Tudo o que precisa de saber sobre o conflito de A a Z

Todos os dias temos ouvido falar de Donbass e de Euromaidan, de mísseis Javelin ou bombas de vácuo, do papel da Turquia ou do cerco a Mariupol. Estes são os conceitos cruciais para perceber a invasão da Ucrânia.

A – Acordos de Minsk

Quando os acordos de Minsk foram rasgados por Putin, ao reconhecer as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, já há muito que não eram cumpridos pela Ucrânia. Os acordos – plural, porque havia o Minsk I, de 2014, que permitia trocas de prisioneiros entre Kiev e os separatistas, entrega de ajuda humanitária e a retirada de armamento pesado, mas que foi rapidamente violado por ambos os lados, e o Misk II – foram negociados, como o nome indica, na Bielorrússia, sendo completados em 2015, sob os auspícios da França e Alemanha. O propósito de pôr fim à guerra civil a troco de um grau de autonomia das duas regiões separatistas, Donetsk e Lugansk, mas isto desde então não foi formalizado pelo Parlamento ucraniano, para fúria do Kremlin. 

 

B – Batalhão Azov

Os neonazis do batalhão Azov, formado por hooligans do FC Metalist Kharkiv na guerra de 2014, e ativos sobretudo no leste, são um dos argumentos favoritos de Putin. Quando as tropas ucranianas eram desbaratadas, os Azov, contando com o apoio de extremistas de todo o mundo, foram cruciais na retomada de Mariupol. Acabarama ser integrados nas forças armadas, apesar de inúmeras acusações de crimes de guerra. Daí que Putin fale da “desnazificação” da Ucrânia, apesar de se estimar que os Azov não tenham mais que alguns milhares de voluntários.

C – Crimeia

Se Donbass era para onde iam operários soviéticos, para a Crimeia iam militares. Esta península é o centro do poder naval do Kremlin, lar da frota do Mar Negro, em Sebastopol. Foi anexada em 2014, seguindo-se um referendo não reconhecido pela comunidade internacional. O Kremlin, que já uniu a Crimeia à Rússia continental com uma ponte gigante, exige que Kiev reconheça a perda da península como condição para retirar. 

D – Donbass

Quando falamos de Donbass, referimo-nos a Lugansk e Donetsk. Era o coração industrial da Ucrânia, lar de uma população sobretudo russófona, com muitos descendentes de operários vindos de toda a URSS. Quando o Governo pró-russo caiu na revolução Euromaidan, formaram-se milícias separatistas em Donbass, contando com o apoio de comandos enviados à paisana pelo Kremlin. Hoje, apenas parte de Lugansk e Donetsk estão nas mãos de separatistas.

E – Euromaidan

Viktor Yanukovych, quando recusou assinar um acordo de associação com a UE, dado que esta exigia medidas contra a corrupção e afastamento da Rússia, não sonhava a escala dos protestos que isso causaria. Quando os reprimiu, em novembro de 2013, tornaram-se violentos, com elementos da extrema-direita a trocar com a polícia na ruas. O Governo de Yanukovych, democraticamente eleito, foi derrubado com apoio do Ocidente, enfurecendo o Kremlin e levando russófonos a insurgir-se, despoletando uma guerra civil em 2014 e a anexação da Crimeia.

 

F – Bombas de fragmentação​

Entre as armas mais temidas no arsenal russo estão as bombas de fragmentação. São bombas que soltam explosivos mais pequenos, devastando tudo em redor. São particularmente pouco precisas, pondo em risco os civis. Já foram vistas em ação durante a intervenção militar russa na Síria, em apoio do regime de Bashar Al Assad, mas havia esperança de que o desejo de Putin de controlar a Ucrânia refreasse o seu uso destas armas, para não incentivar a insurgência. Contudo, há relatos da sua utilização, incluindo contra um hospital em Kiev. 

G – Gás Natural

Não há nada que afete esta guerra como o gás natural. É das principais exportações russas, mas também uma das fontes de receita da Ucrânia, cruzada por gasodutos, que vão da Rússia à Europa. Kiev cobra a Moscovo 2,66 dólares por mil m3 de gás natural que passe por 100 km, diz o Instituto para o Estudo de Energia de Oxford, num total anual equivalente a 1,1 mil milhões de euros. Já a Europa é acusada de temer ser dura com Putin, não vá este cortar o gás natural de que depende.

