As forças russas lançaram ataques ao longo da linha da frente em Donbass, fixando os seus defensores, ao mesmo tempo que avançavam na direção da retaguarda das tropas ucraniana. A queda de Kreminna, uma cidade estratégica que costumava ter uns 18 mil habitantes, é vista como um avanço significativo dos russos na batalha pelo Donbass.
Os invasores lançaram-se em força contra Kreminna durante a noite de segunda-feira, atingindo-a com armamento pesado, incluindo fogo de tanque ou os temidos mísseis Grad, disparados de camiões. Atacaram a cidade vindos de todos os lados, quebrando os defensores, enquanto atrás de si ardia o complexo desportivo Olympus, onde treina a seleção ucraniana.
“Os russos entraram em Kreminna. As lutas de rua começaram. A evacuação não é possível”, descreveu o governador de Lugansk, Serhiy Haidai, no Telegram, nessa mesma noite. Horas depois, lamentava que os “orcs”, como chamou aos russos, estivessem em controlo de Kreminna. Anunciou que foram registadas pelo menos duzentas mortes de civis no assalto, mas que “na realidade há muitas mais”.
“Os nossos defensores tiveram que retirar. Entrincheiraram-se em novas posições e continuam a lutar”, garantiu o governador de Lugansk. Ali perto, a cidade vizinha de Rubizhne, que tinha 60 mil habitantes antes da guerra, era alvo de pesados bombardeamentos com artilharia e morteiros. Repórteres da France Press avistaram enormes colunas de fumo a envolver Rubizhne, onde se escutava também fogo de metralhadora.
Kreminna fica uns meros 50km a nordeste de Kramatorsk, um principais pontos de abastecimento das forças ucranianas, que defendem as trincheiras, bunkers e fortificações construídos desde a guerra de 2014, para conter os separatistas russos de Lugansk e Donetsk.
As forças aqui aquarteladas são compostas por boa parte dos forças profissionais ucranianas, os militares mais bem treinados e equipados. O receio é que o Kremlin – que sabe que um assalto frontal, com infantaria ou forças mecanizadas teria um custo elevado, que talvez Vladimir Putin não conseguisse explicar aos russos, sobretudo após as perdas sofridas durante as tentativas para cercar Kiev – se dedique a desgastar as linhas ucraniana com bombardeamentos, enquanto tenta cortar o acesso a abastecimentos e reforços.
Na prática, caso as forças russas tivessem sucesso, isso tornaria boa parte do Donbass numa espécie de Mariupol gigante. E é algo que as forças ucranianas tentam impedir a todo o custo, enquanto tropas russas se vão posicionando na direção de Sloviansk, perto de Kramatorsk.
“Agora já podemos afirmar que as tropas russas começaram a batalha pelo Donbass, para a qual se têm preparado há muito tempo”, declarou Volodymyr Zelenskiy, horas antes de se saber da queda de Kreminna. “Uma parte significativa do exército russo inteiro está agora concentrada nesta ofensiva”, continuou o Presidente da Ucrânia.
“Não interessa quantas tropas russas sejam conduzidas para ali, vamos lutar”, assegurou Zelensky. “Vamos defender-nos. Vamos fazê-lo todos os dias”.
No entanto, as condições no Donbass são bem mais complicadas para os ucranianos do que a norte de Kiev. O terreno é mais plano, ideal para a guerra convencional que os russos querem, sem tantas florestas ou áreas urbanas, que facilitavam as emboscadas com lança-mísseis que as forças da Ucrânia tão bem souberam concretizar. Além disso, uma parte da população do Donbass não está tão disposta a arriscar revelar a posição dos invasores, usando os sites criados pelo Governo da Ucrânia para tal, algo considerado crucial para repelir os russos em redor da capital.
Aliás, se a Ucrânia teve de criar unidades policiais para caçar sabotadores russos nos arredores de Kiev, aqui não falamos de tropas russas disfarçadas, mas sim de habitantes locais, que se sentem marginalizados há anos por sucessivos governos ucranianos, acusados de investir menos em regiões russófonas, enquanto recusavam o russo como língua oficial.
“Não percebo o que lhes vai pela cabeça… Talvez seja a propaganda russa?”, questionou-se o coronel Alexander Malish, o chefe da polícia de Kramatorsk, que quase todos os dias tem prendido habitantes por passarem informações aos russos através de grupos no Telegram. “Depois da guerra o povo da Ucrânia vai ter de decidir o que fazer com as pessoas que têm ajudado as forças ocupantes”, disse Malish, à BBC.