Estudou Direito em Amesterdão…
Certíssimo.
Já sabia na altura que queria trabalhar em televisão?
Bem, a verdade é que eu queria ser ator, mas graças a Deus não fui. Perdeu-se um canastrão [risos] e ganhou-se um produtor. Queria ser ator só que o meu pai não achava muita graça a esta ideia.
O pai era juiz…
Era juiz, exatamente. Dizia-me: «Vais tirar Direito durante um ano e se depois ainda quiseres ir para o Conservatório eu deixo». Fui para Amesterdão e durante um ano fiz muita coisa lá, não pus muito os pés na faculdade. Amei Amesterdão. Depois desse ano já não quis ir para o Conservatório e ainda bem.
E terminou então o curso…
Depois comecei a estudar, também não foi só festa [risos]. Como sempre gostei mais desta área criativa, optei por uma especialização em Direito de Autor. Foi assim também que arranjei o meu primeiro emprego. Como me tinha especializado e havia relativamente poucas pessoas nessa área… Trabalhei três anos como jurista. O que fiz mais foram contratos.
Entretanto a vida profissional ganha um novo rumo. Como surge esta vinda para Portugal?
Comecei a trabalhar em 1990. Fiz dois anos de contratos, mas não gostava nada. Aprendi imenso, mas não gostava. Então chateei o meu patrão, dizia-lhe que queria outra coisa, eu era novo, o que me permitia alguma rebeldia. Um dia ele disse-me: «Ok, vais ao sul da Europa para ver se consegues vender os nossos formatos». Em 1993 viajei muito pela Grécia, Turquia, Espanha e Portugal, os quatro países que me foram indicados. Consegui vender cá em Portugal dois programas: o Chuva de Estrelas e o Mini Chuva de Estrelas. Na altura, eu trabalhava na Van den Ende e havia outra produtora que era a De Mol, mais tarde juntaram-se e formaram a Endemol. Quando há essa fusão, é precisamente quando eu sou enviado para Portugal. Em 1994. Sim, em janeiro de 1994.
Numa altura em que as estações privadas estavam a dar os primeiros passos. Como foi esse início?
Foi cheio de adrenalina. Éramos novos, estávamos cheios de vontade de provar que éramos capazes. Na altura havia uma geração de pessoas mais velhas que dominava a televisão. Lá vínhamos nós, com 20 e poucos anos – eu era o mais velho, tinha 29. Era um ambiente fabuloso! Tinha amigos que vinham visitar-me e ficavam, por exemplo, uma semana. No final dessa semana eu deixava-os no aeroporto e eles perguntavam-me: «Como é que tu aguentas?». Eles estavam mortos porque era trabalhar das 9h até às 21h, jantar, sair à noite e por aí fora, cinco dias por semana. No fim de semana também tínhamos uma vida social intensa, foi uma altura muito gira e foi uma ótima forma de conhecer Portugal. Conheci muitas pessoas, atores, atrizes, produtoras. Foi muito rápido conhecer pessoas e senti-me sempre muito bem recebido.
E como reagiu o seu pai a esta mudança? Curiosamente os seus irmãos também estavam ligados ao mundo da televisão…
O meu pai nunca achou muita graça ao facto de estarmos a trabalhar em televisão. Eu tinha acabado o curso – e era o único dos filhos que tinha terminado o curso -, então achava uma pena. Mas depois veio visitar-me e viu como é que eu estava a viver em Portugal, com a energia que eu tinha, economicamente também estava bem, e ficou mais descansado.
Desde então não lhe passou pela cabeça deixar Portugal?
Depois casei [com a atriz Alexandra Lencastre], tive duas filhas, separei-me, casei de novo [com Patrícia Silva] e tive mais duas filhas. Portanto, as raízes são completamente portuguesas.
Recentemente assinalou-se o 30.º aniversário da Plural Entertainment. Como vê a evolução da produção nacional durante estas décadas?
Há toda uma evolução, tanto a nível criativo como a nível técnico. Se nós olharmos para as novelas de há trinta anos, em termos de imagem, iluminação, realização, percebe-se perfeitamente que já têm trinta anos. Toda a linguagem que o público gosta e a que está habituado mudou, evoluiu. O que se vê hoje em dia é uma versão 4.0 daquilo que se fazia.
