Paulo Marcos garante que «nada fazia antever, em 2021, uma vaga de falências que justificasse estas medidas de precaução por antecipação» e que passaram pela saída de milhares de trabalhadores do setor bancário. Só no Santander foram 1.200 em 14 meses e a este número há que acrescentar mais 800 no BCP_e outros tantos em outras instituições financeiras – como a Caixa Geral de Depósitos, o Novobanco e o BPI, embora estes, no entender do presidente do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, representaram «processos mais consensuais, planeados e faseados».
A situação está mais calma no sistema financeiro?
O sistema bancário em Portugal está robusto e sólido, mas contra esta acalmia temos uma realidade bastante dual. Por um lado, as empresas bancárias estão bastante resilientes, bem capitalizadas e com níveis de rendibilidade muito interessantes; por outro lado, mostram uma enorme relutância em fazer uma atualização salarial e das cláusulas de expressão pecuniária que reflitam um bocadinho esta distensão de que os bancos beneficiaram em 2021 e terão beneficiado seguramente ao longo de todo o primeiro trimestre de 2022.
Os resultados do primeiro trimestre foram positivos para todos os que já divulgaram os números…
Em média, os resultados são duas a três vezes melhores do que foram no período homólogo do ano passado. Mas, se mostra bancos bem capitalizados e com belíssimos níveis de resiliência, também revela um afastamento e uma negligência em relação ao custo de vida que está a impactar de forma muito direta os trabalhadores bancários e as suas famílias. Nesse sentido, acho que há uma insatisfação crescente por parte dos trabalhadores bancários.
E as moratórias, aparentemente, não penalizaram resultados. A DECO chegou a falar em tsunami nos primeiros meses do ano…
O importante era introduzir um grau de prudência, de realismo e de algum conservadorismo nas provisões que foram feitas em 2021, altura da segunda vaga da covid. Foram dados apoios à atividade das empresas, à retoma e às famílias em toda a União Europeia e Portugal também o fez, embora esse apoio tenha sido percentualmente muito menor face ao que aconteceu em outros países europeus. Esta rede social funcionou bem, evitou a desgraça que se pré-anunciava na Europa e também em Portugal. Desde o final do primeiro trimestre de 2021 que havia a noção clara de que os apoios às famílias e às empresas estavam a funcionar, evitaram que a capacidade produtiva se desmoronasse e quando a economia descongelou foi possível retomar os níveis de atividade, os trabalhadores continuaram no ativo e julgo que seja razoável dizer que as moratórias vieram resolver o problema. Aí não há qualquer novidade. Percebo que alguns não tenham feito esta análise, mas era razoavelmente evidente que, a partir do final do primeiro semestre do ano passado, era de considerar que tínhamos conseguido conjurar, em grande parte, a tempestade. No segundo semestre, os principais banqueiros também foram dizendo isso: as instituições estavam sólidas, resilientes, com bons níveis de capitais e não tinham nenhuma indicação de que o final das moratórias trouxesse alguma instabilidade ou algum risco sistémico. Nesse sentido, houve algum grau de prudência e confirmou-se que o pior parecia ter passado no que toca às moratórias e à suspensão da economia.
Mas a fórmula para atingir bons resultados continua a assentar no mesmo: aumento de comissões e reduções de estrutura…
Há varias coisas que importa analisar. Primeiro, foi prudente terem sido constituídas provisões adicionais e as autoridades foram prudentes ao recomendar a não distribuição de dividendos para reforçar os rácios de capitais. Segundo, os bancários conseguiram em tempo recorde montar as moratórias, analisar as empresas e as famílias. Acho que aí houve uma conjugação de serviços ao cliente: profissionalismo e, ao mesmo tempo, competência das autoridades políticas de quem nos governava, quer em Portugal, quer na Europa. Acho que isso foi bastante bem assegurado. Por outro lado, há um tema muito importante e a que somos bastante sensíveis enquanto consumidores, infelizmente, a Associação Portuguesa de Bancos não fez a pedagogia para defender o setor bancário aos olhos da opinião pública e alguns responsáveis da Associação Portuguesa de Bancos têm falado apenas em redução da capacidade e do encerramento de balcões, mas isso é negar aquilo que deve ser o seu papel educacional fundamental. É preciso que se diga aos portugueses que tradicionalmente o negócio bancário tinha duas componentes: aceitar depósitos e conceder crédito. No atual contexto, aceitar depósitos é uma operação que tem custos elevadíssimos e consome capital.
