Por Marta F. Reis e Vítor Rainho
O agente da PSP que morreu ontem poderá ter sido vítima de um conflito entre frequentadores de ginásios e que costumam combater entre si, quer em campeonatos de boxe como de full contact. Tudo terá acontecido quando um grupo, onde estavam alguns fuzileiros, abandonou a discoteca Mome, tendo um deles sido imediatamente agredido por elementos de outro grupo que estavam no exterior e que não estiveram nessa noite no interior da discoteca. Sabe-se sim que o conflito entre estes dois grupos terá começado nas Escadinhas da Praia, provavelmente na discoteca Plateau ou no seu exterior. A PSP já terá na sua posse as filmagens de vigilância da mítica discoteca das Escadinhas da Praia para tentar perceber como tudo começou.
Assim se explica a razão do primeiro grupo agressor ter feito a espera à porta do Mome, pois sabia que o grupo dos fuzileiros estava lá dentro.
Os quatro polícias, à civil, quando saíram do Mome, depararam-se com as agressões entre os dois grupos, e tentaram acalmar as coisas – e nem tiveram tempo para mostrar os crachás. Os homens que estavam envolvidos na cena de pugilato pensaram que os agentes pertenciam ao outro grupo. “Foram apanhados no meio de ‘fogo cruzado’ e ambos os grupos pensaram que eles eram reforços dos adversários”, conta ao i um funcionário da noite.
“As cenas de pancadaria entre os dois grupos espalharam-se pela rua e os polícias tentaram acudir ao que conseguiam. Mas depois de cair no chão, o agente [Fábio Guerra, de 26 anos] continuou a ser agredido com pontapés na cabeça que, infelizmente, terão sido fatais. Há imagens disso”, acrescenta a mesma fonte.
Um dos elementos envolvidos é conhecido por treinar boxe num ginásio da Quinta do Conde, Sesimbra, e faz parte dos fuzileiros. A Polícia Judiciária já estará a investigar as ligações entre os dois grupos e “poderá descobrir a razão dos confrontos”, diz ao i fonte conhecedora da segurança noturna. “Mas são coisas do passado, é normal entre frequentadores de ginásios que entram em campeonatos de luta”. E um dos agressores fará “uma perninha como segurança nos tempos livres”, revela fonte ligada à investigação.
Por outro lado, alguns dos intervenientes terão posto a circular que o vídeo que passou na televisão portuguesa mostra que o primeiro murro dado à saída da discoteca, na madrugada de sexta-feira para sábado, foi do agente que faleceu ontem no Hospital S. José. Porém, segundo fontes que estavam no local, é “completamente falso que tal se tenha passado. Os polícias foram os últimos a sair e nem tiveram tempo de mostrar os crachás, pois terão ido tentar acalmar os dois grupos”.
Contactado pelo i, João Magalhães, responsável do Mome, lamenta o sucedido e diz que há muito que pede à polícia para que haja um policiamento de visibilidade “quando saem, entre as quatro e as seis da manhã, quase duas mil pessoas das quatro discotecas da zona”. “A noite é o patinho feio, mas tudo temos feito para não deixar repetir erros do passado. Como se pode culpar empresários que nada têm a ver com cenas de violência que ocorrem na via pública?”, questiona.
João Magalhães dá mesmo o exemplo do que se passava na sua discoteca do Algarve, a Bliss, onde ocorriam desacatos quase diários na zona do estacionamento. “Falámos com o presidente da Câmara e com o comandante da GNR, e a partir das quatro da manhã estavam lá sempre dois carros patrulhas até ao fim. Os problemas quase desapareceram. Por que não se faz o mesmo aqui em Lisboa? Nessa noite, se calhar, estavam dezenas de agentes envolvidos nas operações stop nas imediações da 24 de Julho. Não será possível deslocar meia dúzia de agentes para os locais de maior concentração de noctívagos? Em Madrid é o que se passa à porta das principais discotecas. Estão sempre dois carros parados, o que inibe as pessoas de arranjarem confusões. E é fácil haver confusões quando as pessoas estão alcoolizadas à espera de um táxi ou de um Uber”.
João Magalhães conta ainda que foi mesmo um caso inusitado, pois o Mome à sexta-feira costuma ser frequentado por gente mais jovem, na casa dos 18-20 anos. “Mas deixem de bater na noite, nós não vendemos leite, vendemos álcool e procuramos que no interior da discoteca não aconteçam problemas. Já no exterior deve ser a polícia a tratar do assunto. As pessoas andam muito mais irritadas, agressivas, não sei explicar porquê”.
Fuzileiros dizem que não pontapearam Fábio Esta segunda-feira, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, garantiu que os factos que conduziram à morte do agente da PSP e que envolvem dois fuzileiros da Marinha “serão apurados e imputados”. Também a ministra da Administração Interna lamentou a morte, garantindo que o jovem terá “um funeral digno da vontade de paz que evidenciou”. Francisca Van Dunem mostrou-se segura de que as “autoridades competentes tudo farão no sentido do rápido esclarecimento dos factos.”
Segundo i apurou, vive-se um ambiente muito emocional quer nas forças policiais quer na Marinha, onde está em curso desde domingo um processo formal de averiguação de responsabilidade disciplinar, que vai decorrer à margem da investigação da PJ, não havendo certezas quanto ao que se terá efetivamente passado na madrugada de sábado. Há imagens que dão a entender que o agente deu um soco a um dos fuzileiros, que ripostou, mas ambos garantem que agiram em legítima defesa e que não pontapearam Fábio quando estava caído no chão e inanimado. Uma das preocupações é que não haja uma escalada para um sentimento de justiça popular enquanto decorrem as investigações.