São 13 aulas, por Zoom, marcadas semanalmente até 21 de junho, para descobrir os segredos das rochas e geologia do país, que aqui contaremos a cada semana – a primeira, dedicada ao quartzo, teve lugar esta terça-feira. Aos 90 anos, o geólogo e professor António Galopim de Carvalho, que inspirou gerações pela paixão pelos minerais e pegadas de dinossauros, continua a ensinar e a escrever – partilha diariamente histórias antigas e novas com os seus seguidores e amigos no Facebook, além das suas receitas, que tal como as rochas são cultura e pontes para o passado. Em arranque de ciclo político, confessa-se preocupado com alunos e professores e já escreveu ao novo ministro, que considera uma escolha acertada, mas com muito para fazer.
O que o move para continuar a ensinar aos 90 anos?
Sempre gostei de aprender e ensinar. Fi-lo em adolescente, com os rurais alentejanos, num convívio próximo e frequente como praticante de um campismo selvagem, ao encontro das aldeias e herdades. Com eles (numa experiência enriquecedora que me marcou para a vida) troquei os meus conhecimentos teóricos e livrescos de estudante liceal, com os muitos saberes práticos, próprios das suas vidas amarradas à terra, num tempo em que eram raros os que tinham acesso à Escola. Durante o tempo em que cumpri o serviço militar, como miliciano,
tanto ou mais do que os ensinamentos devidos aos soldados do meu pelotão (muitos deles analfabetos), inerentes a esta prestação à pátria, ensinei, em termos gerais, muito do que até então aprendera em matérias (nomeadamente, da química, da física, da biologia e da geologia) que poderiam complementar os seus saberes profissionais, entre operários, artesãos, empregados do comércio e dos serviços e trabalhadores do campo, como se dizia.
E depois veio a universidade.
Durante as quatro décadas (1961-2001) de ensino superior, na Universidade, foram muitos os anos em que tive a meu cargo a orientação científica dos estágios pedagógicos dos finalistas do ramo educacional. Esta atividade que preencheu o meu gosto enraizado de, a par do ensino superior, continuar a ensinar nos moldes mais gerais, abriu-me as portas, não só a todos os níveis da nossa escola pública, desde sempre fiz e continuo a fazer (ultimamente via ZOOM), mas também e sobretudo, à divulgação científica que ao longos dos anos pratiquei pela palavra falada e escrita em livros (mais de trinta publicados) e nas chamadas redes sociais. Uma vez que a cabeço ainda funciona na perfeição e que posso falar e escrever, ensinar é continuar a viver.
Sabemos pouco sobre geologia?
Sim. Diria, mesmo, muito pouco. De há muito que venho alertando para a relativamente pouca importância dada à Geologia nas nossas escolas do ensino básico e do secundário. Até parece que quem decide sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares desconhece que a geologia e as tecnologias com ela relacionadas estão entre os principais pilares sobre os quais assentam a sociedade moderna, o progresso social e o bem-estar da humanidade. Excetuando aqueles que, por formação académica e profissional, possuem os indispensáveis conhecimentos deste interessante e útil ramo da ciência, a generalidade dos nossos concidadãos não conhece nem a natureza, nem a história do chão que pisa e no qual assentam as fundações da casa onde vive. Marcados por um ensino livresco, tantas vezes desinteressante, fastidioso e sem qualquer utilidade prática, são muitos os que frequentaram disciplinas do âmbito da geologia e que, terminada esta fase das suas vidas, atiraram para o caixote do esquecimento o pouco que lhes foi ministrado, tantas vezes, sem entusiasmo nem beleza. É, pois, o que se passa com a generalidade dos portugueses, governantes e governados, sejam eles juristas, economistas, médicos e enfermeiros, militares ou marinheiros, poetas, romancistas ou jornalistas, vendedores de automóveis ou jogadores de futebol.
Num dos seus posts no Facebook, chamou a atenção com a crise sísmica nos Açores de que os currículo escolares podiam ser mais adaptados à realidade local. Que mudança gostava de ver nas escolas?
Defendo há muito a regionalização do ensino da geologia. Todos os temas da geologia, bem explicados, podem prender a atenção dos alunos. Páginas da história da Terra, conservadas nas rochas, nos minerais e nos fósseis, estão à disposição dos professores e dos alunos nos terrenos que rodeiam as suas escolas. Conhecer esses terrenos e os processos geológicos aí envolvidos desperta a curiosidade dos alunos, abrindo-lhes as portas ao conhecimento da sua região, em múltiplos domínios desta disciplina, constantes de um programa convenientemente elaborado. Tais conhecimentos, mais sentidos e interiorizados do que, simplesmente, decorados, para debitar em provas de avaliação, conferem dimensão cultural à geologia, tornam os alunos mais recetivos ao conhecimento das respetivas matérias e formam cidadãos mais conscientes da sua posição na sociedade e defensores ativos do nosso património natural. À semelhança de um velho pergaminho, de um achado arqueológico, ou de uma ruína, as rochas, com os seus minerais e os seus fósseis, são documentos que a geologia ensina a ler e a interpretar. Por isso sim: as escolas das regiões autónomas, aproveitando as condições especiais que a natureza lhes oferece, deveriam privilegiar o ensino da geologia própria das regiões vulcânicas, incluindo a geomorfologia, a petrografia, a mineralogia, a geotermia (nos Açores) e a sismicidade. Do mesmo modo, o citado vulcanismo extinto, entre Lisboa e Mafra, a Serra da Arrábida, o maciço de Sintra, o mar tropical pouco profundo que aqui existiu, durante uma parte do período Cretácico, deveriam ser objeto de estudo dos alunos destas regiões.
