Por Miguel Marques Oliveira, Advogado da Cerejeira Namora Marinho Falcão
Como comunicado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras durante a presente semana, entre os mais de 31 mil pedidos de proteção temporária provenientes de cidadãos ucranianos, recebidos e aprovados pelas nossas autoridades, 11.024 são respeitantes a menores, sendo que muitas destas crianças e jovens chegaram ao nosso país desacompanhados dos seus pais, e muitos deles mesmo de qualquer familiar.
Sabemos também que o SEF efetuou comunicação ao Ministério Público relativamente a 433 situações de menores que chegaram a Portugal acompanhados de outra pessoa que não os seus pais ou o seu representante legal, tendo também comunicado diretamente à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens 14 casos de menores também não acompanhados ou na presença de outra pessoa que não os seus pais ou representante legal, mas em situação de perigo atual ou iminente.
Em face desta realidade, foi tornado público pelo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados que foi transmitido ao Governo, nomeadamente ao Ministério da Administração Interna, que era entendimento desta que é premente que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras esteja munido de advogados com o fim destes prestarem apoio jurídico, mormente aos menores que têm chegado a Portugal nessa situação – e isto mesmo para que estes não corram o risco de, por exemplo, sem motivo justificativo, serem afastados das pessoas que os acompanham, e relativamente às quais se presume que mereceram a confiança dos seus pais ou representantes legais. Esta ‘exigência’, que, segundo foi dito, mereceu desde logo acolhimento positivo por parte da entidade governamental, correspondeu também a uma solicitação por parte da sua congénere: Associação de Advogados da Ucrânia.
De facto, impõe a Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo, que «A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo», sendo que, nomeadamente, se considera que a criança ou jovem se encontra em perigo quando esteja «abandonada ou vive entregue a si própria», ou «aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais».
Contudo, importa ressalvar que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens apenas pode intervir diretamente, se for prestado consentimento para tal pelos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto da criança. Caso contrário, será o Ministério Público a promover o que tiver por conveniente. E isto salvo situações de perigo iminente, ou seja: «Quando exista perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem», caso em que, independentemente da existência do referido consentimento, a aquela poderá intervir diretamente, dando porém imediato conhecimento a este.
Verdade será que, atualmente, no nosso ordenamento jurídico, apenas é obrigatória a nomeação de advogado à criança ou jovem quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a sua guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal. Mas, não menos meritoriamente nos parece ser de referir que, atendendo à especificidade da situação aqui em causa, se revela fundamental que o menor beneficie do apoio jurídico daquele não só para ajudar à caracterização jurídica da situação em concreto e tendente ao seu encaminhamento, mas também para pugnar pela efetivação e defesa dos seus direitos mais básicos como o são o direito à vida e à sua integridade física e moral.
O Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado por Lei da República, prescreve que «O advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias» de todo e qualquer cidadão, pelo que é de salutar a defesa pública de qualquer posição que procure o reconhecimento fáctico de tal realidade. Ainda para mais, quando falamos em concreto de quem, como as crianças, não pode, por si, lutar pela defesa dos seus direitos. Para tal missão, o advogado, pela sua independência e singularidade de atribuições, deve sempre assumir a função de ‘último garante’.