Se tudo tivesse corrido como o previsto, à hora que este jornal chega às bancas muitos condutores poderiam ter sido já multados pelos radares que, supostamente, entrariam hoje em funcionamento. Acontece que problemas de energia nalguns dos novos aparelhos e complicações com a ligação de dados à rede camarária obrigaram ao adiamento da medida por uns dias, para uma data que “será oportunamente divulgada pela CML”. Só em Lisboa são 41 os flashes que poderão luzir sempre que um carro passar à sua frente a mais de 50 ou 80 kms por hora, segundo o limite imposto na artéria em causa. E se tem cumprido ou já cometeu deslizes nos troços com novas limitações, convém perceber que nos últimos meses todos os radares da capital estiveram desativados, pois quase todos estavam em testes.
Certo é que só agora é que os novos radares estão todos devidamente autenticados e vai ser “a doer”. Os condutores que tiveram o ‘azar’ de serem autuados na capital durante estes meses de 2022 foram-no pelos radares da PSP ou da Polícia Municipal – estes montados em dois carros: um Skoda e um Ford Fiesta que autuaram 610 condutores.
Atenção aos sinais Outra má notícia para os aceleras ou para os mais distraídos é que os avisos da presença de radares – modelo H43 – são pouco visíveis e, em muitos dos casos, confundem-se com a restante sinalização. Os antigos sinais luminosos que estavam na Avenida de Ceuta, Marechal Gomes da Costa ou segunda Circular, por exemplo, foram levados para algum museu e poderão reaparecer em algum projeto como o Letreiro e Galeria. O atual presidente da Câmara de Lisboa chegou a confessar que queria que a “sinalética fosse bem visível”, e questionado pelo i, respondeu: “O modelo H43 é da legislação nacional (código da estrada), logo a CML não pode interferir. De qualquer forma, a CML já está a instalar painéis informativos de reforço, com a dimensão de 1,20m x 1,00m”.
Alguns dos novos radares instalados foram colocados em locais com arvoredo nas proximidades – que cresceu nos últimos tempos -, e nesta semana os cantoneiros da Câmara de Lisboa tiveram trabalhos extraordinários para limparem ‘a vista’ das câmaras dos radares. Um dos casos a precisar de intervenção era o radar na Avenida dos Combatentes.
Como vão funcionar Os 41 novos aparelhos terão todos duas câmaras: uma para ‘apanhar’ a velocidade dos condutores – tendo hipótese de ‘flashar’ 32 carros em simultâneo – e outra para revelar a intensidade do trânsito, estando esta ligada a uma central da Polícia Municipal, que, dessa forma, poderá gerir melhor o tráfego. Mas, em princípio, apenas o radar que está colocado perto da Cordoaria fotografará os carros nos dois sentidos. Os outros, embora tenham essa possibilidade, só vão fotografar os veículos em excesso de velocidade na via para onde está virado o aparelho.
As afinações dos radares intensificaram-se nas últimas semanas, tendo sido necessário regular aqueles que estavam perto da linha dos caminhos de ferro, pois, na fase de testes, ‘apanhavam’ os comboios que passavam a mais de 50 km por hora. Por isso, o ângulo de captação de imagens foi reduzida de seis faixas de rodagem para quatro.
Em suma, como explicou ao i um polícia ligado à segurança rodoviária, “Lisboa vai tornar-se num enorme túnel da Buraca onde há 16 radares. Oito para cada lado”. Outra das preocupações dos automobilistas e dos peões é a possibilidade de muitas zonas de Lisboa passarem a ter como limite máximo os 30 km por hora, uma intenção do anterior executivo camarário. Carlos Moedas diz que o assunto está “em análise”.