Porquê?
Porque os bancos em Portugal estão confrontados com enormes excesso de liquidez por várias causas: o aforramento devido à covid e o facto de os grandes depositantes depositarem o seu dinheiro em Portugal sem pagarem por isso. Os bancos que operam em Portugal inundados de liquidez têm que depositar no Banco Central Europeu, ou seja, têm de pagar para depositar os depósitos dos seus clientes. Quando se fala do tema das comissões, é preciso dizer que o negócio dos depósitos que tradicionalmente representava metade dos resultados de um banco não funciona há sete ou oito anos e não funciona por escolhas das autoridades monetárias que transformaram as taxas de juro em níveis baixíssimos, perto de zero ou negativos e isso exige níveis de capital para cobrir estes níveis de liquidez. Isso revela que, em Portugal, somos duplamente penalizados: pelo negócio dos depósitos que desapareceu e por sermos um local de refúgio dos grandes grupos internacionais que usufruem do facto de sermos um dos poucos países da Europa, onde não têm de pagar para depositar largos valores. E como o negócio dos depósitos desapareceu, os bancos têm que valorizar os serviços que prestam aos seus clientes, cobrando comissões, já que o negócio dos juros está bastante comprometido pelo facto de as autoridades terem criado esta tempestade perfeita. A questão que importa saber, e não temos tido essa discussão, é se as comissões cobradas correspondem a serviços efetivamente prestados, saber se há comissões sobre coisas que não são prestadas e se as comissões em Portugal face a outros países da Europa comparam bem ou mal. Essa é também uma análise que não temos visto recentemente.
De acordo com a DECO dispararam nos últimos 10 anos…
Eventualmente, o estudo da DECO não o fez porque se calhar não teve tempo ou não houve essa perspetiva e a autoridade que congrega os bancos também não fez esse esforço de educação e de pedagogia junto da sociedade, que é dizer que alguns dos negócios do banco desapareceram. Imagine uma empresa a quem de um dia para o outro é-lhe dito que ‘metade das suas receitas desaparecem instantaneamente’, o que os obriga a um redesenho. Os balcões bancários eram pontos tradicionais de recolha de depósitos e as redes de gestores para clientes premium ou frequentes esforçavam-se muito em valorizar a poupança. Hoje em dia, a poupança produz prejuízos aos bancos, que têm de manter uma estrutura de custos e, devido a pressões regulatórias, são penalizados por terem depósitos. Os bancos tiveram de encontrar em toda a Europa alternativas e Portugal não é exceção. Basta olhar, por exemplo, para o outro lado do Atlântico, como a América da Sul, em que as margens de intermediação são de 14 ou 15 pontos percentuais, em que obviamente o negócio é 80% ou 85% centrado em juros e os bancos fazem dinheiro recolhendo depósitos e emprestando dinheiro. Na Europa, esta política de taxas zero, e em Portugal exacerbada pela proibição de cobrança de algumas comissões, nomeadamente sobre os grandes depositantes, faz com que os bancos não tenham muito mais alternativa do que tentarem compor os seus negócios através de comissionamento de serviços. Como sindicato, estamos sempre muito atentos em relação ao que os portugueses pagam em média e aos serviços bancários que lhes são prestados. Não só não pagam mais como também não têm piores níveis de serviços face a qualquer outro país da Europa.
Numa altura em que se fala da necessidade de aumentar a poupança, é contraproducente isso representar um custo para os bancos..
A União dos Sindicatos Independentes acabou agora o seu terceiro congresso e trouxe um conjunto de reivindicações. Muitas delas estão centradas na perda do poder de compra dos trabalhadores, pensionistas, aforradores, apelando ao Governo para que haja de forma decisiva uma atualização dos escalões do IRS – assim como já mexeu no ISP –, mas para isso é preciso que haja vontade política. E estimulando, por exemplo, a constituição de poupanças complementares visando a reforma, seja por decisão voluntária das empresas, seja por iniciativa dos próprios cidadãos. O que temos em Portugal é uma carga fiscal que, em contexto de inflação, parece estar a querer punir os trabalhadores com este imposto inflacionista, como sendo os únicos que vão ter de pagar e absorver a inflação.
