Penso ter sido o Kurt Cobain a dizer ser um defeito não ser bissexual pois estava apenas limitado às mulheres. Eu não vou tão longe. Até ver sou heterossexual, e confesso não ter particular inveja de quem não é. Se fosse gay, sê-lo-ia com muito gosto: deu-se, simplesmente, o acaso de não ser. Há, por isso, uma boa lição a retirar da mensagem de Cobain: a descontração, a indiferença, o ‘tanto faz’ com que olha o assunto.
Nem toda a gente nasce com essa descontração, indiferença e ‘tanto faz’. Na minha casa nasceu-se, e, por isso, fui educado de uma forma em que a orientação sexual de alguém é tão relevante como a cor da toalha de mesa em que se almoça. Tal, sei, não é exemplificativo da maioria da sociedade portuguesa. O Joel, que nasceu em Foz Côa e é filho de um mecânico, ouviu do pai, vezes sem fim ao jantar e sempre calado, que os «maricas» como ele são um pedaço de nojo que se deviam curar. O Bernardo, que adora jogar ténis no Restelo, ouviu do pai, vezes sem fim ao jantar e sempre calado, que os «maricas» como ele são um atentado a Deus e à instituição familiar. Ambos, gays por assumir, vivem com sentimento de culpa onde esta nem tem razão para existir. Seria o mesmo que eu me sentir culpado por ter olhos azuis e não castanhos. Seria mais fácil se fossem castanhos? Talvez – dava menos nas vistas, encaixava com mais facilidade. Mas se são azuis, são azuis: há é que expurgar de preconceito a ‘azulidade’ dos meus olhos. O peso não está nas coisas em si, está na leitura que se faz delas.
O Bernardo, por ter nascido em privilégio e num meio cosmopolita, terá mais facilidade em emancipar-se e, quiçá, até se tornará habitué do Trumps: tudo coisas boas. Já o Joel, que vive numa sociedade que ficou estagnada no tempo das gravuras a que a cidade dá parede, sentir-se-á para sempre mal por ser gay.
Para os ricos, ser gay é mais ou menos Carnaval; para os pobres, ser gay é sempre opressão.
E o problema é que os ‘Joeis’ desta vida viverão para sempre uma vida infeliz, acanhada, submissa. Eventualmente será tão má, rejeitar-se-ão tão visceralmente, terão tanto nojo de si, que poderá levá-los ao suicídio. E é aqui que se me ata o nó na garganta: já viram o quão errado é alguém matar-se por ser gay? Acabar com a sua vida por ser algo que não escolheu? Está claro quão miseráveis e violentos somos, enquanto sociedade, ao ponto de infligirmos tanto sofrimento a alguém sem razão? É por isso que há que mudar.
É por isso que vejo, com muita felicidade, a Câmara Municipal de Lisboa a levantar a bandeira arco-íris no Dia do Orgulho Gay. É por isso que vejo, com muita felicidade, os Conservadores ingleses a fazê-lo também. É por isso que espero, com aquela esperança portuguesa, que um dia essa bandeira chegue à Câmara Municipal de Foz Côa e esta a hasteie o mais alto possível. Nesse dia, o Joel perceberá que não tem mal ser como é; o seu Pai reavaliará a sua posição violenta e os velhotes do café central voltarão a discutir o tema, talvez mudando mentalidades. Nesse dia, levantar-se-á poeira boa. Nesse dia, iniciar-se-á um processo de normalização do que já é normal.
Meus queridos amigos católicos: não se trata de uma agenda perigosíssima que quer destruir a família. Trata-se, sim, de uma agenda que quer que o Joel de Foz Côa não se mate. Se se dizem pela vida, como pode algo que impede suicídios ser errado? Se se dizem pela liberdade individual, como pode algo que é o seu apogeu ser errado? Se se dizem pelo amor, como pode algo que o é em toda a forma ser errado?
Hasteiem-se bandeiras arco-íris por todo o país. De Tavira a Foz Côa, de Setúbal a Elvas, do Corvo às Desertas. Os ‘Joeis’ que por cá fiquem: vivos, felizes e humanos – porque tudo o resto não interessa.