Mudar semáforo por radar As novidades na capital não se ficam por aqui. Para se ter uma ideia da caça à multa, como descreve outra fonte ligada à organização da nova rede de radares, atente-se no que foi feito na avenida Dr. Alfredo Bensaúde, nos Olivais a caminho de Moscavide. Existia um sinal luminoso, bem visível, que anunciava o limite de velocidade e a proximidade do radar. Ainda no tempo de Fernando Medina foi decidido retirar esse aviso e os semáforos, que estavam colocados depois dos radares, vão ser substituídos precisamente por um radar. A deslocalização do aparelho permitirá apanhar muitos mais condutores, já que a avenida é bastante ampla e tem uma descida acentuada.
Pistolas fatais Mas o verdadeiro “terror” dos aceleras, quer de Lisboa como do resto do país, serão as “pistolas” que a GNR e a PSP adquiriram (ver infografia).
No caso das da PSP conseguem detetar carros em excesso de velocidade a 2400 metros, mas só apanham a matrícula quando o veículo estiver a 500 metros. Já as da GNR terão um alcance de 1200 metros, apesar de só fotografarem os veículos a 300 metros. Sendo que a GNR comprou 10 e a PSP 32 é fácil perceber que em cima dos viadutos será muito fácil apanhar condutores incautos. “Há um vídeo que se tornou viral com um GNR com uma ‘pistola’ na mão na zona Oeste. Estava em cima de um viaduto e apanhava praticamente todos os carros. Não há nada mais fácil de manobrar que as pistolas Laser Cam (PSP) e TruCam (GNR). As pessoas ainda não têm consciência do que vai mudar nas estradas portuguesas”, diz a mesma fonte. “O mais irritante”, acrescenta, “é que muitos dos radares colocados em Lisboa, além da introdução das pistolas, não têm como principal objetivo diminuir a sinistralidade. Se há casos que sim, onde existem acidentes com frequência, a maioria é só para apanhar infratores, muitos deles que vão em estradas com três faixas para cada lado e onde o limite de velocidade é de 50 km por hora. Isto faz algum sentido?”, acrescenta.
A Câmara de Lisboa, sobre este assunto, diz que não é da sua responsabilidade aumentar a velocidade nestes troços. “A determinação da velocidade das vias é da competência da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”.
Durante os últimos meses muito se discutiu se seria legal a fotografia dos radares apanhar o condutor e os passageiros, já que poderia levantar problemas de privacidade. O i sabe que, independentemente do parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que ontem ainda não estava publicado, as forças de segurança vão enviar as multas com a respetiva fotografia para os autuados com as caras tapadas. “Há vários países que optam por revelar a cara do condutor bem como do pendura. Na Alemanha, por exemplo, é assim que se faz. Cá, muitas vezes, os proprietários dos carros, depois de receberem a multa, optam por dar o nome de outra pessoa, normalmente de fora da Europa, para não ficarem inibidos de conduzir e ficarem com menos pontos na carta. Penso que isso está ser tratado e que será impossível no futuro adotar este estratagema, apesar da fotografia tapar a cara do condutor”, explicou ao i fonte ligada ao processo.
O fim das perseguições E não pense que a modernização das forças de segurança rodoviária fica por aqui. A PSP e a GNR têm, cada uma, cinco carros equipados com radares, devidamente homologados, que não precisam de perseguir ninguém para apanhar os aceleras.
“Muitas vezes, os condutores queixavam-se que eram ‘picados’ pelas autoridades para acelerar e depois eram fotografados em excesso de velocidade, já que o radar da GNR filmava a velocidade que ia o seu carro, fazendo depois a comparação com o veículo da frente, precisando de estar alguns segundos encostado à traseira até filmar e fotografar”, sendo que esta autuação merecia muitas vezes a contestação de escritórios de advogados especialistas nesta matéria. Digamos que se havia um carro a pôr em perigo os outros condutores, com a perseguição da GNR passavam a ser dois. Agora não vai ser preciso perseguir ninguém, pois estes novos radares estarão ligados aos tacógrafos dos seus veículos e todos os carros que passem a uma velocidade superior à permitida serão automaticamente fotografados. Se o carro da GNR for numa autoestrada a 120 e o de um automobilista passar a 160 é logo multado por ter excedido a velocidade em 40.