Ao mesmo tempo, assistimos à redução do número de trabalhadores e de balcões…
Portugal é bastante punido por legisladores ineficientes que resolvem intervir de forma administrativa e, por isso, há um conjunto de coisas que só existem aqui. Há um imposto de solidariedade sobre a banca, imposto em tempos de covid que é anedótico. Agora que a economia retomou uma certa normalidade, o imposto continua. É um imposto de solidariedade absolutamente estúpido. Também não faz sentido que a Euribor, ao estar negativa, faça com que os clientes que tenham crédito à habitação no private banking – e muitos deles têm apenas crédito à habitação por razões meramente fiscais – estejam a ser subsidiados pelos outros clientes e no limite pelos contribuintes portugueses. É uma aberração portuguesa muito específica em que os remediados estão a pagar os créditos à habitação dos muitos ricos. É uma coisa nunca antes vista. Vivemos num contexto entre uma inabilidade política tremenda, em que se movimentam os operadores bancários em Portugal e os trabalhadores que também sofrem neste contexto absolutamente ridículo. E a juntar a isto temos o organismo do setor que, em vez de fazer pedagogia para explicar as comissões e a reversão do modelo de negócio profissional da banca, continua concentrado em fazer crer que os bancários é que são os maus da fita. Agora, esperamos que as taxas de juro em níveis normais, apesar de ainda serem tendencialmente baixas, mas previsivelmente positivas, provoquem uma normalização, porque em 500 anos de negócio bancário estes sete a oito anos de taxas zero ou negativas são uma aberração histórica, é óbvio que isto terá que mudar.
Quantos balcões fecharam e quantos trabalhadores saíram nos últimos anos?
Os números do ano passado são públicos. Os bancos de retalho, nomeadamente a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o Santander Totta, o Novobanco e o BPI , em menor escala, reduziram a sua capacidade. Entenda-se balcões e pessoas, houve outros que mantiveram, por exemplo, o Bankinter, ou outros que até reforçaram ligeiramente a sua presença, como o Crédito Agrícola. Mas sem dúvida que as plataformas de bancos estrangeiros reforçaram a sua presença, apesar desta diminuição de 40% dos balcões e 35% dos bancários nos últimos sete a oito anos. É certo que o nível de emprego na banca continua relativamente elevado. Agora, há uma recomposição entre os serviços ao cliente de proximidade – entenda-se balcões, sucursais –por prestação de serviços em plataformas. Hoje, a banca em Portugal é exportadora líquida de serviços e é uma das principais indústrias exportadoras portuguesas, talvez discreta, sem showrooms de moda e outras coisas com muito glamour, mas há claramente uma reconfiguração do negócio bancário. Assistimos, ao mesmo tempo, a uma redução acrescida na forma de servir no negócio de proximidade. Isso é nefasto para a economia como um todo, porque as plataformas de exportação de serviços financeiros são excelentes, mas claramente a economia também precisa de crédito a circular e de ter capacidade de decisão em Portugal e estamos a correr o risco de estar a reduzir de forma significativa essa capacidade.
Mas há números sonantes: desde a troika assistimos a uma perda de 12 mil postos de trabalho…
Assistimos a uma redução de 35% do número de trabalhadores ao longo de uma década e a 40% de redução no número de pontos de atendimento. Ainda no outro dia estávamos na assembleia-geral de acionistas do BCP, em representação dos nossos sócios, e um dos problemas que alguns acionistas foram colocando – arrisco-me a dizer metade – diziam respeito ao tempo de espera, à qualidade de serviço e como esta redução do número de balcões e dos pontos de proximidade tinha congestionado as sucursais que ficaram abertas e como estão a ser pressionadas. Há tempos de espera, segundo uma expressão de um dos acionistas, iguais aos da Caixa Geral de Depósitos de outros tempos.
Numa entrevista que nos deu há um ano disse que os 150 trabalhadores que iam sair do Santander eram a ponta do icebergue…
E acertámos. O Banco Santander, ao longo de 14 meses – entre outubro de 2020 e o final do ano passado –, reduziu cerca de 1.200 trabalhadores. O BCP 800 trabalhadores e depois números mais modestos e sem traumatismo social em mais dois ou três bancos de retalho – Caixa, Novobanco e BPI – em processos mais consensuais, planeados e faseados. No ano passado, os banqueiros perderam a vergonha e aceleraram este processo. No ano passado vimos de uma vez só uma redução equivalente aos quatro/cinco anos anteriores todos juntos. Isso foi particularmente dramático e foi absolutamente injustificado e absurdo. Percebemos que as empresas têm de ter liberdade económica, que a iniciativa privada é a pedra basilar das sociedades que se querem modernas, prósperas e livres, mas depois vê-se pelo nível de dividendos que foram recentemente distribuídos e que dá a ideia que foi feito tudo de uma forma demasiado brusca e sem qualquer necessidade económica.
