A partir de quarta-feira é a doer e se não tiver cuidado com a velocidade do seu carro poderá ser autuado duas vezes na mesma via – e não será muito difícil. Quem saia, por exemplo, da IC 19 e entre, distraído, na 2.ª Circular tem de saber que só poderá conduzir até 50 km/h – embora exista uma pequena tolerância de 10% –, sendo que mais à frente os radares começam a disparar quando ultrapassar os 80km/h – e são quatro nestas condições. E vai ser assim em toda a cidade, pois a Câmara de Lisboa mandou instalar 20 novos radares que se juntam aos 21 antigos, que foram remodelados. Além destes radares fixos, há ainda que contar com os radares móveis da PSP e da Polícia Municipal…
Problemas técnicos impediram os aparelhos de começarem a funcionar no dia 1 de abril, mas agora está, aparentemente, tudo resolvido.
Por muito que as autoridades digam que não, a leitura é inevitável: a caça à multa nas estradas portuguesas, com especial incidência na capital, é uma realidade que se agravará já a partir de dia 1 de junho. Vários protagonistas no combate à sinistralidade são perentórios mas, como é óbvio, preferem o anonimato: «Se há casos em que até se podia ir mais longe na limitação do limite máximo de velocidade, nomeadamente nas zonas habitacionais, históricas e de serviços, noutras vai ser mesmo uma caça à multa», confessa uma fonte policial.
Em abono do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, pode dizer-se que herdou as novas medidas e que tentou dar mais visibilidade à aproximação dos radares. Quem anda pelas estradas da capital, se tiver o mínimo de atenção à sinalização rodoviária, já se deparou com sinais tapados com plástico preto, que vão ser destapados a 1 de junho. E o que abona a favor de Carlos Moedas é precisamente a instalação destes avisos de aproximação aos radares, maiores do que os exigidos por lei – os antigos luminosos verticais foram todos retirados com as exceções dos dos túneis.
Como é possível andar a 20?
«Penso que os radares devem ser preventivos e não punitivos. Devem ser algo que as pessoas sabem onde estão e estes radares vão estar totalmente assinalados, ou seja, as pessoas sabem que ali há um radar e que vão ter de respeitar uma determinada velocidade. Se não respeitarem, é uma escolha deles», explicava ainda ontem o presidente da Câmara. E é aqui que os ‘contestatários’ destas medidas entram em ação: «Faz algum sentido o limite de velocidade ser de 50 em vias de três faixas para cada lado? Faz algum sentido a velocidade permitida na Avenida Calouste Gulbenkian? E acham que é possível andar a 20 na subida do viaduto de Belém? Que ponham limites rígidos onde há acidentes fatais, nada a opor, agora em vias que são autênticas autoestradas urbanas isso é apenas caça à multa. Como os 50 na 2.ª Circular. Por acaso, Carlos Moedas, que tanto gosta de estudos e de ouvir a população, preocupou-se em ter informação credível e de especialistas em Mobilidade para aceitar pôr estes limites, herdados do anterior Executivo, em prática?», protesta fonte ligada à segurança rodoviária.
Todos os novos radares estarão munidos de duas câmaras, uma para detetar o excesso de velocidade e outra para controlar o fluxo de trânsito – ligada à central da Polícia Municipal. Quando surgiram as primeiras notícias dos novos radares, chegou a escrever-se que os mesmos iriam apanhar condutores que passam sinais vermelhos ou que falam ao telemóvel enquanto conduzem. «É totalmente falso que isso aconteça – é a mesma história de se dizer, de tempos a tempos, que os pórticos das portagens podem ‘multar’ quem vá em excesso de velocidade. Isso não passa de um mito urbano», esclarece fonte ligada ao processo.