Quanto às velocidades detetadas, os aparelhos adquiridos e os que já constavam do material das forças de segurança, têm sensores que medem as velocidades de 20 a 300 km. “Há carros que nas autoestradas andam a mais de 300 km e não são apanhados por isso mesmo. É um perigo, mas os radares não apanham os chamados condutores Ferrari”, confessa outra fonte ligada ao processo. Mas há uma exceção: as pistolas conseguem-no fazer até aos 320.
Mais cerca de 100 radares A ampliação da Rede Nacional de Fiscalização Automática de Velocidade (SINCRO) vai ser aumentada em quase 100 aparelhos. Se até há uns meses existiam cerca de 220, com as novas aquisições o número será superior a 300. PSP, GNR, Infraestruturas de Portugal, Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e câmaras são as grandes benficiadas, mas a ANSR passará de cerca de 30 para 60 radares. Recorde-se que em 2019, o Estado arrecadou mais de 87 milhões de euros em infrações ao Código da Estrada, valor que foi menor em 2020, devido à pandemia e consequente confinamento. Mas mesmo assim entraram mais de 71 milhões de euros em 2020.
Os novos equipamentos vão servir para duas coisas muito distintas: para detetar a velocidade instantânea nas localidades e para apurar a velocidade média – distância percorrida entre dois pontos.
Segundo o Concurso Público Internacional n.º 70/ANSR/2019, o Estado português comunicou aos interessados quais os 50 locais onde esses aparelhos irão funcionar – embora o i saiba que alguns dos locais serão alterados, nomeadamente os da velocidade média. Assim, salta logo à vista que no Sul se anda muito mais depressa do que no Norte, pois é abaixo de Aveiro que há a grande concentração de radares. No que diz respeito à velocidade instantânea, a juntar aos já existentes, a região de Leiria terá mais duas caixas de radares na A1: ao quilómetro 120 e ao quilómetro 138. A A29, no Porto, terá radares fixos nos quilómetros 34 e 44. Continuando focado nas autoestradas – locais onde são detetados mais condutores em excesso de velocidade – o top 5 no ano passado era este e não será muito diferente do corrente ano, A1, A8, A29, A4 e A7 – a que liga Lisboa a Cascais, a A5, vai receber um radar entre o quilómetro zero e os 400 metros. Quem está atrasado para chegar a casa que se ponha a pau logo no início da autoestrada. Os restantes novos aparelhos serão distribuídos pelas estradas nacionais e IC, sendo certo que haverá um forte reforço no IC2 e no IC17.
Quanto à velocidade média – uma novidade nas estradas portuguesas – a distribuição conhecida, que deverá sofrer pequenos ajustes, diz-nos que dos 20 locais previstos para instalar caixas de radares (que é diferente de radares, e já explicamos) apenas existirá uma a Norte, na A3, ao quilómetro 16.
Para os mais curiosos aqui ficam as localizações dos prováveis locais de medição de velocidade média, todos abaixo do Porto. Em Coimbra poderá haver dois: A1, entre o quilómetro 211 e 212, EN109 (Km 100 até 103); Lisboa na A9 (km 17 a 18,5); EN10 (km 111 a 115); EN6-7 (km 2,100 a 2,400, embora este troço não deva ser implementado devido aos estudos de tráfego); IC19 (km 8,2 a 9,100); e a grande novidade: Ponte Vasco da Gama, local onde foi testado pela primeira vez a velocidade média. Olhando para os locais escolhidos pela ANSR, percebe-se que no Alentejo as pessoas devem andar muito depressa, contrariando os ditos populares. Évora será contemplada na A6 (km 27 a 28); e no IP2 (km 308 e 312). Em Beja a história não é muito diferente: EN260 (km 12,724 a 14,100) e IC1 (km 687 a 689). Bem perto do Alentejo fica Setúbal, a zona do país onde serão implementados mais radares para medir a velocidade média. Ao todo, as terras do Sado vão ser contempladas com seis pontos: EN10 (km 77 a 79); EN378 (km 11 a 12,7); EN4 (km 25 a 29); EN5 (km 5,750 a 6,200); EN5 (km 34,5 a 35,9) e IC1 (km 587,300 a 589). Sobra Aveiro, A41 (km 57 a 58,5), Santarém, A1 (km 60 a 65), na zona onde morreu a filha de Tony Carreira, Faro, EN398 (km 3,4 a 5) e Castelo Branco, IC8, (km 115 a 116).