Mas foi um período marcado por manifestações…
O nosso sindicato fez três manifestações: Porto, Coimbra e Lisboa, contra o processo de saídas no Santander Totta e foi conhecida a nossa posição. Inicialmente sozinhos e mais tarde uma quarta manifestação, em frente à Assembleia da República, com todos os sindicatos bancários. Foi a primeira vez desde que há democracia política em que todos os sindicatos bancários se manifestaram numa só voz, como que dizendo que tínhamos razão: antecipámos o problema, percebemos que havia uma coincidência de métodos, de práticas e de temporalidades que repudiávamos. Os outros sindicatos acabaram por nos dar razão quando se juntaram e quando perceberam o clamor dos bancários que estavam a ser chacinados neste altar de incompetência de reguladores, de autoridades legislativas.
Todos os sindicatos falarem numa só voz também torna o peso de negociação maior?
Longe vai o tempo em que só tínhamos um jornal, um canal televisivo, uma religião. etc. Felizmente, vivemos em sociedades mais plurais, onde a escolha, a diversidade e a competição entre ideias são fatores de progresso e de liberdade. No sindicalismo democrático, essa diversidade é salutar, havendo uma tensão saudável entre uns e outros para produzir maior defesa dos trabalhadores.
Também chegou a dizer que ia pedir várias audiências. Chegaram a concretizar-se?
Sim. A União dos Sindicatos Independentes pediu uma audiência ao Presidente da República, que foi concedida e onde tivemos a oportunidade de expor os problemas e mostrar que todo este processo era derivado de uma profunda injustiça, de uma não necessidade económica, onde havia uma enorme dose de oportunismo e de cinismo. Pedimos e obtivemos audiências com o Governo, nomeadamente com a ministra do Trabalho, fomos a todos os grupos parlamentares, sem exceção. Estas audiências e manifestações culminaram numa greve nacional, também a primeira decretada por todos os sindicatos bancários desde o 25 de abril. Estávamos unidos nos propósitos, já que este é um sindicato que pelo seu ADN respeita e valoriza a iniciativa privada, o mérito, a livre escolha, mas também é um sindicato que faz contas, que estuda os dossiês e pondera as soluções. Mas pareceu-nos que se estava a romper com uma tradição de reformas consensuais paulatinas ao longo do tempo, que nada o justificava, como aliás, os resultados dos bancos vieram a demonstrar: níveis recordes de lucros no ano passado, também neste primeiro trimestre e provavelmente vão continuar nos meses próximos. Tudo isto ilustra que não havia qualquer necessidade económica de se ter feito um corte unilateral com os compromissos assumidos com os trabalhadores e ter forçado estes despedimentos em nome de uma reestruturação.
Era essa a justificação dada…
Percebemos a dificuldade que os gestores locais têm em se opor a processos de despedimento ordenados a partir de outras geografias ou de outros centros de decisão. O que dissemos, quer aos gestores dos bancos em causa, quer à opinião pública, quer às autoridades políticas é que nada justificava este sacrifício brutal e profundamente desproporcional. Há um banco em que a casa mãe está fora de Portugal e ordenou um corte de mil milhões de euros de custos em toda a Europa, percebemos o racional. Na Europa tem uma remuneração de 4% ou 5% ao ano, quando em geografias como na América do Sul tem mais de 20% e na América do Norte acima de 15% e, como tal, percebemos que há a tentação de uma empresa multinacional de desinvestir na Europa e investir nas Américas. Até aí percebemos, podemos não gostar, o que não percebemos é que nesta ordem de cortar mil milhões de custos, estes mil milhões de custos tenham incidido de forma desproporcional nos mercados periféricos dessa casa mãe. Caíram em Portugal, na Polónia e no Reino Unido e caíram muito menos, por exemplo, em Espanha. E quando em Portugal a remuneração do capital investido dava um retorno três vezes superior aquela que obtinha em Espanha. A fazerem-se esses cortes, então que se fizesse nos sítios onde o capital tinha menos valorização. Deu a ideia de que Portugal como pequeno país periférico era manso e onde as autoridades pareciam que não se inquietavam muito com o destino e com a sorte dos trabalhadores. Houve uma espécie de via verde para cortar.
