por Carlos Bonifácio, Mestre em Estratégia, e João Barreiras Duarte, Consultor e Gestor de Empresas
Dois países vizinhos com uma herança de mil anos, com um percurso paralelo que deu origem ao primeiro Estado Eslavo e que teve como primeira capital Kiev, estão de costas voltados. Aqui chegados estamos perante mais uma tragédia na Europa moderna, civilizada, intitulada ‘centro do mundo’, onde se julgava que conflitos desta dimensão já não tinham lugar! Não será o nosso egoísmo e a obsessão pelo ‘nosso umbigo’ que nos impede de olhar mais à frente e compreender que afinal o desenvolvimento das sociedades não se resume ao ter mas ao ser?
Se não reconhecêssemos o direito da Ucrânia a existir enquanto nação soberana então muitas nações no nosso continente não teriam razão de ser. Esta não é mais do que uma guerra, é a afirmação da identidade de uma nação soberana ao abrigo do direito e de várias convenções internacionais.
Quando Putin evoca a violação dos Acordos de Minsk que previam a descentralização do poder, nomeadamente através da criação de governos regionais em Donbass com um grau de autonomia especial (mas que não previam expressamente a soberania enquanto estados independentes), esquece-se deliberadamente do “Memorando de Budapeste” que permitiu a transferência de todas as armas nucleares em solo ucraniano para a Rússia, tendo como contrapartida a garantia de segurança contra ameaças ou uso da força contra a integridade territorial da Ucrânia por parte da Rússia.
Ao abrigo de todos estes compromissos internacionais reiteradamente violados por Putin, duvida-se de qualquer ato de boa fé em negociações a ocorrer no futuro. O autocrata e novo imperador da ‘ressuscitada’ União Soviética tem um desejo íntimo e claro aos olhos do mundo: varrer do mapa a Ucrânia e anexá-la a sua Rússia de ‘pés de barro’. Para isso acontecer, não se inibirá de bombardear todos os territórios e incinerar vilas e cidades, se necessário for.
O mundo civilizado julga que está a negociar com um sujeito normal; mas não, está falar com um tresloucado que não hesitará em destruir tudo o que estiver à sua frente. Ainda recentemente, ameaçou que se as sanções não forem levantadas, corta o gás ao Ocidente e invade a Suécia e a Finlândia se entrarem para a Nato.
Perante este cenário catastrófico, a NATO continua numa posição defensiva e agarrada aos conceitos da sua fundação. Todos conhecemos o artigo 5º ou os necessários mandatos expressos da ONU para a sua atuação. Mas perante um louco que não respeita o direito internacional, não acata as recomendações da ONU com o seu poder de veto e que pratica crimes contra a humanidade, o que fazer?
A solução é deixar o autocrata continuar a sacrificar uma nação e milhões de inocentes para respeitar os tratados de defesa e promoção da paz da Nato? Isso parece ser o seguro de Putin.
É neste quadro delirante de Putin, apesar de se desenhar um hipotético cessar-fogo na altura em que se escreve, (o que se saúda), que parece inevitável que só um condicionamento militar forte (indireto), aliado às sanções em curso, possa surtir algum efeito, de modo a travar o avanço no terreno, para obrigar Putin a ‘sentar à mesa’ (mesmo com riscos associados) e provocar alguma erosão ou mau estar na sociedade russa contra esta aventura militar.
Ninguém é ingénuo e sabemos como está organizada a sociedade russa… Mas já não está como no tempo da revolução bolchevique, está na era da Internet, da informação, das redes sociais, com o consequente poder que têm.
O ocidente não tem grandes saídas – ou ‘força’ Puti–n a baixar as armas ou permite que ele acabe com parte da Europa e será o fracasso das democracias!