Suíça: eis um nome pouco agradável para a seleção nacional. Nas contas gerais, dez vitórias dos suíços, cinco empates e oito vitórias dos portugueses. Claro que podemos equilibrar um pouco mais a contabilidade se amanhã, em Alvalade, na segunda jornada da Liga das Nações, vencermos mais uma vez. A verde é que, desde o primeiro jogo entre ambos, as coisas não têm corrido bem.
1 de maio de 1938. Portugal fazia a sua segunda tentativa de participar na fase final de um Campeonato do Mundo. A eliminatória era a um jogo só, em Milão, precisamente frente à Suíça. Fomos para Itália com o otimismo impante do costume, mas sofremos mais uma daquelas derrotas morais tão vulgares à época. O resultado foi resvés: 1-2. A imprensa portuguesa lamentou amargamente todas as oportunidades desperdiçadas, desde um penálti falhado por João Cruz, a três remates que esbarraram nas traves adversárias. De nada valeu tanta choraminguice.
Um dos responsáveis suíços, Müller, tinha ido a Frankfurt espiar o jogo amigável entre a Alemanha e Portugal e que terminara com o empate a um golo. No final, limitou-se a breves palavras: «Portugal não me impressionou. Acho que vamos ganhar facilmente». Um certa farronca, talvez. E o grande responsável por tanta protérvia chamava-se Karl Rappan, antigo médio-de-ataque do Rapid de Viena, nascido precisamente em Viena, em 1905, no tempo do velho império austro-húngaro. Tendo terminado a carreira no Servette, de Genebra, foi na Suíça que se tornou um treinador ganhador ao ponto de assumir o cargo de selecionador a partir de 1937.
Foi ainda como técnico do Grashoppers que Rappan, um tipo inequivocamente revolucionário, ofereceu a maior contribuição suíça ao universo do futebol, ainda que uma contribuição um bocado embirrenta. Na verdade, ao idealizar um novo sistema tático, que em francês ganhou o nome de Verrou, o Ferrolho, Karl antecipava-se ao desgraçado Catenaccio italiano que viria a inquinar o futebol europeu nos anos 60. E se o Ferrolho deu resultados positivos no Grashoppers, também veio a repeti-los na equipa da Suíça.
O estratagema
Afinal, em que se baseava o tão temível Ferrolho, nesse tempo em que não havia equipa que não assumisse os seus cinco avançados, muitos deles já dispostos em M segundo sistema de WM criado por outro engenhocas das táticas chamado Herbert Chapman? Primeiro estabilizou uma defesa a quatro, sendo que três jogavam em linha, controlando os movimentos dos dois pontas-de-lança habituais até então, e deixando um deles ligeiramente mais atrás, o verrouilleur, mais tarde apelidado de libero, elemento que estava incumbido de varrer todas as bolas que sobrassem para as costas dos seus três companheiros. Como era de opinião (aliás, um facto irremediável) que as equipas que treinava não dispunham de jogadores de grande talento, firmou à frente da zona defensiva mais dois trincos, oferecendo praticamente todo o meio campo aos opositores para aproveitar, em seguida, os espaços deixados livres para lançar os contra-ataques.
Não admira, portanto, que os portugueses tivessem saído de Milão frustrados pela derrota face a um conjunto que os deixou ter a bola na maior parte to tempo, embora de forma inócua. Não tinham razão. Na fase final do Mundial de França, o Ferrolho derrotou uma Alemanha que se considerava fortíssima, sobretudo depois de ter engolido os melhores jogadores austríacos após o Anchluss. Empate 1-1 no primeiro jogo e vitória por 4-2 no desempate, deixando os nazis pelo caminho perante a alegria generalizada de todos os adeptos, exceto os alemães.
Foi com Karl Rappan que a Suíça se apurou para três fases finais de campeonatos do mundo: 1938, 1954 e 1962. Em 1954, foi apurada por decreto, já que organizou o torneio. Ainda assim cometeu a proeza de eliminar a Itália na fase de grupos para cair aos pés da Áustria naquele que é, ainda, o jogo com mais golos em fases finais: 7-5. Com um resultado desses, o Ferrolho não deve ter funcionado.