Nunca viveu em Portugal, muito menos pensou que vinha para cá para fugir da guerra. Mas sabe falar minimamente português, com a ajuda da universidade. Margarida vivia em Bucha, a cerca de 40 km de Kiev, capital da Ucrânia, até que um dia tudo mudou. "Eu nunca me vou esquecer quando a minha mãe me acordou, no dia 24 de fevereiro, e disse: 'estamos em guerra, levanta-te'. Fiquei muito preocupada e em choque" diz, em declarações ao Nascer do Sol.
Com 20 anos, Margarida vivia com o seu padrasto, com a mãe e com as duas irmãs. Eles ficaram na cave, escondidos. E ela fugiu, com uma prima e uma tia. "Durante os quatro dias que estive em fuga, vi muita coisa. Saí de Fastiv e depois conseguir chegar até lviv, tudo de comboio. Estava com a minha tia e com a minha prima nos primeiros dias. Foi complicado. Ouvi muitas bombas, vi muitas pessoas com medo, com fome e com frio". E no meio do desespero, conta, a pouca comida que havia tinha de ser protegida. "A alimentação não era fácil. Havia quem roubasse. E no que toca ao descanso — era muito mau. Não conseguia dormir nem descansar."
Crédito da fotografia com direitos reservados
De Portugal, quem também não conseguia pregar olho era Helena Pereira, a sua meia-irmã. A mais de 4.000 quilómetros de distância, Helena tentava perceber qual a melhor forma de tirar a Margarida dali. E o mais rápido possível. "Foi muito stressante. Não me lembro de ter tanta ansiedade na vida. A minha irmã dizia-me onde estava e perguntava-me o que devia fazer. E eu ir ao Google Maps e dizer-lhe para onde ir. Sentia-me impotente por estar tão longe", confessa.
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Depois das longas filas na fronteira, conseguiram chegar à Polónia. A tia e a prima de Margarida ficaram lá, já que tinham conhecidos e familiares. "Quando a minha irmã saiu da Ucrânia, eu sabia que ela tinha de chegar a Portugal de alguma forma. A certa altura comecei a ligar a várias pessoas que eu sabia que iam com carrinhas levar mantimentos e buscar refugiados", conta Helena. Assim, com a ajuda das redes sociais, descobriu uma solução. "Encontrei um senhor, que não conhecia de lado nenhum — o Moisés. Vi uma publicação dele no Facebook e liguei-lhe para saber se me podia ajudar. Ele aceitou e disse que podia ir buscar a minha irmã, a Cracóvia."
Antes de a tia e a prima ficarem instaladas, foram conhecer o Moisés, com a Margarida. "Pagou-lhes um jantar e uma noite num hotel, de forma a poderem descansar", continua Helena. Não resultou. "Na manhã seguinte, o Moisés liga-me e disse-me que a Margarida não dormia, não descansava e não comia. Apenas fumava, com os nervos. Se ela não descansava, eu também não conseguia."
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Moisés viu qual era o aeroporto mais próximo, mas rapidamente percebeu que não chegavam a tempo do próximo voo para Portugal. Ainda não era desta que as irmãs estavam juntas. A viagem continuou até a Alemanha, onde Margarida conheceu uma nova família: "O Moisés levou-a para a casa de familiares em Nuremberg e tratou-a como se fosse uma filha. E foi aí que descobrirmos que o Moisés é circense. A margarida ficou a dormir numa caravana muito confortável, ao pé do circo e dos animais. "No dia a seguir levou-a até ao aeroporto de Frankfurt, onde a margarida já tinha um voo pago por mim. E de Frankfurt veio para Lisboa. Acho que o nome dele ser Moisés não é coincidência."
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Margarida, com olhar tímido, recorda-se do que viveu durante os quatros dias em que esteve em fuga. "Estive sempre muito nervosa, porque não sabia se as coisas iriam correr bem", confessa. E apesar de estar contente com a ajuda que recebeu e com a chega a Portugal, o seu pensamento ainda está com os amigos e com os outros membros da família. "Apesar de continuarmos em contacto, eles estão lá, escondidos, na cave, a ouvir bombas”.
E deixa claro: Na sua opinião, Vladimir Putin "vai querer mais" do que a Ucrânia, caso consiga conquistar o país. Já sobre o Presidente Volodymyr Zelensky, a impressão mudou em 180 graus. "Antes não gostava dele. Agora? Adoro-o, sem dúvida."
A sua vida continua em Portugal. E é aqui que quer continuar a viver. "Não quero voltar para a Ucrânia nunca mais. É perigoso. Quero viver aqui. E que o resto da minha família que lá ficou, venha também", diz.