E transversal a outros bancos…
Nada fazia antever, em 2021, uma vaga de falências que justificasse estas medidas de precaução por antecipação, não houve nenhum cataclismo como já falámos e este frenesim de querer fazer em poucos meses processos de redução de capacidade que se calhar poderiam ter sido feitos ao longo de três, quatro ou cinco anos, aproveitando as saídas naturais e voluntárias das pessoas, muitas delas por idade de reforma, mas optou-se por fazer de uma forma muito brusca. Percebo que somos um país mal preparado para lidar e para defender os seus cidadãos, mas os cidadãos têm de pensar quem é que os representa verdadeiramente a nível político-partidário, porque a representação política traz consigo responsabilidades e esta seria uma das suas responsabilidades. Competiria ao nosso Governo e às nossas autoridades fazer uma defesa veemente das pessoas.
Acha que 2022 será mais tranquilo?
Acho que o primeiro semestre e do que vamos antevendo vai ser um ano absolutamente recorde em termos de desempenho económico e financeiro face ao que foi 2021. Acho que a crescentemente posição dos que querem resolver as maleitas todas, reduzindo pessoas – quando falamos redução de custos quer dizer basicamente reduzir pessoas – é uma posição não só moralmente insustentável, mas também bizarra e censurável. O que estamos a ver agora são balcões entupidos, clientes à espera e níveis de serviço para quem tem brio profissional são muito desconcertantes. Tenho a certeza absoluta que nenhum bancário gosta de ver um cliente 1h à espera, como acontece em algumas situações. Ou o atendimento que a ser feito por senhas ou serviços de tesouraria reduzidos a partir de determinadas horas. Acho que houve demasiado corte de serviços e ajustamentos ao nível de serviços.
Há uma grande franja de clientes que continua a ir aos balcões…
E há assuntos cuja complexidade carece de uma ligação presencial, não vale a pena estar a questionar isso. Se para coisas transacionais e triviais podem ser feitas através da internet, em que as aplicações resolvem uma boa parte das questões, há temas cuja complexidade não é fácil de resolver sem interação humana. A propósito da pandemia, apostou-se numa digitalização crescente – a digitalização está em curso há mais de 10 anos –, mas agora que a economia descongestionou, as pessoas voltaram a ir ao retalho, ao restaurante e também aos bancos. Houve aqui uma redução abrupta da capacidade e demasiado oportunística. Agora, é olhar para a frente.
Por olhar para a frente foi possível chegar a acordo com a Caixa para aumentos salariais…
A administração da Caixa Geral de Depósitos resolveu e, quem somos nós para questionar, atribuir um dividendo extraordinário ao acionista Estado, salvo erro de 300 milhões de euros e depois não teve essa capacidade, essa generosidade e essa surpresa positiva para remunerar de forma adequada os trabalhadores. Ainda não chegámos a acordo sobre as atualizações de 2021 porque o que a Caixa veio impor foram aumentos relativamente baixos. Em 2021 já há dados oficiais e sabemos como a economia fechou em termos de inflação e em termos de perda de poder de compra, acho que era possível fazer uma discussão séria e apresentar uma proposta séria, em vez de optar por fazer aumentos pequeninos. Um banco que ganhou centenas de milhões de euros, que se sentiu confortável para pagar um dividendo extraordinário ao acionista estava disponível para pagar aos seus trabalhares um aumento de 0,4%. Parece-nos absolutamente ridículo e não nos devemos deixar enganar.
Mas a Caixa revelou que subiu o salário mínimo para 1.359 euros…
Tenho a certeza absoluta que ninguém lhes fez um favor ao longo da vida. Ganharão o que as condições de mercado determinaram e o que seus níveis de competência ditaram. Não me parece que estejamos a falar de privilegiados, nem de abençoados por algum favor divino.
