Foi vereador da mobilidade e transportes na Câmara de Lisboa até 2013, professor universitário e ainda colabora em duas disciplinas do Instituto Superior Técnico. Na semana passada, na primeira parte da entrevista, falou sobre os «aiatolas das bicicletas», além dos vários problemas de trânsito da capital. Disse também que o único objetivo da oposição «é derrubar o Executivo o mais depressa possível». oposição de Moedas Urbanismo
Voltando ao projeto do Livre e ao encerramento da Avenida da Liberdade. Foi o responsável, enquanto vereador, por uma grande alteração na via.
Sim, mas a proposta que na altura foi aprovada pela câmara, não precisava de fechar a avenida para a tornar um espaço mais aprazível e com menos tráfego. As laterais tiveram uma redução de tráfego de quase dez vezes e iriam passar a ser zonas de convivência. Foi proposto um novo tipo de pavimento em continuidade do passeio e com ligação à zona ajardinada, permitindo-se o acesso dos carros às lojas, aos hotéis, aos parques de estacionamento, mas o acesso automóvel era condicionado e não se circulava como numa via normal. Ainda menos do que se circula hoje, apesar do que foi feito ter provocado uma diferença brutal. Antes circulavam uns mil veículos por hora e passou-se para 150/250.
Quando se inverteram os sentidos.
Sim. Primeiro houve três meses de experiência, que foram acordados com os representantes dos comerciantes, serviços, hotelaria e população. O que lá está não é exatamente aquilo que foi testado inicialmente, pois na primeira versão não havia continuidade de circulação nas laterais. Não se passava de um quarteirão para o outro. Isso foi mudado depois dos três meses de experiência e em acordo com as pessoas. O objetivo era diminuir a poluição e aumentar muito a segurança dos peões.
Curiosamente, agora a oposição exige um estudo para se acabar com uma das faixas da ciclovia da Almirante Reis. Não acha isto o cumulo da hipocrisia política? Não fizeram nenhum estudo para impor a diminuição de menos 10 km/h mas agora na Almirante Reis querem um estudo para decidir o que fazer?
Mas isso ainda é mais engraçado. É que o que lá foi feito não teve estudo nenhum. Tanto não teve que tiveram de alterar duas vezes o que tinham feito. Na primeira versão colocaram uma via ciclável de cada lado, depois juntaram os dois sentidos na faixa de rodagem ascendente, com pilaretes, e finalmente tiraram os pilaretes para as ambulâncias poderem passar, porque o congestionamento era total. Nunca ninguém fez estudo nenhum. Agora vou dizer-lhe uma coisa que me contou um antigo deputado municipal do PS na Assembleia Municipal de Lisboa: ‘O Medina e o Miguel Gaspar andaram um ano a dizer na Assembleia Municipal de Lisboa que iam apresentar os estudos das ciclovias e da mobilidade em Lisboa. Nunca ninguém os viu’.
Moedas não acabou com o que prometeu. O que acha disso?
O Moedas, como político que é, face àquilo que eram os protestos e sobretudo as queixas do hospital de S. José, com imensos problemas com a acessibilidade na saída das ambulâncias, teve de assumir essa posição na campanha. Uma vez vi uma ambulância entrar na pista ciclável, a andar por ali fora para poder passar. E os ciclistas tiveram de se desviar para o lado para a ambulância passar.
Não faz nenhum sentido aquela ciclovia?
Aquela ciclovia é muito difícil de substituir do ponto de vista da ligação entre aquela parte baixa da cidade e a zona das Avenidas Novas. Aquilo que sugeri era que se estudassem todas as possíveis ligações das Avenidas Novas à frente de rio, apontando várias hipóteses. Depois logo se via se há ou não há alternativas à Almirante Reis – duvido que haja – ou se podia haver uma solução mista, que é ter o corredor de autocarros e elétrico alargado 1,50m e a via ciclável funcionava dentro do corredor. Podia ser uma hipótese. A outra é aquela que era para ser feita agora: a entrada para essa zona da cidade é menos carregada, tem alternativa pela Avenida da Liberdade. Do ponto de vista da saída, não tem. Tirando a passagem pela Mouraria, Alfama, Graça, não tem alternativa absolutamente nenhuma. A Almirante Reis, como saída, é absolutamente essencial. Aí é que têm de existir as duas vias de tráfego, passando a via ciclável para o sentido descendente da avenida. Até se fazer o completo reperfilamento da avenida.