Na década de 1990, o grande objetivo da então NBP (Nicolau Breyner Produções, atual Plural Entertainment) era rivalizar com as produções brasileiras da Globo, que eram dominantes em Portugal. Os Jardins Proibidos (2000) foi a primeira novela a bater a concorrência da Globo.
É curiosa essa história da Globo e das novelas nacionais porque, de facto, a novela também funciona por identificação. Nós estamos em casa e queremos poder acreditar, mesmo sonhando, que aquilo nos pode acontecer ou que aqueles podemos ser nós. E as novelas da Globo, embora muito bem feitas – o Brasil tem uma grande escola de novelas e os resultados sempre estiveram à vista -, não tinham esta componente. As histórias que estavam a ser contadas não eram histórias de portugueses. O José Eduardo Moniz percebeu isso. Na altura o que se dizia era: ‘Sim, está bem, mas ganhar à Globo não. Olha lá o que eles têm, os meios, a experiência, é tão lindo, tão bonito, não é possível’, mas o José Eduardo disse: «Não, não. Isso é possível porque nós vamos apostar em histórias de cá, nacionais, com as quais nos podemos identificar». E, de facto, isso aconteceu.
Qual é o papel da Ficção no contexto social?
Acho que a televisão, acima de tudo, é para entreter. Pode ser pelo lado cómico ou pelo lado dramático, há várias formas de entreter as pessoas. No fundo, retirar a atenção dos problemas do dia-a-dia e relaxar: ver, gostar e também viver emocionalmente essas novelas. E, portanto, esta identificação deve existir. Cada novela tem a sua história e a sua razão de provocar interesse, por exemplo, Quero é Viver é uma história de uma mulher que, com a idade que tem, decide libertar-se e fazer-se à vida. É uma história que inspira. É outra vertente que a televisão pode ter. Pode inspirar, ensinar e emocionar.
Não há motivo para as novelas deixarem de ser um produto de sucesso apesar da competitividade atual?
Tem de haver lugar para vários tipos de ficção tal como tem de haver lugar para vários tipos de entretenimento. O público não quer sempre tudo igual. Existem as novelas, que eu acredito que vão continuar a ser os pilares das grelhas das estações privadas em Portugal porque fidelizam, porque o público gosta e quer ver mais histórias, sentimos isto até na forma como se fala com as pessoas. As novelas têm até uma função social em Portugal, fazem parte da vida das pessoas mas, para além das novelas, podemos criar também modelos de ficção mais curtos. É uma coisa que estamos a estudar, a possibilidade de inserir algumas séries que depois têm outra densidade, outra forma, outra dinâmica de contar a história. Acredito que há lugar para tudo.
Mesmo com a presença cada vez maior das plataformas de streaming?
Sim, uma coisa não impede a outra. As plataformas de streaming oferecem outra coisa: chegar ao mundo global de conteúdos. O nosso conteúdo pode ser visto em 180 países através de um único cliente, o que é um grande desafio para quem cria, para quem faz e para quem vende.
Não assim há tanto tempo íamos ao Blockbuster…
A Netflix é um Blockbuster…
… Mas não é preciso ir à loja alugar o DVD, e, na pior das hipóteses, pagar uma multa pesada caso seja ultrapassado o prazo de entrega…
[risos] Muitos DVD’s aluguei eu, muitos. E antes VHS [risos].
A Blockbuster foi à falência em 2010. Era possível imaginar que este cenário acontecesse de uma forma tão rápida, apesar de tudo?
Talvez. Ou seja, embora não fosse possível adivinhar como estaria a televisão de hoje, o efeito da tecnologia sobre os conteúdos era previsível. Isso é um ponto claríssimo. Podíamos achar que a Internet ia ter uma grande influência nas nossas vidas, só não se sabia como. Hoje está à vista.