Está preocupado com a situação nos Açores?
Não estou nada preocupado. Posso estar enganado, mas acho que foi muito exagerado pela comunicação social. Não sou vulcanólogo, mas como não sou tenho direito a dar uma opinião incorreta. E na minha opinião tem sido muito empolado.
Um pedido para o novo ministro da Educação?
Entre muitos outros, que meditasse sobre a carta aberta que lhe dirigi na minha página do Facebook de 24 de Março. E aqui rescrevo: Ampliámos a escolaridade obrigatória para 12 anos, aumentámos o número de escolas e que melhorámos consideravelmente o parque escolar, mas, isso, todos sabemos que não é suficiente. A escola continua má. É má por múltiplas razões e a primeira é a inexistência de uma política de educação consertada entre governos e oposições, pensada a duas, três ou mais legislaturas, que envolva personalidades capazes de a concretizar. Desta política consta a escolha criteriosa dos titulares da respetiva pasta e, neste capítulo, quero acreditar que a designação do Senhor Professor João Costa para esta mais que difícil e urgente responsabilidade foi uma escolha acertada. Desta mesma política faz ainda parte uma completa revolução na respetiva máquina ministerial, e aqui, Senhor Ministro, todos esperamos que tenha capacidade de a enfrentar a bem deste que é, como disse atrás, um dos mais importantes setores da governação – a Educação.
A escola é má porque a este setor da sociedade nunca foram atribuídas as dotações orçamentais necessárias. É má porque a formação dos professores deixa muito a desejar e porque o sistema de avaliações, praticamente, nada avalia. Lembre-se que propostas de avaliações a sério têm sido rejeitadas (com o apoio dos sindicatos) por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. É má porque a imensa maioria dos professores é prisioneira de múltiplas obrigações administrativas e outras que nada têm a ver com o ato de ensinar. É má porque os professores são uma classe desacarinhada, desprotegida e mal paga, a quem a democracia retirou o respeito e a consideração que já tiveram no tecido social. Consideração e respeito que lhes são devidos como agentes da mais importante profissão de qualquer sociedade.
É má porque, em termos de educação, não temos estado a formar a maioria dos jovens que a democratização do ensino trouxe às nossas escolas. Temos estado, sim, e continuamos a estar focalizados nas estatísticas e, nessa óptica, os professores são como que obrigados a amestrarem os alunos a acertarem nas questões que irão encontrar nos exames finais. Cada vez há menos interessados e seguir a profissão e os que nela labutam só esperam reformar-se logo que a idade o permita. Estamos a atentar contra o futuro de Portugal. Todos sabemos que há boas e excelentes escolas públicas, que há bons e excelentes professores, mas o essencial do problema que temos de enfrentar reside na quantidade preocupante de escolas más e de alunos maus e esse problema só se resolve com uma verdadeira e interessada política de Educação.
Terminava a dizer que sendo velho, está longe de estar cansado e mostrava-se disponível para colaborar. Teve resposta?
Não. Uma vez escrevi-lhe uma carta parecida com esta, porque os problemas mantêm-se, quando ainda era secretário de Estado, respondeu-me simpaticamente mas não tornou a responder.
Tem havido agora novos alertas para a falta de professores nos próximos anos. Será possível atrair jovens para a profissão?
Sim. Dignificando-a, pagando melhor aos professores e tudo aquilo que escrevi. Se for feito, vamos atrair os jovens para o ensino, se não teremos um problema grave, porque hoje de facto tem havido poucos candidatos e os mais velhos assim que podem reformam-se.
Tem mais pena dos professores ou dos alunos?
Tenho pena de ambos. Confesso que tenho muita pena dos professores, mas também tenho muita pena dos alunos. Os alunos são maus quando a escola é má.
Uma escola boa consegue agarrar mesmo os indisciplinados?
Com certeza. Os professores têm de voltar a ter a autoridade que tinham e as estruturas têm de se dar ao respeito. Nunca tive alunos indisciplinados, os meus alunos eram todos meus amigos. Claro que ninguém deseja voltar ao passado. No meu tempo havia autoridade a mais. O meu professor de instrução primária seria considerado criminoso à luz da lei atual! Agora se uma escola estiver bem organizada, com pessoal suficiente, não tem estes problemas ou tem menos. Dantes eram contínuos, hoje são auxiliares de ação educativa, mudaram os nomes mas o problema mantém-se.