Depois de oito anos na Baixa de Lisboa, na Rua de S. Nicolau, o SOL mudou-se para um grande edifício em Queijas, nos arredores de Lisboa, não muito longe do Estádio Nacional, onde já estava instalada – noutro piso – a redação do jornal i.
Ora, logo à entrada desta, numa cadeira atrás de uma secretária, em lugar de um jornalista ‘sentava-se’… uma boneca insuflável. Isto mesmo! Uma boneca nua, daquelas que se vendem nas sex shops para minorar o isolamento dos homens solitários.
A situação era um pouco chocante para quem chegava, mas os jornalistas são muitas vezes assim: como os estudantes, gostam de provocar e desafiar as convenções.
Ora, sempre que vejo certas mulheres com o rosto muito liso como se fosse mármore, com os lábios a rebentar de botox, com as maçãs do rosto salientes e redondas como se lhes tivessem introduzido debaixo da pele bolas de golfe, com o peito a ameaçar saltar para fora do vestido, lembro-me dessa boneca insuflável da redação do i.
Há três semanas, a modelo brasileira Linda Evangelista veio dizer que há cinco anos vive reclusa depois de uma intervenção estética mal sucedida. «Deixaram-me irreconhecível», queixou-se a brasileira, adiantando que hoje teme cruzar-se na rua com alguém conhecido. Não quer que vejam o estado em que a intervenção a deixou.
Não é a primeira pessoa a lamentar-se. Lembro-me da belíssima atriz Laura Antonelli, que ficou completamente deformada depois de uma operação ao rosto, nunca mais tendo aparecido na tela. E desde aí nunca mais teve sossego. Acabou por aparecer morta aos 73 anos, depois de uma velhice triste.
Em Portugal, toda a gente recorda o drama de Manuela Moura Guedes, que durante dois ou três anos evitava aparecer em público e só se deixava fotografar de um lado, pois o outro ficou em mau estado, após uma plástica. Felizmente já recuperou. E há ainda o caso de outra figura pública, o ex-treinador de futebol Manuel Machado, que ficou entre a vida e a morte na sequência de uma lipoaspiração, permanecendo largos dias em coma.
Mesmo assim, perante esta sucessão de histórias infelizes, vemos que são cada vez mais as mulheres com presença mediática que recorrem a intervenções estéticas.
Olhamos para Catarina Furtado e quase não a reconhecemos – de tal modo o seu rosto se transformou.
Tive um colega que dizia a seguinte frase: «É preciso saber envelhecer com dignidade». Mas muito poucas pessoas, sobretudo das áreas do espetáculo e da TV, aceitam o envelhecimento. Querem fugir aos efeitos da natureza. São raros os exemplos, como o de Simone de Oliveira, de pessoas que aceitam as rugas.
É pena.
Tentar enganar o tempo, procurar contrariar a natureza, acaba mais tarde ou mais cedo por ter um preço elevado. Olhamos para certas mulheres de alguma idade com a pele da cara esticada, os beiços grossos e a boca de lado e parecem-nos caricaturas. E quando um homem já velho tira o chapéu e mostra um cabelo preto, negro de azeviche, sentimo-nos constrangidos.
Cada idade tem a sua beleza. E em cada época a pessoa deve sentir-se bem com o seu corpo, com as alterações que o tempo nele vai produzindo.
Deve aceitar o embranquecimento do cabelo, as rugas, uma gordura aqui e ali. Isso é que é natural.
Ouvem-se pessoas ainda jovens dizer: «Fiz uma operação plástica para me sentir confortável com o meu corpo, com a minha imagem».
Ora, como é que uma pessoa pode sentir-se confortável com algo que não era seu, ou com produtos estranhos metidos dentro do seu corpo?
Como é que uma pessoa pode sentir-se bem sabendo que aqueles lábios não são dela, que aquelas maçãs do rosto não são dela, que aquele peito não é dela, que tudo é falso?
Em vez de se promover a falsidade, de se propagandearam as intervenções plásticas para iludir a natureza, devia fazer-se a pedagogia da verdade.
As pessoas não devem ter vergonha de assumir os efeitos do tempo, pelo contrário, devem ter orgulho de exibir uma idade respeitável, que resistiu aos anos e soube adaptar-se a eles.
As pessoas devem sentir-se felizes como são – e não procurarem constantemente ser o que não são, vivendo permanentemente insatisfeitas, caminhando para o cirurgião plástico sempre que aparece uma ruga, pondo botox aqui, repuxando a pele ali, metendo implantes acolá.
No fim, olhamos para essas pessoas e já não são bem reais. Olhamos para certas mulheres e já não são bem mulheres – são bonecas de plástico. Como aquela que estava à porta da redação do i. E que me causava repulsa.