Hoje assistimos a produções italianas, espanholas ou sul-coreanas com a mesma facilidade com que antes víamos filmes ingleses. A série Squid Games é um bom exemplo recente disso mesmo…
É fabuloso, são injeções de criatividade, de culturas… e isto enriquece qualquer criador. É muito positivo e, depois, no meio disto tudo, o grande desafio é não perder a autenticidade dos conteúdos. A Netflix dá muita importância a isso. Aquilo que há em Portugal é sentido, é vivido, tem passado ou futuro. Nós não queremos criar histórias para a Netflix porque terão um impacto global, isso é um erro e a Netflix é a primeira a dizer que é um erro. Portanto, é olhar para aquilo que nos torna uma identidade cultural e não perder isso.
Até porque há sempre a possibilidade de não ter sucesso…
Sim. Squid Games, por exemplo, eu não sei muito de cultura coreana, mas, pelo que li, os jogos infantis presentes na série têm muita vida e presença cultural na Coreia do Sul. Há ali a tal base.
Os tais elementos de identificação de que falava?
Suponho que sim.
A aposta na internacionalização torna-se nesta fase a grande meta da Plural?
Há os conteúdos que estão a ser emitidos pela TVI e que, depois, são vendidos lá fora – na altura dizíamos em lata, que agora já não é lata nenhuma [risos] –, e posteriormente são dobrados ou legendados. Neste momento, as novelas são vendidas para mais de 125 países, o que é incrível. A venda foi também impulsionada depois de vencermos o [International] Emmy [Award] com a novela Meu Amor [em 2010]. Esse foi um momento que marcou a indústria da ficção em Portugal.
Em 2018, também a novela Ouro Verde é distinguida com um Emmy…
Exatamente. Isso foi bom não só para a Plural, mas para toda a indústria portuguesa. Até então já se sabia que a América do Sul fazia muitas novelas, mas na Europa não era assim e nós temos ali um ângulo único sobre as novelas a nível europeu.
E dos 125 países referidos, quais são aqueles em que as produções da Plural têm mais impacto? A América do Sul é um grande cliente, obviamente, também por haver alguma proximidade cultural, mas depois vai da Ásia aos Estados Unidos, não há um país em particular.
Voltando atrás… Ainda nos tempos em que estava na Endemol, foi o responsável pelo primeiro Big Brother em Portugal no ano de 2000. Tinha noção do impacto que iria ter?
Tínhamos.
Porque o formato já existia na Holanda?
Sim, na Holanda havia, mas não tinha estado no ar em mais nenhum país quando vendemos aqui em Portugal, em dezembro de 1999. Estreámos cá em setembro de 2000 e até esta data houve dois países – onde também vendemos o Big Brother – que entretanto colocaram o programa no ar: a Alemanha e a Espanha. Visitámos a produção espanhola e tive pela primeira vez aquela sensação de andar pelos corredores onde estão as câmaras e de vê-los [aos concorrentes] e eles não me verem a mim; nunca mais me esqueço, foi uma coisa incrível. O Big Brother teve uma adaptação. Na altura, o John de Mol, que era o presidente da Endemol, apresentou a ideia numa reunião internacional e não se chamava Big Brother, chamava-se The Golden Cage [A Gaiola Dourada]. Consistia num projeto mais longo: era um ano em que os concorrentes não tinham qualquer contacto com o mundo exterior e tinham a sua própria horta, a comida era toda tratada por eles, como se fossem agricultores. Nesse modelo já havia o sistema de nomeações e de expulsões, como agora. Mas nenhuma estação de televisão quis comprar o projeto com uma duração tão longa… imagine que não corria bem?! Era um problema. Fez-se então o desenvolvimento desta ideia para o Big Brother. Lembro-me perfeitamente quando o John de Mol nos apresentou esta ideia, a reunião acabou e… bom, ele era o patrão, não podíamos dizer logo assim coisas negativas, mas havia um olhar entre todos, do tipo: ‘O homem agora enlouqueceu. Tem de ir preso. Alguma vez isto se pode fazer? Então e a privacidade das pessoas?’.
Mas, de repente, a ‘novela da vida real’ torna-se um fenómeno de audiências em Portugal…
E inteligentemente juntou-se a este Big Brother a novela Jardins Proibidos. Este cocktail do José Eduardo Moniz para a TVI foi uma coisa extraordinária. Quando ia para as reuniões na Holanda, cada país tinha de falar dos seus projetos e eu falava do Big Brother e ficavam muito, muito interessados nesta ligação na grelha de programação entre a ficção e o reality, que foi uma coisa que depois inspirou outros países.
