por Felícia Cabrita e José Miguel Pires
A juíza Margarida Alves, presidente do coletivo que vai julgar José Sócrates por falsificação de documentos e branqueamento de capitais, pode vir a alterar as medidas de coação impostas ao ex-primeiro-ministro, para outras mais pesadas, após o antigo governante não ter dado explicações ao tribunal mesmo após interpelação para que justificasse as viagens ao estrangeiro, nomeadamente ao Brasil.
A magistrada que preside ao coletivo de juízes no âmbito da Operação Marquês já tinha enviado um pedido ao SEF e à Interpol, de forma a obter informações sobre as viagens do ex-primeiro-ministro ao Brasil, desde 9 de abril de 2021 até à atualidade. «Solicito a vossa excelência, se digne providenciar no sentido de ser prestada a seguinte informação, acerca da pessoa abaixo indicada [José Sócrates] e com referência ao período compreendido entre 9 de abril de 2021 e a presente data: das datas registadas de saídas do território nacional e subsequentes entradas no mesmo, bem como dos períodos de permanência do arguido em território brasileiro», lê-se no ofício enviado nesta terça-feira, e que surgiu na sequência de um requerimento apresentado na semana passada pelo Ministério Público (MP) a pedir «que se oficie ao SEF solicitando que se digne informar este tribunal» sobre as datas de ausências de José Sócrates do território nacional.
Segundo fonte judicial ouvida pelo Nascer do SOL, «a recolha desta informação pode levar a juíza a ponderar, entre várias opções, como a obrigação de apresentação periódica, a aplicação de uma caução, a proibição de ausências para o estrangeiro, prisão domiciliária e até prisão». Mas, primeiro, «terá de aferir o grau de risco que José Sócrates oferece e, para isso, é preciso aguardar a documentação recolhida pela Interpol e ver quantas vezes se ausentou do país e por quanto tempo», continuou a mesma fonte.
Sócrates recusou-se a revelar aos tribunais qualquer informação sobre as deslocações que fez ao estrangeiro, quando o MP avançou com esse pedido.
O antigo primeiro-ministro «não tinha, nem tem obrigação alguma de comunicar e, muito menos, de prestar a tribunal ou a processo algum qualquer tipo de informação relativamente a tais deslocações, pois a única medida de coação a que está sujeito é o TIR e tal medida não envolve nenhuma restrição à liberdade ou ao património dos arguidos», alegou Pedro Delille, advogado de José Sócrates, em resposta ao requerimento do MP. Isto apesar de Sócrates se encontrar sob Termo de Identidade e Residência (TIR), regime que prevê que um arguido saiba da obrigação de não mudar de residência, nem de se ausentar da sua por mais de cinco dias sem comunicar essa situação ao Tribunal.
Doutoramento no Brasil
Sabe-se, no entanto, que estas viagens ao Brasil estarão associadas à realização de um doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo, bem como à participação em ações organizadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), do candidato às próximas presidenciais Lula da Silva, conforme avançou a revista Visão.
Margarida Alves assinala que «o arguido não prestou as aludidas informações» pedidas anteriormente pelo procurador Vítor Pinto, relativamente às notícias divulgadas sobre as viagens do primeiro-ministro ao Brasil, explicando então a juíza que o SEF «integra, através de oficial de ligação permanente, o Gabinete Nacional da Interpol», pelo que decidiu avançar com a decisão de emitir um ofício dirigido a esta entidade, com o objetivo de obter dados sobre as datas das viagens e os períodos de permanência de José Sócrates em território brasileiro.
Uma medida, acrescenta Margarida Alves, levada a cabo com o conhecimento do diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves.
Defesa de Sócrates pede suspensão
Em resposta ao pedido de informação ao SEF e à Interpol, a equipa legal de José Sócrates pediu a suspensão imediata do mesmo. «José Sócrates […] vem desde já – sem prejuízo de outras oportunas reações aos mesmos dentro dos prazos legais para o efeito – requerer com caráter de urgência, para evitar mais danos, decorrentes de mais esta iminente violação aos seus direitos, seja imediatamente dada sem efeito e mandada suspender a comunicação ou ofício mandado enviar ao Gabinete Nacional Interpol e ao senhor diretor nacional da Polícia Judiciária», pode ler-se no requerimento enviado na quarta-feira à juíza Margarida Alves.
Pedro Delille argumenta já ter prestado anteriormente esclarecimentos, e que «nunca o requerente foi constituído arguido ou prestou Termo de Identidade e Residência [TIR] neste processo», pelo que, defende, não houve separação de processos em relação à Operação Marquês que «permitisse a prorrogação de competência e dos efeitos de constituição de arguido […] e do TIR ali prestado».
Por entre as explicações de Pedro Delille, o advogado ainda aponta um alegado erro da juíza do Juízo Central Criminal de Lisboa, referindo um despacho de 2 de dezembro de 2021, onde afirma que a magistrada não se pronunciou sobre a falta de prestação de TIR invocada pelo antigo primeiro-ministro, mas em que esclarece «que não procedeu à separação que deu origem a este processo nos termos daquelas normas legais» previstas no Código de Processo Penal.
Ex-PM pode ficar no Brasil
O antigo primeiro-ministro, como o Nascer do SOL adiantou na sua última edição, poderá escapar a uma eventual extradição caso decida ficar no Brasil. Isto caso venha a verificar-se uma de duas situações: se adquirir a nacionalidade brasileira, por exemplo via de casamento com pessoa já detentora da cidadania brasileira, ou se eventualmente beneficiar da distinção como cidadão honorário do Brasil, que lhe pode ser concedida pelo Presidente brasileiro – hipótese que pode estar em cima da mesa caso o vencedor das próximas eleições presidenciais, em outubro próximo, seja o seu amigo pessoal, ex-Presidente e agora recandidato, Lula da Silva.
Afinal de contas, o respeito e amizade entre os dois políticos não é segredo para ninguém. «Acho que Lula está a conduzir muito bem a próxima batalha, e não apenas muito bem, mas com uma responsabilidade e com uma maturidade política que faz falta em muitas regiões do mundo, como, por exemplo, em França», afirmou o ex-primeiro-ministro José Sócrates, em entrevista ao canal televisivo do site Brasil 247.