Mas a vida dos automobilistas aceleras não vai só piorar na capital, pois o país está a ser fortemente ‘armado’ com novos radares e de diferentes tipos – prevendo-se que Portugal fique com mais de 300 radares fixos, além dos móveis. «Alguém duvida que as multas são um verdadeiro maná para algumas câmaras e para o Governo? Quando se diz que o objetivo é prevenir a sinistralidade estão a brincar connosco, pois isso só é verdade nalguns troços», acrescenta outro oficial de segurança pública.
129 milhões de euros de receitas
Olhando para o Orçamento do Estado de 2022, as contas são óbvias. No corrente ano, o Governo calcula que irá ‘faturar’ quase 129 milhões de euros em multas de trânsito, um aumento de quase 40% em relação a 2021. Basta fazer as contas para se ter uma ideia do investimento em novos radares a instalar em retas largas e onde os automobilistas costumam passar dos 80km/h.
Um dos problemas que o Governo e todas as entidades que ganham com as multas se deparam diz respeito às infrações que prescrevem, pois há muitos escritórios de advogados que apenas se dedicam a essa matéria – como há poucos funcionários para tratar das multas, sempre que alguém contesta essa infração vai para o fim do expediente à espera que alguém responda aos causídicos…
E como a história dos polícias e dos infratores faz lembrar a do gato e do rato – será que ainda se pode dizer isto? – o Governo está a tentar, obviamente, dificultar a vida aos aceleras. Um exemplo muito concreto diz respeito aos radares que estão colocados nas autoestradas – e, para que se saiba, não há aparelhos para todas as caixas instaladas, apesar do Executivo ter reforçado agora o número de radares. Os aparelhos são retirados das caixas dos locais onde os automobilistas se habituaram a abrandar e são colocados noutros onde ainda não há tanta familiaridade. Dando um exemplo: quem vai de Lisboa para Cascais encontra uma caixa, supostamente com um radar lá dentro, na descida para o Jamor. Imagine-se que ao fim de um mês esse radar só ‘disparou’ meia dúzia de vezes. É sinal que está a ‘trabalhar’ pouco, logo é transferido de lugar…
O jogo do gato e do rato
Como se pode ver, a história faz lembrar o jogo do gato e do rato, como dizia há pouco. Mas a grande surpresa nesta matéria diz respeito aos limites de velocidade que fazem disparar os radares instalados nas autoestradas. Até aqui, os automobilistas só eram multados depois de ultrapassarem os 140 km/h, apesar do limite máximo ser de 120. As autoridades, por norma, dão uma tolerância de 10 km/h, até por questões técnicas. Só que a maioria dos condutores que era apanhado em excesso de velocidade era-o em velocidades que já entravam nas contraordenações graves ou muito graves – o que, necessariamente, implica perda de pontos na carta de condução. E, nesse caso, muitos recorriam aos serviços dos tais escritórios de advogados.
Para ultrapassar este imbróglio, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária deu ordens, segundo um responsável do setor, para que os radares comecem a ‘disparar’ a partir dos 130 km/h, embora outras fontes contactadas pelo Nascer do SOL digam que é a partir dos 140, já que até há pouco só multavam a partir dos 150. O objetivo é muito simples: quem ultrapassa o limite máximo permitido nas autoestradas até 20 km/h incorre numa multa leve, significando isto que só terá de pagar sessenta euros – e não ficará sem pontos na carta. Quem é que nestas condições vai preferir contestar a multa que lhe poderá ficar em 250 ou 300 euros se recorrer a um advogado? Mais uma vez, é só fazer as contas. E assim o Estado vai passar a cobrar muito mais multas nas autoestradas…
Por fim, mais duas notas. As 30 pistolas-radares que a PSP comprou devem estar operacionais em julho. Logo, qualquer polícia munido dessas pistolas poderá autuar automobilistas a 500 metros de distância… Já a velocidade média, que medirá a velocidade entre dois pontos, espera melhores dias e há quem diga que só entrará em vigor no próximo ano. Se conduzir, não se esqueça de abrandar…