A inovação é o segredo para manter um mesmo formato sempre atual?
Os resultados falam por si e, neste momento, acho que convém dizer que o Big Brother teve uma injeção de popularidade por causa da apresentação da Cristina Ferreira. Foi importantíssimo para o formato. De repente estava toda a gente a falar do Big Brother.
Para um produtor de televisão, nos dias de hoje, quais são os principais desafios?
Apesar de tudo, contrariamente ao que se pensava há dez anos, a televisão continua viva e recomenda-se e há uma razão para isso: é o único meio que junta as pessoas a ver a mesma coisa porque o resto é individual. Estou a falar de massas. Depois é o único meio em que a publicidade consegue ter retorno a sério. No entanto, não podemos ignorar que há aqui uma nova geração e vejo isso nas minhas filhas mais novas. Para elas são importantíssimas as redes sociais e há muito esta coisa de estar a ver uma série ou uma novela e simultaneamente estar a ver o Tik Tok e mandar mensagens, ou seja, a cabeça desta geração está formatada para outro tipo de receção de conteúdos. Eu não sou dessa geração, quando recebo uma mensagem tenho que parar a televisão, leio a mensagem, respondo e, depois, volto a ver [risos].
E como olha para as redes sociais?
Sou completamente a favor porque é a realidade que existe, e é divertido também. Tem uma função social, tira pessoas da solidão… Claro que também há o lado negativo. É importante conviver com as redes sociais, mas com noção do que são. Não é aquilo que substitui o mundo real, não é nem pode ser. Não podemos relacionar-nos com as pessoas apenas através de uma via digital, é preciso o calor humano, estar, falar, olhar. É importantíssimo.
É por isso que faz poucas publicações, apesar de ter conta na rede social Instagram?
[risos] Quando comecei a trabalhar aqui [Plural] fui à gala de aniversário da TVI e fui chamado pelas minhas filhas. Disseram: «Pai, tens de perceber uma coisa, esta é a tua oportunidade de criares um perfil como deve ser e não aquela porcaria que tens». Mas eu não sou pessoa para começar a tirar selfies, embora respeite imenso quem o faça. Não tenho nada esta coisa de: ‘Ai não gosto das redes’, não. Eu gosto das redes sociais e uso-as, mas as minhas publicações são uma miséria e estou sempre a levar na cabeça das minhas filhas por causa disso [risos]. A minha filha mais nova até já me diz: «Pai, eu posso ser a tua gestora».
Por falar em redes sociais levanta-se outra questão, que se prende com o facto de estas se terem revelado tão poderosas também nos processos de casting. Muitas vezes debaixo de muitas críticas porque os atores formados queixam-se de não terem tantas oportunidades ou que acabam por ser ultrapassados por estes talentos do mundo digital. Como é que se gere este conflito?
Sim, é uma consequência. Para quem está a programar é uma espécie de tentação: ‘Se eu incluir esta pessoa no elenco levo logo com um milhão de seguidores, o que pode ser depois benéfico para as audiências’. Há essa lógica comercial. Agora, para quem faz as novelas como nós, para quem cria as produções, o mais importante é o talento do elenco. Basta dois ou três elementos do elenco – que por uma razão ou outra não têm talento – para estragar uma novela. Daí os nossos castings serem muito virados para o talento. Hoje em dia fazem-se muitos castings de self-tape, portanto nós temos muito mais contacto com as novas gerações, também vamos à procura, vamos às provas finais do Conservatório, vamos a peças de teatro. Temos uma equipa virada para isso com o intuito de descobrir novos talentos e é muito importante não estarmos sempre com os mesmos. É preciso, de facto, aproveitar as novas gerações e não só. Será sempre mais importante o talento, mas isso não quer dizer que não se olhe à volta – e então quando é um 2 em 1… Mas entre quem não tem talento nenhum e muitos seguidores e quem tem muito talento nós, produção, preferimos sempre quem tem talento, não há dúvida nenhuma.
