BESA. Banqueiros fazem ‘voar’ centenas de milhões

Além de o MP estar a preparar-se para acusar o empresário luso-angolano de ter retirado do antigo BES Angola cerca de 340 milhões de euros, o Nascer do SOL sabe que Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Hélder Bataglia foram também constituídos arguidos.

por Felícia Cabrita e Maria Moreira Rato

O Ministério Público prepara-se para acusar o empresário luso-angolano Álvaro Sobrinho de ter retirado do antigo BES Angola (BESA), em proveito próprio e durante a sua presidência, entre 2010 e 2013, cerca de 340 milhões de euros. Terá praticado assim 13 crimes de abuso de confiança e sete crimes de branqueamento, sobre os quais o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) reuniu novas provas. Para além de Sobrinho, o Nascer do SOL apurou que Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, administrador financeiro responsável pelos vários empréstimos do BES ao BESA, e Hélder Bataglia (administrador do BESA com Álvaro Sobrinho) foram igualmente constituídos arguidos.

O empresário foi convocado esta semana para prestar declarações no DCIAP, onde decorre o inquérito, depois de aqui terem chegado novas provas dos alegados crimes.

Segundo o Nascer do SOL apurou, Sobrinho, acompanhado do advogado, recusou prestar declarações, o que é um direito dos arguidos. Os procuradores do DCIAP ordenaram então a sua comparência junto do juiz de instrução do processo, Carlos Alexandre, para fixação de novas medidas de coação, alegando estar em causa perigo de fuga.

Carlos Alexandre concordou com o MP e aplicou a Sobrinho a mesma caução que aplicou recentemente ao ex-ministro da Economia Manuel Pinho (arguido no caso EDP): seis milhões de euros, o valor mais elevado de sempre de uma caução judicial aplicado em Portugal.

Além disso, e até prestar a caução, o empresário não se pode ausentar do país e do espaço Schengen, mas também tem de se apresentar trimestralmente perante as autoridades portuguesas, de acordo com informação veiculada pelo Conselho Superior da Magistratura num comunicado enviado às redações na passada quinta-feira.

Por fim, não se pode esquecer que o montante de 350 milhões de euros integra os 400 milhões de euros que o MP pensa que beneficiaram figuras como Salgado, Morais Pires (o braço-direito de Salgado) e Bataglia.

No radar da Justiça há mais de 10 anos

Álvaro Sobrinho está há mais de 10 anos a ser investigado pelo DCIAP, tendo chegado a ver arrestados diversos bens, como os seis andares no edifício Estoril-Sol Residence, que com os seus familiares comprou de uma assentada a 3 de março de 2010, sendo que as luxuosas casas custaram mais de 5,28 milhões de euros. 

No verão de 2014 estes imóveis foram arrestados e convertidos em definitivo a favor do Ministério Público, pois Sobrinho era então suspeito de branquear 80 milhões de euros, montante que se encontrava sob investigação do DCIAP. 

É igualmente importante referir que, em janeiro de 2015, depois de quatro sessões e meia de julgamento dedicadas à defesa do antigo procurador Orlando Figueira, Paulo Blanco – o arguido que enquanto advogado defendeu o Estado angolano em diversos casos – apresentou a sua versão dos factos no âmbito do caso Fizz.

Este momento teve particular relevância porque, antes de se focar na acusação, Blanco afirmou que existem duas sociedades com o nome Portmill – um nome central em toda a acusação do MP, uma vez que aparecia ligado a duas investigações que Orlando Figueira arquivara. E, nessa sequência, acusou o Ministério Público de ter feito uma confusão com essas sociedades de forma premeditada, como o Nascer do SOL observou: «O MP optou cegamente por seguir uma linha de investigação quando, no processo, os documentos identificam as empresas e as contas bancárias».

De acordo com aquilo que disse, a Portmill, através da qual Manuel Vicente e outras personalidades angolanas pagaram tranches dos apartamentos da Estoril-Sol Residence, não é a mesma Portmill que comprou 24% das ações do BESA Angola ao BES (os dois negócios que foram investigados pelo antigo procurador).

Volvidos sete anos, os factos agora em causa estão relacionados com financiamentos do BES em Portugal ao BESA em Angola, para negócios e empreendimentos naquele país, em que pelo menos parte do dinheiro foi desviado para offshores na Suíça, ligadas a Sobrinho.

Como o i veiculou na edição de fim de semana, o antigo presidente do BES Angola e Hélder Bataglia, fundador do Grupo Escom, o braço não financeiro do Grupo Espírito Santo em Angola, são dois dos nomes que integram a lista com mais de 100 clientes de nacionalidade portuguesa apanhados nos chamados Suisse Secrets, uma investigação que revela casos de abertura de contas na Suíça, neste caso no Credit Suisse, para esquemas de lavagem de dinheiro.

No que diz respeito a essa lista, os dois empresários luso-angolanos são os únicos visados pela Justiça, na medida em que estão a ser investigados em dois processos-crime em território nacional: na Operação Monte Branco, relacionada com um esquema de lavagem de dinheiro, e num inquérito-crime sobre a apropriação de centenas de milhões de euros no BESA, caso que remonta à época em que Sobrinho era presidente executivo do banco e Bataglia integrava a administração deste.
  
O caso Monte Branco

O caso Monte Branco/Akoya foi o primeiro grande processo por meio do qual as autoridades recolheram mais informação contra Sobrinho, tendo sido detetada a maior rede branqueamento de capitais de sempre. No centro do caso estava a Akoya, uma empresa que iniciou a atividade em 2009, como uma sociedade financeira e de gestão de fortunas na Suíça, tendo como sócios Helder Bataglia (22,5%), Álvaro Sobrinho (22,5%), Michel Canals (20%), Nicolas Figueiredo (15%), José Pinto (15%) e a advogada Ana Bruno (5%).

Tinha como função apoiar e aconselhar indivíduos e empresas na área financeira, sendo que os serviços prestados aos clientes abrangiam áreas como o aconselhamento financeiro, o suporte das suas atividades bancárias e o apoio na marcação de viagens e contactos. No seu pico de atividade, a empresa empregava mais de uma dúzia de funcionários e os seus clientes eram oriundos de diversas partes do mundo. 

Nos primeiros meses de 2012, a empresa foi referida como um exemplo no cumprimento da regulação financeira na Suíça e nos mercados internacionais. Todavia, em maio de 2012, Canals e Figueiredo, acionistas e gestores da empresa, foram interrogados e detidos por indícios de práticas fraudulentas e lavagem de dinheiro no âmbito do caso Monte Branco, colocando a Akoya sob suspeita.

Naquela época, os outros acionistas – entre os quais Álvaro Sobrinho, que tinha também uma participação no Nascer do SOL -–demarcaram-se do caso, garantindo não haver qualquer relação entre a Akoya e a alegada rede. E pediram mesmo à autoridade de supervisão suíça uma inspeção extraordinária à empresa, que terminou de forma favorável.

Contudo, já naquele ano o Nascer do SOL apurou que, dos três mil milhões de dólares supostamente envolvidos no caso Monte Branco, apenas uma ínfima parte – cerca de 2% – era gerida pela Akoya. 

Em abril de 2021, Mário Ramires e a Newsplex, SA apresentaram uma queixa-crime contra Álvaro Sobrinho, Newshold, Pineview, Sílvio Madaleno,  Armando Rui Teixeira e Lapanews, pela alegada prática dos crimes de burla, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. A queixa foi apresentada no DCIAP, que a remeteu para o DIAP. Até à data, ainda não são conhecidas quaisquer diligências.