Quando há pouco escrevíamos que há uma diferença entre caixas e radares a explicação é simples: a ANSR, no tal concurso público, anuncia a “aquisição, instalação e manutenção de 20 locais de controlo de velocidade média (LCVM) incluindo os respetivos cinemómetros-vídeo fixos e 10 LCVM dummies”. Sim, é mesmo verdade. O organismo encomendou 10 “monos” para enganar os condutores. Isto é: as 10 câmaras vão mudando de caixa à medida que os condutores forem abrandando, deixando esse local de ser rentável. Haverá, portanto, 20 caixas para 10 radares.
O mesmo já se passa nos restantes radares do país, em que em muitas autoestradas e pontes os radares são mudados de sítio “quando os condutores se habituam a reduzir a velocidade”, revela ao i fonte ligada à segurança rodoviária. Mas como o melhor é jogar pelo seguro, não hesite em abrandar quando vir a informação de radar, informação essa que pode aceder em tempo real no site radaresdeportugal.pt.
A preocupação das autoridades governamentais em amealhar dinheiro das infrações de trânsito é tanta que no meio comenta-se que responsáveis do setor terão tentado convencer os responsáveis do Waze, aplicação de navegação por GPS que anuncia os radares, para deixarem de avisar de forma sonora a aproximação aos famosos aparelhos de deteção de velocidade. “Não se entende. Se o objetivo é a prevenção, qual a razão para não se avisar os condutores para reduzirem a velocidade”, questiona a mesma fonte rodoviária.
Quanto aos mitos urbanos, diga-se que o anterior ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, chegou a defender o aluguer de helicópteros e drones aos espanhóis, mas tal decisão foi chumbada pelos restantes presentes. Segundo um deles, chegou a ponderar-se alugar os helicópteros à hora…
Portugueses pagam mais de 6 milhões de euros em multas por mês Como se quantifica em multas esta nova intervenção é o que só se poderá ver daqui para a frente, mas janeiro e fevereiro já foram meses em alta no que toca à cobrança de coimas por infrações ao Código da Estrada.
Segundo os últimos dados publicados da Síntese de Execução Orçamental, em janeiro e fevereiro foram cobradas multas no valor de 13,8 milhões de euros, mais 3,5 milhões de euros do que nos primeiros dois meses de 2021, um aumento de 34%. Não foram batidos os valores cobrados nestes meses no pré-pandemia, mas os novos radares também ainda não estão em funcionamento.
O i tentou perceber junto do MAI e da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que infrações contribuíram para este aumento do montante cobrado com multas da estrada, mas não teve resposta. Também não informaram em que data entram em funcionamento os radares.
No que toca à natureza das infrações, a ANSR ainda só publicou dados do ano passado até novembro, que mostram que o excesso de velocidade continuava a ser a dominante, representando 58% das infrações, embora não estivessem a aumentar, o que em contrapartida estava a acontecer com as infrações pela ausência de inspeção periódica obrigatória, pelo não uso de sistemas de retenção para crianças e pelo não uso de cinto de segurança.
No ano passado, as infrações ao Código da Estrada permitiram ao Estado um encaixe de 82,4 milhões de euros, mais de 16% do que em 2020, primeiro ano da pandemia em que as infrações e circulação reduziram durante os confinamentos. Este ano o aumento não deverá vir apenas do regresso à normalidade.