Não existe um balanço recente dos surtos de covid-19 em lares e unidades de cuidados continuados, mas o aumento da transmissão do vírus nas últimas semanas tem estado a atingir também estas instituições, até algumas que nos últimos meses tinham passado incólumes, apurou o i.
Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, confirma que têm vindo a registar-se novos surtos nos lares, uma situação que está a ser acompanhada com “atenção”, diz, mas sem uma preocupação acrescida devido à elevada cobertura vacinal dos idosos, concordando com a medida implementada há duas semanas que deixou de obrigar à apresentação de certificado digital ou teste negativo para visitas.
Já Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, alerta para a necessidade de qualquer pessoa que visite ou trabalhe num lar continuar a ter atenção aos sintomas e manter os cuidados como o uso adequado da máscara, lavagem frequente das mãos e ventilação de espaços fechados. Para os médicos de saúde pública, perante uma maior probabilidade de surtos com o alívio das restrições, a mensagem deveria mesmo ser reforçada por parte das autoridades de saúde com uma campanha de comunicação dirigida a estes contextos.
“Desde o levantamento do uso obrigatório de máscaras estamos a assistir a um aumento da média diária de casos. O vírus circula com mais facilidade e portanto é normal que sendo estas instituições servidas e visitadas por pessoas que vivem na comunidade, onde o vírus circula, estas acabem por trazer para dentro das instituições alguns casos e que possa haver surtos”, começa por sublinhar o médico, considerando que será importante perceber se os novos surtos estão a originar doença grave, se os idosos estão a recorrer mais aos serviços de saúde e se há um aumento da mortalidade. “Neste momento ainda não se notou um agravamento da mortalidade nem nos internamentos, mas claramente há maior probabilidade de surtos nestes locais”.
Para Gustavo Tato Borges, o alerta para este risco devia continuar a ser difundido e manter-se na mente da população: “Não é porque neste momento nos lares já não é obrigatório fazer um teste quando vamos visitar os nossos familiares que não devemos ter um bocadinho mais de atenção connosco próprios para perceber se devemos ir ou não e de que forma devemos ir. Se temos algum tipo de sintoma respiratório, não devemos ir visitar os nossos idosos e os mais vulneráveis, mas mesmo sem sintomas devemos ter muito cuidado quando entramos nestas instituições de maneira a nunca retirar a máscara, manter algum distanciamento e, acima de tudo, ter uma higiene das mãos e uma etiqueta respiratória irrepreensíveis, promovendo também a ventilação do local onde estamos”, diz, exemplificando com o cuidado que se deve continuar a ter em conversar num espaço com a janela aberta, se possível.
Gustavo Tato Borges sublinha que a saúde pública continua a trabalhar com os lares e que os surtos, mesmo nas situações em que causam doença ligeira, têm um grande impacto na vida das instituições, que acabam por ter de isolar os utentes e restringir visitas. “Um caso num lar tem sempre maior impacto na vida das pessoas que lá residem e trabalham do que na comunidade, por isso quando vamos visitar as pessoas mais vulneráveis deveremos recordar que não queremos ser nós a levar para lá a doença. Pensar por exemplo que nos dias anteriores à visita podemos resguardar-nos um pouco mais de contactos sociais, vigiar a sintomatologia, para que possamos não ser nós a provocar este tipo de situações.”
O dirigente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública considera por isso que uma campanha dirigida a estes contextos era oportuna. “Mesmo estando melhores condições de temperatura, e esperando nós em breve que possa haver uma tendência decrescente da incidência, neste momento o vírus continua a circular e temos de ter muito cuidado quando vamos visitar os mais vulneráveis. Devia haver uma aposta forte nesta comunicação e numa divulgação muito focada nos riscos e cuidados a ter para proteger os mais vulneráveis”, diz, compreendo a diminuição da frequência dos avisos, mas considerando que as duas coisas não são incompatíveis. “É verdade que as nossas instâncias políticas e de saúde deixaram cair este alerta de risco porque a mortalidade está estável, num limite ao superior ao desejável mas estável, e continuar a massacrar as pessoas com estes avisos poderia cair em saco roto, mas devíamos continuar a alertar para estas situações específicas. O primeiro-ministro deu um bom exemplo, quando continuou a usar máscara e disse que cautelas e caldos de galinha cada um usa o que quer. Essa demonstração de que não acabou e que apesar de estarmos em condições de levantar medidas devemos continuar a olhar para esta pandemia de uma forma cuidada, especialmente para proteger os mais vulneráveis, é importante”.
O i procurou ontem obter um ponto de situação sobre surtos em lares junto da DGS, mas não foi possível ter um balanço. Os casos de covid-19 aumentaram na última semana em todos os grupos etários. O último relatório de linhas vermelhas da DGS e do INSA recomenda a manutenção das medidas de proteção individual nos grupos de maior risco e a vacinação de reforço.