As negociações de mais alto nível desde o começo da invasão russa da Ucrânia, decorridas na Turquia podem ter acabado sem «nenhum avanço» rumo a um cessar-fogo, admitiu Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros ucranianos, após se encontrar com o seu homólogo russo, Sergey Lavrov. Mas a pressão nesse sentido aumenta, com as forças do Kremlin a encontrar mais resistência que esperavam (ver páginas 8-9) e até Pequim, aliado crucial de Moscovo, se mostra cada vez mais desconfortável com o conflito.
O Presidente Xi Jinping, durante uma cimeira virtual com o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, e com o chanceler Olaf Scholz, esta semana, considerou que a situação na Ucrânia é «profundamente preocupante» e que a prioridade deve ser impedir a guerra de «sair de controlo». E se há algo que o regime chinês – conhecido pela sua cautela na arena internacional – não gosta é que as coisas fujam de controlo.
Xi declarou-se «dorido por ver as chamas da guerra serem reacendidas na Europa», avançou a Televisão Central da China (CCTV). Ainda assim, o Presidente chinês apelou à França e à Alemanha que tentem minimizar os impactos globais desta crise, apelando a que não deixe as sanções afetarem a estabilidade das finanças ou fornecimento de energia e matérias-primas.
É aqui que está o busílis da questão. Se as sanções do Ocidente já estão a afetar a economia russa, esta agora depende sobretudo da China para as tentar contornar. Sem Pequim, a decapitação financeira do regime russo é quase inevitável. Se a tal «preocupação» de Xi – «encorajamos todos os esforços que conduzam à resolução pacífica da crise», frisou o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, esta sexta-feira, citado pela Reuters, reforçando que a prioridade é evitar que a guerra «saia de controlo» – se traduzirá na retirada do seu apoio económico a Vladimir Putin, obrigando-o a apostar a sério em negociações de paz, só o tempo dirá.
Aliás, se a China teria conhecimento avançado da preparação para a invasão russa da Ucrânia, como acusa Washington, tendo até pedido à Rússia que a adiasse para depois dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, em Pequim, provavelmente não esperavam que esta se arrastasse – ninguém esperava, tendo dirigentes das secretas ocidentais recorrentemente avisado a imprensa que o Governo ucraniano deveria cair dentro de semanas, dada a brutal disparidade de poder militar.
Como tal, a China talvez já se esteja a arrepender da sua «parceria sem limites» com Moscovo, declarada dias antes da invasão. Além da perda reputacional que ser de aliado do Kremlin agora causa, Pequim viu os seus adversários mostrarem crescente unidade face à invasão, diminuindo o fosso que surgira ao longo dos últimos anos entre Washington e os seus aliados europeus.
O timming também não é bom, «Xi está ansioso por manter a estabilidade antes do 20.º Congresso do Partido Comunista deste outono», altura em que irá exercer as alterações constitucionais para contornar a limitação de dois mandatos, apontou a Foreign Policy. «Pior ainda, os muitos contratempos de Putin no campo de batalha provavelmente neutralizaram qualquer otimismo que planeadores militares chineses pudessem ter tido sobre facilmente retomar Taiwan pela força».
Além disso, mesmo que Pequim preserve no apoio a Putin, é possível que não chegue para amortecer o impacto das sanções. É que, apesar de ainda fluírem euros para a Rússia, através das lacunas nas sanções que permitem à Europa comprar gás natural russo, estes continuam a ser extremamente necessários para o comércio com a China – apesar de estarem a tentar apostar mais no renminbi, os negócios entre estes os dois países continuam a ser conduzidos em dólares ou euros.
Como tal, «a China não irá salvar o barco a afundar que é a economia russa», notou Eswar Prasad, economista da Universidade de Cornell, ao New York Times. «Talvez o permita flutuar mais um pouco e afundar-se um pouco mais devagar».
Velhas amarguras
Por agora, as exigências de ambos os lados continuam a parecer incompatíveis. Moscovo pretende a «desmilitarização» da Ucrânia, a «desenazificação» – lido como sinónimo da queda do Governo de Volodymyr Zelensky – e a admissão da perda da Crimeia, bem como da independência de Lugansk e Donetsk, além da garantia que a Ucrânia nunca entrará na NATO. Já Kiev quer uma cessar-fogo imediato e a retirada dos invasores – o único ponto onde parece haver margem para negociar é em relação a um estatuto de neutralidade ucraniano face à NATO.
Há anos que as negociações entre estes vizinhos estão num impasse, devido às constantes ameaças russas e à incapacidade – ou falta de vontade política – da Ucrânia de implementar os acordos de Minsk II, assinados em 2015, em que tinham oferecido autonomia a Donetsk e Lugansk a troco do fim da guerra civil. Não será nada fácil chegar a acordo, «as tentativas falhadas de sequer concordar quanto a corredores humanitários para a evacuação de civis nos últimos dias mostram quão difícil é», escreveu Tatyana Malyarenko, professora na Academia de Direito de Odessa, num artigo com Stefan Wolff, da Universidade de Birmingham, publicado no Converstion.
Talvez a novidade dos últimos dias tenha sido a discussão de um encontro entre Zelensky e Putin, exigido pelos ucranianos nas negociações na Turquia. O que por si só provavelmente não chegaria, tudo sugere «que Putin continuará a escalar a guerra até às suas exigências serem cumpridas», apontam estes professores. «Dada a justificável determinação do Ocidente em não permitir que Putin se safe outra vez com as suas flagrantes quebras da lei internacional – e, cada vez mais, da lei internacional, sob as convenções de Genebra – irá demorar algum tempo antes da diplomacia poder ganhar tração outra vez».