A hecatombe eleitoral que o Bloco de Esquerda sofreu nas últimas legislativas, e que o fez perder 14 dos seus 19 deputados, trouxe consigo também um abalo financeiro à Rua da Palma. Com o corte substancial na subvenção pública a que o partido tem direito, conforme o número de votos obtido, os bloquistas preparam-se para fazer uma “reestruturação profunda”, que inclui uma redução de custos que “ronda os 50% ao nível das estruturas locais”, com o remanescente a ser compensado a nível central, uma onda de despedimentos e, ainda, a reorganização e fecho de sedes.
Tal como no CDS em 2019, quando passou de 18 para 5 cinco deputados e viu a sua subvenção a ser reduzida para 490 mil euros, a redução de gastos passa pelo corte na despesa com o pessoal e o Bloco não é alheio a esta realidade. O plano de reestruturação prevê uma série de despedimentos. Mas, segundo apurou o i, ainda não há números, estando o Secretariado Nacional a avaliar a situação. “Os valores ainda não estão fechados e nós não os conhecemos”, adiantaram fontes bloquistas.
Nestas novas circunstâncias, a sua atividade política passará a ter na sua génese uma lógica que é pouco ortodoxa para o Bloco: o trabalho profissionalizado dará lugar ao trabalho voluntário dos militantes.
“O que se espera é que toda a redução do trabalho de funcionários seja compensada pela militância. Nas estruturas locais o trabalho que não for suprido pelos funcionários terá que ser feito pelos militantes. É uma reorganização do trabalho”, esclarecem as mesmas fontes.
Considerando que vai haver uma redução significativa e que já há funcionários que saíram, nas distritais, o plano, que já terá sido comunicado à Comissão Política, será de passar a organizar as distritais por agrupamentos. Sabe o i que Santarém, Portalegre e Évora, por exemplo, passarão a constituir um agrupamento e a partilhar os mesmos funcionários. Apenas Lisboa, Porto e Setúbal – os únicos distritos em que o BE elegeu deputados – deverão segurar distritais próprias.
Relativamente ao fecho de sedes, essa decisão deverá ser tomada em reuniões coordenadas entre distritais e concelhias. Em cima da mesa também estará uma diminuição da aposta em materiais de informação, nomeadamente o investimento em outdoors, e no número de assessores que asseguram o aparelho burocrático a nível local.
Apesar do plano já estar em marcha, todo este processo não se faz sem alguma conturbação. Depois de uma reunião da Comissão Política a 24 de fevereiro, o grupo Convergência, que é crítico da direção de Catarina Martins, acusou o Secretariado Nacional de “claro abuso de poder”.
“Estamos claramente perante uma situação anómala e violadora dos Estatutos em que uma decisão que deverá ser tomada pela Mesa Nacional nem na Comissão Política foi discutida, tendo sido o Secretariado a apropriar-se indevidamente em claro abuso de poder – que, como órgão executivo, nem sequer tem – de funções da Comissão Política, mas com a conivência fraudulenta desta”, lê-se numa nota publicada no site do movimento.
Perante tal situação, propuseram a suspensão do processo e a convocação de uma Mesa Nacional extraordinária para assumir as responsabilidades que lhe são inerentes.
“Será uma operação de grande envergadura com consequências decisivas para o futuro do Bloco que exige ser decidida pela Mesa Nacional”, argumentaram. Contudo, a proposta foi recusada pela maioria, com a justificação “do respeito pelos funcionários a despedir que não podiam ficar dependurados de demora na decisão”. “O respeito e carinho que a maioria nutre pelos funcionários são de tal monta que alguns deles só souberam do despedimento quando receberam a nota de vencimento”, ironizam os críticos da direção.
Ao i foi referida a existência de pelo menos um caso destes, em Santarém.
De recordar que esta não é a primeira vez que o BE tem uma atitude discrepante com aquilo que defende. Recentemente, Vítor Fernando Machado, antigo funcionário do Bloco de Esquerda (BE) que esteve envolvido na Marcha contra a Precariedade ao lado do ex-líder bloquista Francisco Louçã, contou ao i que esteve dois anos em funções a recibos verdes, depois de já ter estado três anos ao serviço do Bloco e a “ser pago ao quilómetro”, sem qualquer vínculo profissional.
A pergunta que não quer calar Com a cessação de contratos já em andamento, há quem questione qual vai ser a atuação do Bloco no que diz respeito a indemnizações aos funcionários despedidos.
Entre as nove propostas que o BE queria ver inseridas no Orçamento do Estado para 2022 constava a alteração do número de dias para o cálculo de indemnização para efeitos de cessação do contrato de trabalho por despedimento. Antes de 2012, era de 30 dias por ano de trabalho, mas passou para os 12 dias no tempo da Troika, e o BE queria que passasse para 20 dias por ano de trabalho.
Na atual conjuntura, os bloquistas podem ficar-se pelas compensações estabelecidas pela lei da Troika. Mas se estivessem em vigor as alterações à lei laboral que o BE tem vindo a propor há vários anos, teria de pagar muito mais em indemnizações.