Vão sendo expostas cada vez mais atrocidade cometidas durante a guerra na Ucrânia. Os serviços secretos alemães intercetaram conversas de rádio entre tropas russas em Bucha, comentando tranquilamente os seus interrogatórios e execuções de ucranianos, avançou o Der Spiegel, no mesmo dia em que começavam a circular vídeos que parecem mostrar militares da Ucrânia a executar prisioneiros de guerra russos. Entretanto, perante os abusos em Bucha, a União Europeia até se predispôs a discutir um eventual embargo ao petróleo, na segunda-feira.
Se o mundo ainda recuperava das imagens do horror em Bucha, as conversas das tropas russas vieram as confirmar que as justificações do Kremlin – de que o massacre seria encenado, que os corpos foram lá colocados depois de os russos saírem ou não passavam de atores – não batiam certo. Além disso, também deram algumas pistas quanto a exatamente quem são os responsáveis pelas centenas de mortos encontrados nas ruas de Bucha ou em valas comuns.
“Primeiro interrogas soldados, depois disparas contra eles”, recomendou um militar russo a outro, através do rádio. Após avanços iniciais de forças de elite russas aerotransportadas vindas do aeroporto de Hostomel, perto de Bucha, quando estas sofreram baixas pesadas acabaram reforçadas por jovens recrutas inexperientes, que foram por sua vez substituídos por outras unidades, avançou o jornal alemão. Foi com a chegada destas novas unidades ao campo de batalha que os ataques contra civis se tornaram ainda mais frequentes. Tendo testemunhas visto tropas chechenas em Bucha, enquanto o Serviço Federal de Informações (BND, na sigla alemã) aponta o dedo à presença de mercenários da Wagner.
Esta empresa, controlada pelo oligarca Yevgeny Prigozhin, mais conhecido como o “chefe de Putin”, por ter enriquecido ao receber contratos de catering do Kremlin, tem ganho uma reputação de servir para o trabalho sujo de Moscovo, um pouco por todo o globo.
Mercenários da Wagner combateram na Líbia, em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, assim como na República Centro-Africana ou Mali. Mas foi na guerra da Síria que mais se destacaram, sendo considerados cruciais para a sobrevivência do regime de Bashar Al-Assad. Aí, cometeram massacres semelhantes ao que vimos em Bucha, talvez até mais brutais. Um vídeo de 2017 mostra um desertor sírio, Hamdi Bouta, aos gritos, enquanto os seus braços e pernas era esmagados com uma marreta, antes de ser decapitado.
Já a brutalidade dos combatentes de Ramzan Kadyrov, ditador da Chechénia, o filho de um senhor da guerra que se tornou um dos mais entusiásticos admiradores de Putin, também é sobejamente conhecida.
Kadyrov gabara-se de estar na frente de combate em Kiev, próximo de Hostomel, chegando a divulgar vídeos onde as suas forças especiais pareciam obrigar prisioneiros de guerra ucranianos a gritar slogans chechenos. “Vocês nazis de Kiev”, ameaçou o ditador da Chechénia no vídeo. “Não vão ter de nos procurar. Vamos encontrar-vos. Não vos resta muito tempo”.
Sejam quais forem as unidades responsáveis pelos massacres de Bucha, fizeram-no com um sangue-frio assustador. Nas conversas de rádio intercetadas pelas secretas alemãs, as tropas russas “falam das atrocidades como se estivessem simplesmente a discutir as suas vidas quotidianas”, revelou o Der Spiegel. E o BND encontrou indícios de que estes massacres “não foram atos aleatórios nem o resultado de soldados individuais fora de controlo”. Ou seja, que “o assassinato de civis se tornou um elemento padrão da atividade militar russa. Potencialmente até parte de uma estratégia mais ampla”. Tudo isto com o propósito de “espalhar o medo”.
Não espanta que, perante isto, a Assembleia-Geral das Nações Unidas tenha decidido suspender a Rússia do Conselho de Direitos Humanos. 93 países votaram a favor da moção apresentada pelos Estados Unidos, que acusava o Kremlin, de “violações e abusos horríveis dos direitos humanos que seriam equiparados a crimes de guerra e crimes contra a humanidade”. 24 países votaram contra e 58 abstiveram-se.
A expectativa da Comissão Europeia é que o crescente descontentamento com os abusos russos na Ucrânia chegue para fazer os estados membros aceitar a proibição de compra do petróleo russo, tendo já feito algo semelhante no que toca ao carvão. “Mais cedo ou mais tarde – espero que mais cedo – isso acontecerá”, prometeu o responsável pela diplomacia europeia, Josep Borrell, na quinta-feira.
Prisioneiros de guerra Ao mesmo tempo, tropas ao serviço da Ucrânia parecem ter-se dedicado também a espalhar o terror entre os seus adversários. O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, já prometeu investigar vídeos que mostram militares, identificados com símbolos ucranianos, a celebrar a execução de um soldado russo ferido, deitado numa estrada a oeste de Kiev, entre Irpm e Bucha, avançou a BBC, ao lado de três outros mortos.
O vídeo foi gravado a 30 de março, aparentemente no rescaldo de uma emboscada a forças russas na área.
“Estes nem são humanos”, disse um dos militares filmados a executar um prisioneiro russo. Já uma agência noticiosa ucraniana que publicou um vídeo desta emboscada descreveu-a como tendo sido levada a cabo pela Legião Georgiana, um grupo paramilitar formado por voluntários georgianos para apoiar a Ucrânia, que está ativo desde 2014.