A tendência já vinha desde a pandemia mas tem aumentado de forma acentuada com a invasão russa na Ucrânia, e os portugueses já começaram a fazer as contas ao que consomem. A escalada de preços “está a causar uma profunda degradação das condições de vida, nomeadamente dos trabalhadores e pensionistas e a corroer as poupanças”. Quem o garante é o economista Eugénio Rosa que, no seu mais recente estudo faz as contas ao aumento dos preços e da perda do poder de compra dos portugueses.
O economista começa por recordar que, em abril deste ano, os preços já eram superiores aos de abril do ano passado em 7,3% (em janeiro de 2022 eram superiores aos de janeiro de 2021 em 3,3%), conforme indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
E faz as contas: “Isto significa que em abril de 2022 um salário ou uma pensão de 1000 euros correspondia, a preços de abril de 2021, apenas a 932 euros. Com 932 euros em abril de 2021 comprava o mesmo que em abril de 2022 com 1000 euros”, explica.
O economista refere ainda que o Salário Mínimo Nacional – atualmente nos 705 euros – corresponde a preços de abril de 2022 a apenas a 657 euros de janeiro deste ano, “valor inferior ao salário mínimo nacional de 2021 (665 euros)”. E dá mais exemplos: “O mesmo acontece com as poupanças ou depósitos que os portugueses têm nos bancos, etc. Uma poupança ou um depósito de 50000 euros em abril de 2021, em abril de 2022 só valia 46598 euros (em abril de 2021 com 46598 euros comprava aquilo que em abril de 2022 tinha de pagar 50000 euros)”. Face aos cálculos, o economista conclui: “É desta forma ‘invisível e incolor’ que a inflação está a destruir salários, pensões e poupanças e as condições de vida dos portugueses e a gerar milhares de pobres”.
Estado ganha “Em contrapartida o Estado ganha com a inflação”, continua Eugénio Rosa. “Um produto que custa 100 euros, se pagar 23% de IVA o Estado recebe 23 euros, mas se o preço subir para 110 euros, o IVA de 23% sobre os 110 euros já são 25,30 euros, ou seja, mais 2,3 euros”.
Segundo os dados da DGO, nos primeiros três meses do ano passado, o Estado arrecadou 697,2 milhões de impostos sobre os produtos petrolíferos e energéticos e 4086,2 milhões euros de IVA. Já nos primeiros três meses deste ano, o Estado arrecadou 849,6 milhões de euros de impostos sobre os produtos petrolíferos (+152,4 milhões euros do que em 2021) e 5092,5 milhões de euros de IVA (+1006,3 milhões de euros do que em 2021), dados que o i já tinha avançado.
Crise alimentar Para Eugénio Rosa, é claro que a crise alimentar “não vai atingir apenas os países da África e da Ásia”, estendendo-se aos países ocidentais, incluindo Portugal.
Portugal importa 75% do milho que consome, “que é indispensável a alimentação animal, e mais de 90% do trigo necessário à humana”.
Neste campo eram a Rússia e a Ucrânia os principais exportadores de cereais do mundo. Com a guerra, chegaram as consequências: “A sua eliminação do mercado mundial está a determinar a subida exponencial dos preços dos cereais (+34%)”. O mesmo acontece com a energia. “A eliminação do petróleo e gás russo, o maior exportador mundial, do mercado onde a Europa adquire, está também a determinar a subida exponencial dos preços (petróleo + 47%; gás: +33%)”, alerta o economista, que diz que as alternativas de fornecimento destes produtos “são muitos mais caras, o que determinará preços mais elevados, tornando a vida dos portugueses e a competitividade das ‘nossas’ empresas mais difíceis”.
Não há dúvidas, para o economista, de que “a continuação da guerra destruirá ainda mais a Ucrânia”, e lembra que o FMI já estimou que a reconstrução custará mais de 500 mil milhões de euros (2,5 vezes o PIB português) “que Kiev pretende que seja financiada, em grande parte, pela UE, ou seja, com receitas de impostos cobrados aos europeus”.
Outros aumentos O que também tem subido é o preço da carne, uma vez que a produção encareceu (com o aumento do preço da farinha e, logo, das rações) e o transporte dos produtos também (após as subidas dos preços da energia e do combustível) a provocarem o agravamento.
“É inevitável o aumento de preço, e terá, infelizmente, impacto no consumo, o que poderá dar lugar à sua redução”, disse a Apicarnes – Associação Portuguesa de Industriais de Carnes ao Nascer do SOL. A associação vai enumerando o que foi sentido em termos de subidas. “Aumentaram os fatores de produção de forma muito significativa, nomeadamente: materiais de embalagem, matérias-primas, as várias fontes de energia, gás – um aumento superior a 300% – eletricidade e combustíveis – que aumentaram 300%”.
Uma lista que vai crescendo, de acordo com Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). “O gasóleo, que é a principal fonte de energia utilizada na agricultura, subiu na ordem dos 43% face ao ano passado. A energia subiu entre 50 a 150%, também os adubos aumentaram uma brutalidade, o mesmo aconteceu com as rações, logo o preço da carne vai ter que subir. Os animais não se alimentam do ar, alimentam-se com rações que atingiram máximos como nunca tinham sido antes atingidos. Também o transporte para levar os animais para os matadouros subiu, o mesmo acontece com a frigorificação. Como é que o preço final não iria subir? Tem de subir”, refere ao nosso jornal.
Para a Apicarnes estes aumentos de custos não deixam alternativa aos produtores: “Caso contrário, haverá certamente consequências nefastas para a sustentabilidade económica de algumas empresas”. E os problemas não ficam por aqui. “Mesmo que a guerra acabe hoje, o seu impacto na produção de matérias-primas e cadeias logísticas será sentido durante vários anos. Numa palavra: inflação. Poderemos ter estagflação, o que é ainda pior para os consumidores e empresas”. Uma opinião partilhada por Luís Mira: “Não há outra hipótese, quem é que vai suportar o aumento de tudo isto? O produtor? A pessoa do matador ou do talho? O do restaurante? Não pode”. E chama a atenção para o facto de o mercado estar a trabalhar em cima de uma escalada de preços. “A inflação está a subir. Isso mostra que tudo vai aumentar”.