Como assim?
Retira-se o separador central, faz-se duas vias a subir e duas vias a descer, suprime-se o estacionamento, criando estacionamento em edifícios – e há vários edifícios que podem ser transformados em parques de estacionamento em silo – mantendo-se apenas algumas zonas para cargas e descargas perfeitamente identificadas. Isto permite ter passeios mais largos e pista ciclável integrada no passeio.
Que sentido fazia estar a fazer esta obra agora e gastar 400 mil euros se em setembro vamos escavacar a Almirante Reis toda com o plano de drenagem?
Acho que é fundamental retirar a pista ciclável de onde está porque é um caos do ponto de vista de trânsito. Ao contrário do que disse a Catarina Martins com um tempo de antena para aí três minutos na televisão, dando a entender que aquilo tinha sido estudado, dizendo que aquilo funcionava otimamente e que não percebia porque se ia mexer… Coisas que não têm nada a ver com a realidade. Acho que, de facto, por questões que têm a ver com o funcionamento do Hospital de S. José e que têm a ver com o próprio funcionamento da cidade, aquela pista no sentido ascendente não pode continuar, e estou de acordo que se deve pôr a pista do outro lado. Agora 400 mil euros acho que é um custo exagerado. Penso que se consegue fazer por muito menos. Mas penso que o mais importante é rapidamente avançar para o reperfilamento global da Almirante Reis, sendo essencial que se encontrem as alternativas ao estacionamento daqueles residentes.
Mas não era estranho fazerem-se obras agora e depois em setembro dar cabo do que se vai fazer?
Isso faz parte de uma coisa que eu, quando tinha os pelouros das obras e da mobilidade, consegui evitar. Nessas condições era possível programar as intervenções que se faziam no subsolo com os arranjos à superfície. Seja por essas obras já estarem previstas, seja porque decorriam de situações de catástrofe, como aconteceu nas cheias que quase destruíram a rua de S. José. A intervenção no subsolo dessa rua estava planeada, mas antecipou-se porque rebentou tudo. Na altura pôde-se intervir não só no subsolo e na drenagem da rua, mas também no seu reperfilamento e nos passeios. Porque o pelouro era o mesmo e embora os serviços fossem diferentes, sentava-se tudo à volta da mesa e programava-se a intervenção em conjunto. Mesmo numa altura que já não era eu que tinha o pelouro, mas que ainda trabalhava bem com o vereador Salgado, quando se refez a Rua da Prata, procedeu-se do mesmo modo. A Rua da Prata foi toda reperfilada e pavimentada, ao mesmo tempo que se procedeu à renovação das infraestruturas de subsolo.
Não sabia que se tinha dado bem com Salgado.
Sempre me dei muito bem até à história da torre das Picoas. Foi só aí que ficámos de candeias às avessas. A intervenção na Rua da Prata foi toda ela planeada. O Salgado já tinha o pelouro das obras, mas eu tinha ainda a mobilidade e os transportes. Na Rua da Prata fez-se não só toda a parte das infraestruturas de subsolo, como se alargaram os passeios e se sobre-elevaram as passadeiras dos peões. Articularam-se as duas coisas, isso foi fundamental fazer.
Há países em que é proibido. Quando se faz um buraco pergunta-se a toda a gente.
