É um novo alerta sobre a falta de representatividade geográfica e étnica nas análises científicas que visam tirar conclusões sobre o comportamento e bem-estar humano e chega, desta vez, de um dos campos que tem ganho popularidade nos últimos anos: a relação entre saúde mental e o contacto com a natureza.
Investigadores da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, fizeram uma revisão de 174 estudos sobre os benefícios da exposição à natureza em indicadores de felicidade, depressão e ansiedade e concluíram que, se as conclusões apontam no mesmo sentido, há um problema de base na investigação: a maioria dos participantes nas amostras avaliadas eram “brancos e ricos”. Os próprios conceitos tendem a refletir as visões do mundo ocidental quando há doença mental no resto do globo e formas muito diferentes de lidar, interagir ou valorizar a natureza que acabam por escapar, o que impede que os resultados sejam apresentados, como geralmente são, como verdades universais – e dificulta que se tirem todas as ilações.
O trabalho foi publicado na revista Current Research in Environmental Sustainability e chama a atenção pela conclusão e pela preocupação de que a área da saúde planetária não se deixe levar pelas conclusões mais próximas de onde estão as equipas de investigação.
No artigo, notam que o peso da doença mental tem crescido “consideravelmente” nos últimos 30 anos a nível global e que é um co-factor de outras doenças, ao mesmo tempo que a discussão sobre a sustentabilidade e relação com a natureza é guiada por preocupações como as alterações climáticas.
Uma maior interação com a natureza tem vindo a ser apontada como um fator potencialmente preventivo ou estabilizador de alguns sintomas, mas mais uma vez parece estar a notar-se aqui um dos vieses debatidos das ciências comportamentais, que tendem a focar-se em sociedades do Ocidente, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas – um universo psicológico ironicamente batizado com o acrónimo WEIRD (estranho em inglês) pelo antropólogo Joseph Henrich, professor no departamento de Biologia da Evolução Humana na Universidade de Harvard, e pouco representativo da diversidade humana, já que a maioria da população do planeta não vive neste contexto.
Para perceber até que ponto esta nova área estava a ser contaminada por isso, analisaram 174 estudos publicados em revistas científicas e encontraram a mesma distorção, que acaba por determinar a forma como os diferentes conceitos e conclusões são enquadrados, defendem.
Três quartos dos estudos publicados em revistas científicas foram conduzidos no chamado mundo ocidental e apenas três noutros contextos geopolíticos: Colômbia, Irão e Índia. A maioria dos estudos foram realizados em países de rendimento elevado, apenas 2,3% em países de médio rendimento e 1,2% em países pobres. A maioria dos estudos não tinha também qualquer informação sobre a diversidade da população abrangida, nomeadamente etnias.
Para os autores, este tipo de viés replica o que já tinha sido notado em estudos anteriores, considerando que deve levar a uma reflexão sobre como não perder parte das experiências, culturas e valores que podem afetar esta interação do ser humano com o meio ambiente. E alertam em concreto que há uma “operacionalização” da própria natureza, o que pode não ser necessariamente sustentável.
“A nossa análise demonstra que a investigação neste campo considera a natureza como uma alternativa terapêutica: ‘doses de natureza’ são intervenções de saúde, o contacto com a vida selvagem é uma terapia e a ‘vitamina G’ [G de greenspace, espaços verdes] é uma ‘substância’ de qual os humanos precisam, em vez de ser vista como uma entidade entrelaçada, sagrada e fundamentalmente holística. Poucos investigadores na nossa análise reconhecem que é preciso alterar esta perspectiva mecanicista e apoiar, em oposição, uma redesenho dramático dos habitats humanos em vez de encorajar soluções paliativas como parques ou jardins institucionais”, escrevem.
Para a equipa, liderada pelo antropólogo Carlos Andres Gallegos-Riofrio, especialista em populações indígenas, bem-estar e paisagem biocultural, o assunto merece atenção e desafiam a que surjam estudos para testar a hipótese de uma relação entre natureza e bem-estar/saúde mental de uma forma mais aprofundada, representativa, ultrapassando “visões redutoras e colonialistas” com abertura. “Uma inclusão genuína na investigação do bem-estar e natureza (incluindo o contributo comunitário e conceptualizações alternativas de natureza, bem-estar e saúde mental) terá um enorme potencial de produzir implicações no mundo real”.
Reagindo ao trabalho que, também com alguma ironia dá pelo título de “Deficiência Crónica de Diversidade e Pluralismo na Investigação sobre os Efeitos da Natureza na Saúde Mental”, Joseph Henrich, que cunhou a teoria “WEIRD”, disse ao The Guardian que o trabalho mostra um “viés massivo” das conclusões nesta área, juntando-se ao apelo por mais estudos. Para já, considera que fica limitada a capacidade de fazer qualquer generalização dos resultados.
O que dizem os estudos
Na lista de trabalhos analisados incluem-se investigações sobre os benefícios de viver, trabalhar ou estudar perto de zonas verdes, dos ganhos gerais para o bem-estar a problemas específicos de saúde como o défice de atenção e hiperatividade em crianças.
Entre eles surge apenas uma investigação feita em Portugal, publicada em 2014, sobre a prática de exercício ao ar livre. Na altura, numa amostra de 282 desportistas, os investigadores concluíram que aqueles que combinam atividade física no interior e ao ar livre reporta mais emoções positivas e maiores níveis de bem-estar, sendo o contacto com a natureza um preditor significativo de bem-estar.