Dia da Vitória chegou sem as conquistas que Vladimir Putin gostaria de celebrar. E o Presidente da Rússia – bem consciente que muitos russos perderam entes queridos, amigos e vizinhos na Ucrânia, havendo estimativas que os invasores tenham sofrido até 15 mil baixas – lá tentou mobilizar a população. “A perda de cada oficial e soldado é dolorosa para nós e uma perda irrecuperável para a família e amigos”, admitiu Putin, prometendo novos apoios sociais para as famílias dos combatentes russos abatidos.
Durante as últimas semanas, a expectativa era que o Kremlin aproveitasse este feriado, quando se celebra a rendição dos nazis, em 1945, para fazer uma declaração formal de guerra à Ucrânia, ou de apresentar algum mudança estratégica. Em vez disso, Putin aproveitou para justificar a sua invasão como um “ataque preventivo contra uma agressão”, tecendo paralelos com a II Guerra Mundial.
“Lutaram contra o inimigo às portas de Moscovo e Leninegrado, Kiev e Minsk, Estalinegrado e Kursk, Sebastopol e Kharkiv”, declarou Putin, lembrando algumas das principais batalhas na Frente Oriental. Tinha ao seu lado as mais altas patentes militares russas e pela frente uma parada onde participaram umas 11 mil tropas, menos que o costume, presumivelmente porque tantos dos seus camaradas estão na Ucrânia. “Hoje, como no passado, estão a lutar pelo nosso povo no Donbass, pela segurança da nossa terra-mãe”.
No entanto, do outro lado das trincheiras, o sentimento era o inverso. “Nunca pensei que iria odiar os russos, nunca”, admitiu ao Guardian Valentyna Lits, uma pensionista de Kiev, filha de um artilheiro do Exército Vermelho, que passou o resto da sua vida traumatizado com o que viu em combate contra os alemães. Do alto dos 94 anos, Lits teve de fugir do lar onde residia, perto de Bucha e Irpin, quando este foi tomado por tropas vindas da Rússia, um país que sempre adorou, onde nasceu o seu marido e vivem os seus netos. “Agora, vejo e oiço o que está a acontecer, homicídios e violações, a morte de crianças, e sinto ódio, estou cheio de ódio”, lamentou Lits.
Já para Volodymyr Zelensky, a memória da II Guerra Mundial também continua bem viva. “Juntos com o mundo civilizado inteiro, horamos todos os que defenderam o planeta do nazismo durante a II Guerra Mundial. Milhões de vidas perdidas, destinos desfeitos, almas torturadas e milhões de razões para dizer ao mal: nunca mais”, continuou o Presidente ucraniano. “A 24 de fevereiro, o ‘nunca’ foi apagado. Abatido a tiro e bombardeado. Por centenas de mísseis disparados às 4h da manhã, que acordaram toda a Ucrânia”.
“As nossas cidades sobreviveram à terrível ocupação nazi e levámos quase 80 anos a esquecê-la. Mas estamos perante uma nova, continuou Zelensky, num discurso gravado perante umas torres residenciais em Borodianka, perto de Kiev, bombardeadas e destruídas pelas forças russas. “Os nazis mataram 10 mil civis durante os dois anos de ocupação. A Rússia matou 20 mil em dois meses de ocupação”, rematou o Presidente.
Festa entre ruínas Enquanto infantaria e forças mecanizadas russas tentavam tomar de assalto Azovstal, o último reduto ucraniano em Mariupol, denunciaram as autoridades locais, a cidade era palco da festa do Dia da Vitória. Manifestantes pró-Kremlin transportaram uma faixa de 300 metros, preta e laranja, as cores associadas às celebrações da II Guerra Mundial na Rússia, através das ruas desta cidade, cercada e devastada pelas forças russas.
“Ocupantes celebram o Dia da Vitória sobre os ossos de Mariupol”, acusou o conselho municipal da cidade, através de um comunicado no Telegram. “Centenas de civis mortos pelo exército russo continuam a ser levados para a vala comum perto da aldeia de Vynohradne”, acrescentou. Já o líder dos separatistas de Donetsk, Denis Pushilin, fez questão de aparecer na festa em Mariupol com um “Z” ao peito, o símbolo da invasão russa, enquanto eram filmados desfiles noutras cidades ocupadas, como Melitopol ou Kherson.
Bruxelas sob fogo Como que para deixar claro ao mundo o seu desprezo pela comunidade internacional, à semelhança do sucedido quando António Guterres visitou Kiev, as forças do Kremlin decidiram bombardear Odessa em plena visita do presidente do Conselho Europeu.
Charles Michel estava reunido com um oficial da marinha quando começaram a cair mísseis, obrigando-o a esconder-se num bunker. O presidente do Conselho Europeu “pôde assistir em primeira mão à destruição de um edifício residencial e o impacto em civis inocentes”, descreveu uma fonte em Bruxelas ao Politico.