Também houve acordo para aumentos salariais no Crédito Agrícola…
O acordo foi alcançado esta terça-feira relativamente a 2021. Conseguiu-se um aumento generalizado para todos os trabalhadores, independentemente da antiguidade, do nível, da carreira e um aumento universal no subsídio de almoço. O Crédito Agrícola mostrou mais sensibilidade social e os aumentos que foram conseguidos estão em linha com o acréscimo do nível de vida do ano passado. Sobre 2022 não faz sentido nesta fase estar a aceitar propostas muito baixas quando o INE acabou de confirmar os números de abril: a inflação mais alta desde 1996 e quando toda a sociedade está a discutir que é preciso fazer aumentos intercalares então não é possível aceitar aumentos pouco acima de 1% em setores ou em indústrias que estão a ter anos muito interessantes do ponto de vista dos resultados e quando se perspetiva que a inflação possa chegar aos dois dígitos. Todos têm de fazer um esforço: trabalhadores e empresas mas não é dar aumento de 1% ou 1,1% ou 1,2% que será suficiente. É preciso ir bastante mais longe e o Estado também tem que ser bastante mais ágil, acabou de mostrar sensibilidade em relação ao ISP e vai ter de mostrar que se preocupa com os trabalhadores portugueses porque o Orçamento de Estado, tal como está construído pressupõe um cenário de inflação inferior e esta não atualização dos escalões do IRS é na prática condenar os trabalhadores a um imposto adicional de inflação.
Aliás, a maioria das perspetivas do OE já está desatualizada…
O que se está a discutir é se aceitamos ou não que o Estado engorde em 5%, 6% ou 7% com o rendimento de quem trabalha, de quem estuda, poupa ou vive de rendimentos fixos, nomeadamente pensões.
E com estas mudanças nas administrações dos bancos, agora será a vez do novobanco é mais fácil ou mais difícil negociar?
Hoje em dia a gestão de bancos é profissional. São pessoas com longa experiencia no setor, com carreiras consolidadas e, como pessoas que sabem o que estão a fazer acho que o diálogo é fácil. Podemos não estar de acordo e, muitas vezes, não estamos, mas quanto à intensidade, método ou caminho. Podemos pugnar por decisões diferentes, agora reconhecemos profissionalismo, competência e a entrega das equipas de gestão. O setor como um todo não tem conseguido explicar aos portugueses que, desde há 10 anos, metade do seu negócio tradicional desapareceu, em parte, por decisões políticas que foram tomadas na União Europeia, em que é preciso encontrar formas de conseguir remunerar trabalhadores, manter os investimentos, remunerar os acionistas e pagar ao Estado os impostos. Isso tem sido feito crescentemente, recorrendo a comissões sobre serviços prestados e às vezes até por serviços bizarros.
Como pagar por contar moedas de um mealheiro?
Há 10 ou 15 anos o negócio dos bancos era relativamente generoso e permitia que alguns serviços fossem grátis. Eram serviços que tinham um custo, podiam não ter preço. O tempo que se despende, o investimento em máquinas para contar moedas é tipicamente uma coisa que nunca foi remunerada. Se isso em tempos era subsidiado pelos depósitos a ordem e a prazo, hoje em dia é preciso encontrar maneiras de arranjar um equilíbrio económico e, por isso, algumas coisas que parecem aberrantes derivam do facto de um momento para o outro os bancos terem visto privado metade das suas fontes de receita. E no português até se agravou mais com a incapacidade de ter receitas em outras áreas, como já falamos.
E como vê o aumento das reclamações por parte dos clientes?
O nível de informação que nos últimos anos é prestado é muito exaustivo. É muito difícil poder alegar que a informação não estava disponível. Não tenho nenhuma indicação que haja qualquer prática sistemática ou reiterada de menos boa informação aos clientes. As reclamações são saudáveis, permitem aos bancos analisarem os problemas sobre pontos de vista que podiam não ser considerados inicialmente, melhorar alguns aspetos de informação e de comunicação. Não vejo isso como sendo mau. Vejo isso como reflexo de economias maduras e é sinal que os portugueses também têm um grau de consciência maior. Claro que temos de ver se são casos pontuais ou se há uma tendência crescente e se isso se verificar é do interesse do setor fazer um reforço de auto-regulação.
E em relação às restrições ao crédito?
Medidas administrativas provocam sempre uma distorção no mercado e justificam-se quando há uma falha de mercado, o que não acontece nesta matéria. Acredito que estas medidas sejam bem intencionadas mas vão de certeza tornar mais difícil o acesso dos jovens ao crédito à habitação, numa sociedade que valoriza muito a posse de casa e ao limitar o prazo da concessão dos créditos na prática veio dizer que um casal jovem de 27 ou 28 anos pode não conseguir comprar uma casa. E isso não é um bom resultado para a economia como um todo.