as possibilidades de recurso limitam-se ao Tribunal da Relação, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça só aprecia condenações superiores a seis anos de prisão. Mas a doença de Alzheimer é uma questão com que a defesa promete voltar à carga: se a Relação confirmar a condenação, deve ou não esta doença mental ser considerada na determinação da forma como o arguido cumprirá a pena?
Trata-se de uma questão nova, mas que começa a fazer o seu caminho nos tribunais. O jornal Eco noticiou, em novembro do ano passado, que o Tribunal de Viseu condenou então um ex-presidente da câmara de Tondela a sete anos de prisão (estavam em causa crimes de prevaricação de titular de cargo público e fraude na obtenção de subsídios), mas decidiu suspender-lhe a pena por igual período e na condição de ser avaliado por médicos regularmente, por sofrer da doença de Alzheimer, ainda que ligeira, confirmada em perícia do Instituto de Medicina Legal. No caso de Salgado, o tribunal recusou suspender o julgamento, conforme solicitara a defesa, e não pediu uma perícia independente, limitando-se a juntar ao processo a declaração médica apresentada e a não tirar daí consequências práticas.