Tal como a Plural, o Piet-Hein está perto de completar 30 anos desde que se fixou em Portugal…
Falta um ano e quando chegar essa data vou celebrar!
Qual é o balanço destas quase três décadas em Portugal?
É muito bom. Acho que se tivesse ficado na Holanda nunca teria chegado onde cheguei em Portugal. Isto porque tive uma série de fatores que influenciaram: sorte, timing. O facto de ser enviado aos 29 anos para dirigir uma produtora… Na Holanda era jurista; daí a ser Diretor-Geral da produtora ainda havia uma grande distância… aqui tive essa sorte, de poder começar logo a este nível. Depois tenho tido alturas profissionais em que tenho mais responsabilidade, mais ligado a empresas com maior faturação, mas também tive outras com faturação mais pequena. O mais importante é que em todas as empresas por onde passei, se perguntarmos às pessoas com quem trabalhei se gostaram de trabalhar lá e do que se lembram daquela altura, a imagem é positiva. Isso para mim é o maior orgulho, sem dúvida.
Costuma visitar a Holanda com frequência?
Sim, claro que sim. Tenho lá os meus pais e dois irmãos, mas eles também vêm cá. Houve alturas em que para eles até era um 2 em 1, vinham visitar-me e gozavam férias [risos]. Mas gosto de ir à Holanda. No inverno é aquela altura do ano em que sinto sempre saudades. Um dia de inverno, com o céu azul, os lagos congelados, as pessoas a patinar e a beber chocolate quente, isso não há em mais lado nenhum.
Quais são as principais memórias que guarda do tempo que viveu na Holanda?
São muitas. Esta de patinar no inverno, claramente. Ir de bicicleta para a escola no inverno com 10/15 graus negativos a levar com o vento na cara, chegar à escola, tirar as luvas e ficar 10 minutos sem sentir nada nos dedos; e também me lembro de no verão termos luz solar até às onze da noite na esplanada em Amesterdão a beber Heineken’s. Muito boas memórias.
E quando a família se reúne, costuma trocar impressões com os seus irmãos?
Sim. Nós somos quatro irmãos, três do primeiro casamento. Trabalhávamos os três em televisão e houve alturas em que tínhamos jantares de família e não podíamos falar porque eu trabalhava na Endemol, o meu irmão trabalhava na MTV e a minha irmã trabalhava na RTC e havia novidades que não podíamos revelar, mas foi engraçado. Hoje em dia só um dos meus irmãos, que vive em Londres há 30 anos, ainda trabalha em televisão.
Como é que o pai reagiu a este desfecho?
Deve ter achado: ‘Fiz alguma coisa mal. Sempre quis que os meus filhos fossem advogados ou médicos e nenhum é’. Agora, o meu irmão mais novo é médico [risos], vive na Holanda. Portanto, a honra da família salvou-se [risos].
Publicou um livro em 2007 sobre a vida e o olhar de um holandês em Portugal. 15 anos depois o que acrescentaria?
É engraçada a pergunta. Nunca pensei muito nisso. Eu acho que os estrangeiros quando vêm viver para Portugal passam por várias fases e houve uma fase – em que se calhar ainda estou mas menos do que antes – que é a de falar melhor de Portugal do que os próprios portugueses. Quando chegamos cá, nós não conseguimos ver o mal de que vocês estão sempre a falar. Em Portugal fala-se de forma um pouco negativa sobre o próprio país ou dos portugueses. Quando cheguei diziam-me: «És holandês, então vai correr tudo maravilhosamente». Lembro-me de reuniões em que diziam: «Não, não. Se ele diz é porque vai acontecer porque ele é holandês». Ou seja, havia uma certa imagem, e isso ajudou-me imenso, mas eu achava que em Portugal tudo era maravilhoso. Talvez hoje tenha uma visão mais equilibrada e mais parecida com a dos portugueses sobre Portugal do que aquela que tinha há 20 anos. Era um pouco mais naive nesse aspeto, tinha uma imagem mais cor de rosa de tudo. Mas hoje em dia continuo a ter uma imagem altamente positiva e adoro viver em Portugal, com todas as suas características. Gosto sinceramente de viver em Portugal e dos portugueses, sinto-me um português, em casa só falo português, mas também sei que nem tudo são rosas.