 

H- Hostomel

A invasão começou com os russos a arrasar a capacidade aérea da Ucrânia, custasse o que custasse. E em nenhum lado isso foi tão óbvio como no aeroporto militar de Hostomel, crucial para defender Kiev, tomado por comandos que desceram de helicópteros em rappel, numa cena digna de Hollywood. 

I – Irpin

Irpin, a oeste de Kiev, foi apanhada no meio das manobras russas para cercar a capital. Foi aqui que houve fogo de morteiros russos sobre civis que fugiam, quando o New York Times filmava, fazendo pelo menos oito mortos e chocando o mundo.  

J – Javelin

Quando diplomatas ucranianos pedem ajuda militar, aquilo que querem mais desesperadamente são FGM-148 Javelin, de fabrico americano, talvez os mais perigosos mísseis antitanque portáteis do planeta. Têm um alcance de 2,5km e seguem o alvo através de infravermelhos, permitindo à infantaria disparar e fugir, enquanto o míssil sobe e cai, atingido tanques por cima, onde a blindagem normalmente é menor. Também podem servir contra helicópteros russos, como se vê nas imagens impressionantes que circulam na internet. 

K – Kiev e Kharkiv

Com quase 4 milhões de habitantes, a capital ucraniana, símbolo do poder político, é um dos grandes alvos da ofensiva. Talvez Putin esperasse que caísse facilmente no primeiro momento da invasão, enviando colunas ligeiras contra a Kiev, que acabaram repelidas. A população mostra-se decidida a defender a capital, incluindo muitos dos ucranianos russófonos, que representam cerca de um terço dos habitantes.

Olhando para o mapa da Ucrânia, a sua segunda cidade, Kharkiv, perto da fronteira com a Rússia, é um alvo óbvio para o Kremlin. Esta cidade, onde três quartos dos habitantes falam russo, foi colocada sob cerco, mas resistiu até agora, tendo a administração local – liderada por um partido visto como pró-Rússia – recusado render-se. Puitn não achou piada nenhuma, sujeitando Kharkiv a  bombardeamentos cada vez mais pesados, utilizando mísseis, artilharia e aviação. 

 

L – Lukashenko

Aleksander Lukashenko, o último ditador da Europa, gosta de projetar uma imagem de durão, mas deu por si nas mãos de outro homem-forte, Putin. Dado o seu isolamento internacional, após ser amplamente acusado de fraude eleitoral nas presidenciais de 2020, Lukashenko – neto de um ucraniano, e que em tempos teve uma relação muito complicada com o Kremlin – depende tanto da Rússia que até permitiu que a Bielorrússia servisse de ponto de partida da invasão da sua vizinha Ucrânia, facilitando o cerco a Kiev pela margem oeste do rio Dniepre. Há alegações de que tropas bielorrussas estão a participar na guerra.

M – Mariupol

Mariupol, um dos grandes palcos da guerra de 2014, está a ser a cidade mais massacrada pela invasão russa. Está cercada, sem água, comida, eletricidade e medicamentos, sujeita a fortes bombardeamentos. Fica no sul da Ucrânia, onde o avanço russo é mais rápido, talvez por o terreno ser menos lamacento que no norte, e é crucial para controlar o mar de Azov. Também é a base das milícias nacionalistas ucranianas, odiadas pelo Kremlin, que se mostra particularmente brutal contra Mariupol, enquanto civis são apanhados no meio. 

 

N – NATO

Uma das exigências de Putin é que a Ucrânia nunca entre na Nato. Para o Kremlin, é inaceitável ter uma aliança criada contra si à sua porta, lembrando que, quando a URSS caiu, a NATO prometeu não se expandir no leste. Desde então, quase todos os países da região entraram na aliança. Já a NATO defende ter uma política de portas abertas – ainda que as tentativas de Putin para entrar, no início do seu regime tenham sido recusadas – e recorda que a Rússia tinha prometido nunca invadir a Ucrânia, com o memorando de Budapeste, de 1994, a troco de Kiev abdicar de todas as armas nucleares deixadas pela URSS.

