Zelensky sai de Kiev para ir à linha da frente em Kharkiv

Regressou uma certa normalidade a esta cidade, próxima da fronteira com a Rússia. Contra-ataques empurraram a artilharia russa para longe do alcance de Kharkiv, mas ainda há bombardeamentos exporádicos.

A visita de Volodymyr Zelensky a Kharkiv, a segunda cidade da Ucrânia, dos arredores da qual as tropas russas retiraram recentemente, entre contra-ataques ucranianos, deixou ainda mais claro que, por agora, o Kremlin perdeu todo o ímpeto nesta frente. Já no Donbass é outra a história, com Rússia a atirar tudo o que tem contra Severodonetsk, a maior cidade sob controlo ucraniano em Lugansk. 

“Sinto orgulho sem limites pelos nossos defensores”, escreveu o Presidente da Ucrânia no Facebook, após visitar posições na linha da frente em Kharkiv, sendo fotografado de camuflado e colete à prova de bala, condecorando militares e aparecendo pela primeira vez fora de Kiev. “Todos os dias arriscam as suas vidas, eles lutam pela liberdade da Ucrânia”, continuou Zelensky.

Os recentes avanços ucranianos no norte de Kharkiv podem ter feito com que a cidade ficasse fora do alcance da artilharia russa, devolvendo-lhe alguma sensação de normalidade ao longo das últimas semanas, Mas o martírio não terminou para a população. No dia anterior à chegada de Zelensky, quatro civis ficaram feridos em bombardeamentos russos, que ocasionalmente ainda abalam a cidade, avançou a Ukrinform.

“Creio que isto são eles a dizer: ‘Olá’. A dizer-nos que ainda estão aqui, a tentar criar pânico”, explicou Oleh Synehubov, governador do oblast – uma divisão administrativa equivalente aos nosssos distritos – de Kharkiv, na quinta-feira passada, ao Guardian pouco depois de um bombardeamento russo matar pelo menos nove pessoas e ferir 17, no norte da cidade.

“Isto não tem lógica, é simplesmente terror contra a população, semear pânico e destruir infraestruturas essenciais”, lamentou Synehubov, vestido de camuflado e com uma pistola no coldre. Têm surgido relatos que os russos estarão a descarregar mísseis na estação de comboios de Belgorod, do outro lado da fronteira, muito próximo de Kharkiv, sobretudo mísseis Iskander, que podem de ser carregados com as infames bombas de fragmentação. Trazendo à memória as consequências brutais do uso destas armas -que, na prática, são bombas que ao explodir lançou outras bombas, causando devastação indiscriminada – contra áreas residenciais por parte do Kremlin, tanto a norte da capital ucraniana como em Kharkiv. 

Os esporádicos ataques russos contra os civis esta cidade parecem ser uma espécie de vingança pela ferocidade da sua resistência. Que surpreendeu tudo e todos no início da invasão, tratando-se de uma cidade maioritariamente russófona.

Mesmo o presidente da Câmara, Ihor Terekhov, candidato de uma partido russófilo – que até foi suspenso por Zelensky,  sendo acusado de ser pró-Kremlin – mostrou-se resoluto, recusando entregar a cidade quando intimado pelos invasores na altura em que tropas russas chegaram a entrar em Kharkiv, sendo repelidos. Tentando cercá-la em seguida e bombardeando-a brutalmente, recorrendo a mísseis, artilharia e aviação. Destruindo inclusivamente a sede do Governo regional, um velho edifício dos tempos de Estaline. 

Dia de Kiev Não é só Kharkiv que conseguiu alguma normalidade. A capital ucraniana celebrou os seus 1540 anos este fim-de-semana, naquilo que costuma ser conhecido com o Dia de Kiev, quando gente vinda de todo o país se junta para assistir a espetáculos culturais, concerto, fogo-de-artifício ou eventos desportivos. Este aniversário, surpreendentemente, não foi tão diferente quanto esperado, dado que ainda há três meses a cidade estava em risco de ser cercada pelas forças russas. 

Se na altura se sentia terror e pânico na capital ucraniana, este fim de semana um repórter da BBC deparou-se com ”um mar de caras sorridentes, trajes coloridos e conversa alegre, enquanto as pessoas caminhavam para ir assistir a uma performance do Rigolleto de Verdi”, escreveu. “A vida continua mesmo, e nós não paramos”, explicou-lhe um soldado, Pavlos, que passava ao pé de uniforme perto da ópera. Onde, contudo, só se vendem no máximo 300 bilhetes, a capacidade do abrigo contra bombardeamentos do edifício.  

Dar muito sangue por pouco Na linha da frente, em Severodonetsk, a vida tornou-se um pesadelo. O Kremlin, ao longo das últimas semanas, tinha evitado atirar a sua infantaria e forças mecanizadas contra as posições ucranianas, limitando-se a varrê-las com artilharia e a ocupá-las quando os defensores se viam forçados a retirar. Mas esses avanços lentos e cautelosos parecem ter sido abandonados em Severodonetsk, onde as forças russas têm feito sucessivos assaltos sem sequer acabarem de cercar a cidade.

As forças russas até já conseguiram ocupar o hotel Mir, na periferia de Severodonetsk, admitiram as próprias autoridades  ucranianas. Mas “os russos estão a pagar um preço pelo seu atual sucesso tático que é desproporcional a qualquer ganho estratégico ou operacional que possam ter esperança de receber”, apontou o mais recente relatório do Institute for the Study of War. “Capturá-la permitirá a Moscovo declarar que tomou o oblast de Lugansk inteiro”, continuou. Mas essa conquista “não dará à Rússia nenhum benefício militar ou económico significativo”. Até porque “as forças russas estão a destruir a cidade enquanto a atacam. E o que controlaram serão escombros”.