No sítio errado, à hora errada. Fábio Guerra, agente da PSP, tinha ido divertir-se à discoteca Mome, na 24 de Julho, em Lisboa, na noite de 18 para 19, com mais quatro colegas, quando, por volta das 6h30, deixou o espaço de diversão noturna e se deparou com uma batalha campal entre dois grupos. Sem tempo para mostrarem os crachás, Fábio Guerra e os colegas tentaram acabar com a cena de pancadaria, sendo então confundidos pelos grupos em contenda. Até aqui não restam dúvidas. Dois fuzileiros – Cláudio Coimbra, 22 anos, e Vadym Hrynko, luso-ucraniano de 21 -, que estavam entre os agressores, já o confirmaram ao juiz Carlos Alexandre, tendo ficado em prisão preventiva, em Tomar.
«Os polícias foram apanhados no meio de ‘fogo cruzado’ e ambos os grupos pensaram que eles eram reforços dos adversários», contou um funcionário da noite. «As cenas de pancadaria entre os dois grupos espalharam-se pela rua e os polícias tentaram acudir ao que conseguiam. Mas depois de cair no chão, o agente [Fábio Guerra, de 26 anos] continuou a ser agredido com pontapés na cabeça que, infelizmente, terão sido fatais. Há imagens disso», acrescentou a mesma fonte. Segundo fonte judicial, que teve acesso a várias imagens, tudo terá começado no interior da discoteca quando um estrangeiro alcoolizado e cambaleando foi de encontro ao fuzileiro Cláudio Coimbra, que o agrediu de imediato. Cortada a rixa de momento, o cliente estrangeiro saiu da discoteca, e como os copos não são bons conselheiros, ao deparar-se com Cláudio Coimbra desfere-lhe um fraco murro. De imediato, o fuzileiro atirou-o ao chão com um potente murro que o deixou inanimado, altura em que entrou o outro fuzileiro que lhe desferiu três pontapés na cabeça. A partir daqui, estava o faroeste montado. Os fuzileiros e os seus amigos varreram tudo o que estava na rua, onde se incluíam os amigos do estrangeiro alcoolizado.
Os agentes, já a uns largos metros afastados, voltaram para trás para pôr ordem na algazarra que acabou numa tragédia. Sem tempo de se identificarem, o agente Fábio Guerra foi violentamente agredido por Cláudio Coimbra – com passado criminal por crimes idênticos, e pelo seu colega de armas.
Os fuzileiros quando foram ouvidos por Carlos Alexandre admitiram as agressões, falaram num terceiro amigo, Clóvis Abreu, que a Judiciária acredita ser o menos responsável pela tragédia.
Segundo as imagens que passaram logo a circular entre os homens da noite, e que apareceriam no dia seguinte nas televisões, é notório que o agente Fábio Guerra foi várias vezes pontapeado na cabeça quando já estava no chão inanimado. Outro homem envolvido nos desacatos foi libertado na segunda-feira depois de ouvido pelas autoridades policiais.
As imagens que foram feitas de um telemóvel enquanto o chefe da segurança da discoteca visionava o filme dos acontecimentos já mereceram uma queixa-crime por parte dos responsáveis do espaço, já que as mesmas foram obtidas de forma ilícita por uma de duas pessoas que não poderiam estar naquela sala, só de acesso ao responsável da segurança e ao proprietário.
Mas há outras filmagens que a PJ já tem em sua posse. Nomeadamente da discoteca Plateau, nas Escadinhas da Praia, do bar Hype, paredes meias com a Mome e de um prédio próximo.
Cláudio Coimbra treinava boxe, sendo campeão nacional amador, num ginásio da Quinta do Conde, Sesimbra, dos irmãos Pavanito, um deles responsável pela segurança da discoteca Plateau e antigo campeão europeu de boxe. Outra pista que as autoridades investigam é se alguns dos envolvidos fazem ou não trabalhos esporádicos de segurança. Não é segredo para ninguém da noite que muitos agentes da PSP, nomeadamente de grupos de elite, militares e guardas da GNR fazem esses trabalhos em dias de folga para completarem um pouco mais o seu ordenado.
Apesar de os seguranças terem de andar identificados, muitas discotecas acabam por ter elementos à civil que não fazem parte da folha salarial da casa. São pagos em dinheiro, muitas das vezes ganham 50 euros por noite.
Dois carros à porta
Contactado pelo Nascer do SOL, João Magalhães, responsável do Mome, lamentou o sucedido e diz que há muito que pede à Polícia para que haja um policiamento de visibilidade «quando saem, entre as quatro e as seis da manhã, quase duas mil pessoas das quatro discotecas da zona». «A noite é o patinho feio, mas tudo temos feito para não deixar repetir erros do passado. Como se pode culpar empresários que nada têm a ver com cenas de violência que ocorrem na via pública?», questionou.
João Magalhães deu ainda o exemplo do que se passava na sua discoteca Bliss, Vilamoura, onde havia desacatos diários na zona de estacionamento. «Bastava uma boca para a namorada de outro cliente para tudo acabar mal. Nós vendemos álcool, não vendemos leite. É óbvio que é uma situação de risco. Mas depois da falar com o presidente da Câmara e com o responsável da GNR, tudo mudou porque passaram a estar presentes sempre dois carros da GNR, entre as 4 e as 6h30. É isso que tem de se fazer no resto do país», disse ao nosso jornal. «É impressionante como chegam a estar quase 50 polícias, em vários carros, envolvidos nas operações stop e não haver dois carros para estarem à porta das discotecas», acrescentou.
Polícia da noite
Para acabar com a insegurança à noite, o Governo ainda em exercício foi lesto a anunciar mudanças no policiamento, tal como se pode ler na página oficial do Executivo de António Costa: «A Ministra da Administração Interna, Francisca Van Dunem, determinou à Polícia de Segurança Pública (PSP) a criação de um Programa Especial de Policiamento de Proximidade – denominado Programa Fábio Guerra – para a promoção da segurança, paz e tranquilidade públicas e prevenção da criminalidade nas zonas de diversão noturna».
Se o modelo for o de outras polícias, nomeadamente da francesa e espanhola, a equipa agora criada terá de conhecer todos os intervenientes na animação noturna, visitará as discotecas e bares no princípio e no fim da noite, além de ter homens à civil que vistoriam as casas.
Gouveia e Melo furioso
Quem não gostou de ver o nome dos fuzileiros envolvidos foi o novo Chefe de Estado-Maior da Armada, que juntou as suas tropas para dizer de sua justiça: «Os acontecimentos do último sábado já mancharam as nossas fardas, independentemente do que vier a ser apurado. O ataque selvático, desproporcional e despropositado não pode ter desculpas e justificações nos nossos valores, pois fere o nosso juramento de defender a nossa Pátria. O agente Fábio Guerra era a nossa pátria, a PSP e as Forças de Segurança são a nossa Pátria e nela todos os nossos cidadãos», disse, citado pelo DN e pelo CM.
«Já ouvi vezes demais que não se pode ter cordeiros em casa e lobos na selva, eu digo-vos enquanto comandante da Marinha que se não conseguirem ser isso mesmo, lobos na selva, mas cordeiros em casa, então não passamos de um bando violento, sem ética e valores militares, sem o verdadeiro domínio de nós próprios e se assim for não merecemos a farda que envergamos, nem os 400 anos de história dos Fuzileiros», afirmou perante o auditório cheio.
«Quando vejo alguém a pontapear um ser caído no chão, vejo um inimigo de todos nós, os seres decentes, vejo um selvagem, vejo o ódio materializado e cego, vejo acima de tudo um verdadeiro covarde», concluiu.