O – Oligarcas

Os oligarcas russos, que floresceram com as privatizações maciças após a queda da URSS, são um dos grandes apoios de Putin, mas também dos principais alvos das sanções. Já oligarcas ucranianos também têm um papel nesta guerra, cujo estalar, em 2014, é associado às disputas entre elites pró-Ocidente e russófonas. 

P – Putin

Putin invadiu a Ucrânia com a justificação de que não é um país real, mas sim o infeliz resultado de cedências soviéticas. Todos perguntam se está louco, mais preocupado com o seu legado que com o presente, se ficou cego com o saudosismo do império russo ou terá algo na manga. Talvez seja uma mistura. 

R – Refugiados

Mais de dois milhões de pessoas fugiram da Ucrânia, para escapar à invasão, na pior crise de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial, segundo a ONU. Vêm sobretudo do leste, onde decorrem os combates. Mais de 1,4 milhões estão na Polónia, uns 214 mil na Hungria, 165 mil na Eslováquia e menos de cem mil na Rússia. 

S – SWIFT

Entre as sanções económicas à disposição do Ocidente, a expulsão da Rússia do SWIFT, um sistema internacional de pagamentos bancários, era considera das mais devastadoras. Na prática, significaria que a Rússia ficava desligada da finança ocidental, mas, à semelhança dos resto das sanções, foram abertas excepções para alguns bancos russos, para que ainda seja possível aos europeus comprar gás natural russo. Além que a Rússia desenvolveu o seu próprio sistema de comunicação bancária doméstico e ainda pode usar o CIPS, a alternativa da China ao SWIFT. 

T – Turquia

A Turquia, que há anos anda na corda bamba entre Kiev e Moscovo, foi o palco das negociações a mais alto nível desde o início da invasão, com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, e o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, esta quinta-feira. Não houve acordo de cessar-fogo, apesar de estarem em terreno neutro, tendo a Turquia já vendido os seus drones Bayraktar TB2 aos ucranianos, ao mesmo tempo que irritava a NATO, de que faz parte, ao comprar o sistema de mísseis russo S-400s. 

 

U – União Europeia

A União Europeia tem apoiado inequivocamente Kiev, com sanções à Rússia e até com o envio de armamento para este país em guerra, rompendo com a doutrina contra tal. No entanto, ao contrário de outros aliados dos ucranianos, a UE tem a dificuldade de que muitos dos seus Estados membros, como a Alemanha e a Hungria, são muito dependentes energeticamente da Rússia. Limitando as suas sanções económicas, mais do que Washington ou Kiev gostariam, e inspirando os europeus a uma posição menos dura contra Moscovo quando esta enviou as suas forças para a fronteira ucraniana.

V – Bomba de vácuo​

As bombas termobáricas, mais conhecidas como bombas de vácuo, são uma porção aterrorizadora do arsenal que o Kremlin usa na Ucrânia. São explosivos tão poderosos que causam uma pressão brutal, sugando oxigénio dos pulmões dos alvos, algo ideal para atingir edifícios ou bunkers. Podem ser usados na forma de mísseis, artilharia ou bombardeamentos aéreos, tendo já sido utilizados pelos EUA nas caves do Afeganistão.

 

Z – Volodymyr Zelensky

Se o Kremlin esperava que o Governo ucraniano cedesse rapidamente, não contou com a teimosia de Volodymyr Zelensky, um antigo comediante tornado Presidente, que insiste em não arredar pé de Kiev. Há uns meses, Zelesnky sofria com a baixa popularidade, agora é visto como herói pelos seus concidadãos e pelos seus aliados em todo o mundo.

O Z, desenhado a branco nos tanques e veículos russos, tornou-se um símbolo da invasão. Não se sabe exatamente o que significa, especulando-se que servirá para evitar fogo amigável, talvez seja referência à expressão “pela vitória” (“za pobedu” na versão latinizada). Mas ganhou vida própria, tornando-se sinónimo de apoio a Putin e à invasão.