E as filhas falam holandês?
Muito pouco. Culpa obviamente minha. É uma desculpa como qualquer outra, mas quando as minhas primeiras filhas nasceram eu falava pessimamente português e o meu objetivo era aprender português. Ao ensinar holandês eu passava o tempo todo a falar holandês em casa – e tens de fazê-lo durante o mínimo de sete anos senão podem perder tudo – então não ensinei. Depois nasceram mais duas e sentia-me culpado, se não ensinei as primeiras duas também não posso ensinar as mais novas [risos]. Mas é curioso que a minha mulher, a Patrícia, como estava a ver as coisas mal paradas lá em casa em termos de holandês, foi ela para as aulas de holandês. Eu achava que ela ia aprender as coisas básicas. Passados três meses estava a falar ao telemóvel com o meu irmão e a minha mulher estava a explicar a uma amiga o que é que eu estava a dizer ao meu irmão. Isto mudou a minha vida, agora já não tenho uma língua secreta cá em casa [risos]. Mas aprendeu e hoje já percebe bastante.
Já fala fluentemente?
Não porque também não falamos holandês lá em casa. As minhas filhas sabem umas coisas engraçadas mas falar, falar não. Na nossa família, quando estamos todos juntos falamos em inglês. Como tenho um irmão em Londres, os filhos também não falam holandês, por isso quando estamos todos juntos falamos inglês.
Disse há bocadinho que já se sentia português. Quais são as características mais portuguesas que considera que tem?
[risos] Na parte de não viver tanto a planificar tudo. O que os holandeses têm de bom também a nível pessoal pode ser uma coisa um bocadinho chata que é, por exemplo, já saberem onde vão passar férias em maio de 2023. E eu gosto de viver a pensar se ainda iremos a algum lado em julho de 2022 – e a minha família também gosta mais de viver assim. Ganhei alguma paciência relativamente a certos processos burocráticos ou formais em certas situações. Enquanto na Holanda é tudo muito informal, aqui, às vezes, há situações mais formais e eu já me habituei a isso. Aprendi também que, como em qualquer língua ou cultura, há códigos de comportamento que têm a ver com o tipo de pessoa que temos à frente, a idade que tem, etc. Também aprendi isso porque no início foi uma desgraça… eu dizia palavrões nas reuniões, porque na Holanda dizíamos palavrões por tudo e por nada, não havia problema. Cheguei a Portugal e dizia um palavrão numa reunião e ficava tudo em silêncio [risos]: ‘O que é que este holandês está aqui a fazer?’. Aprendi a gerir esse tipo de situações.
E as características holandesas que não perdeu?
Pode tirar a pessoa da Holanda, mas não pode tirar a Holanda da pessoa. No lado profissional, os holandeses têm para a gestão um modelo um pouco mais democrático. Quando se toma uma decisão tem de se criar uma plataforma que suporte essa decisão o melhor possível. No final, é sempre o chefe a decidir, mas até lá tentas sempre juntar mais entendimento. No modelo de gestão que encontro em Portugal é que dão menos importância a esta plataforma e mais à decisão em si. Estou a generalizar, claro que varia de empresa para empresa e há empresas que têm outros modelos. Mas há 30 anos era mais assim, hoje já está mais democrático. Naquela altura as pessoas ficavam a olhar para mim na reunião e diziam: «Então, tu é que decides» e, como ainda ninguém estava de acordo com ninguém, eu pensava: ‘Ainda não posso, temos de estar de acordo’.
Tem sido uma viagem realizada?
A sorte procura-se e eu trabalhei muito para chegar onde cheguei, para mim a vida é assim. Tento sempre fazer o melhor que posso a nível profissional e pessoal. No fundo tirei o curso que tirei porque tinha isso já em mente. Se há 35 anos me perguntassem onde é que eu estaria neste momento eu teria respondido outra coisa. Nunca teria imaginado que me mudaria para Portugal. Mas se alguém perguntasse: «Assinas por baixo?», eu teria dito que sim.