Sim, sim. Houve um protocolo assinado no tempo de Jorge Sampaio – no Palácio da Ajuda, para dar peso institucional ao ato – com todos os operadores de infraestruturas subterrâneas da cidade de Lisboa, precisamente com esse objetivo. Cada vez que houvesse um que quisesse avançar, comunicava aos outros todos e depois durante x tempo não se podia voltar a abrir valas naquela rua. Durou enquanto o presidente Sampaio lá esteve, e os serviços verificavam o cumprimento desse protocolo. Depois acabou-se.
Vamos ter dois, três anos catastróficos em Lisboa. A seguir continuamos com as obras do metro que quando chegarem à 24 de julho… A linha do comboio tem que ser alterada. Onde fica o terminal do Cais do Sodré?
O comboio passa para a rua do Porto de Lisboa.
Ao lado?
Sim, do lado do rio, na rua que ali existe. O terminal do Cais do Sodré, tal como o conhecemos, tem de ser alterado ou mesmo parcialmente fechado.
Onde é a última estação?
É no Cais do Sodré, mas terão de se fazer cais provisórios para ligar aos cais existentes. A pessoa entra pela atual estação, mas depois tem que aceder a outros cais.
E vai ligar onde?
A seguir a Santos já retomará a linha atual.
Vai ser o caos completo.
Vai ser o caos completo porque a Avenida 24 de Julho é para ser aberta para construir a linha do metropolitano, segundo a técnica de corta e tapa. Metade da avenida vai ficar a céu aberto. O metro fica por baixo de uma parte do comboio e há partes que vão ocupar uma parte da 24 de Julho.
À superfície?
Pois porque as obras não são em túnel. A construção naquela zona é feita a partir da abertura de uma vala que depois é coberta.
E o elétrico?
Penso que o elétrico também vai sofrer uma alteração.
E isso do comboio é provisório.
Sim, claro. Quando o metro for construído as linhas de comboio voltam para onde estão hoje. Vai ser uma situação diabólica do ponto de vista do tráfego no acesso a toda aquela zona. Pode ter a certeza.
Em relação ao metro, o seu ex-partido tentou interpor uma providência cautelar para embargar a obra. Que acha disso?
Em relação à linha vermelha?
À linha circular.
Ainda? Acho que neste momento é uma questão que já está completamente perdida. Quando o engenheiro Carlos Moedas ganhou a Câmara, ainda sugeri que se fizesse pelo menos duas coisas: uma em relação ao Campo Grande, onde, com mais outros engenheiros, se propôs que não se fizesse aí o fecho da circular. Algo que não tem qualquer justificação e é altamente prejudicial para quem vem de Odivelas e para quem vem de Telheiras. Obriga a fazer mais um transbordo.
Fechar o Campo Grande o que significa?
É fazer um terceiro viaduto. Quando vier de Odivelas tem que ter um transbordo para a linha circular, tal como se vier de Telheiras. Acho isto absolutamente inconcebível. Prejudica bastante as pessoas e não acrescenta nada às ligações que se pretendem potenciar com a linha circular. Para além de ser uma obra com um custo brutal, desfeia tudo. E na altura a obra não estava sequer adjudicada. Portanto era possível ter uma solução que é o chamado laço. Os comboios provenientes de Odivelas entravam na linha circular, o mesmo se passando com os que viessem de Telheiras, mas circulando em sentidos contrários e cruzando-se no Campo Grande. Não tinha problema nenhum e fazia-se com um investimento muitíssimo mais reduzido e sem os impactes urbanísticos e ambientais que os novos viadutos vão implicar. Engenheiros que trabalharam décadas na operação do metro defenderam isso. Mostraram como é que se fazia. Não quiseram. A outra alternativa que propus, mas que era um pouco mais difícil, ainda que fosse possível, consistia em redirecionar a linha a partir da estação da Estrela – que já estava em construção – para Alcântara Mar, em vez de seguir para a 24 de Julho, ia para Alcântara. Há vários traçados estudados pelo metropolitano para isso. No entanto, o que me transmitiram pessoas que trabalharam no Metropolitano de Lisboa durante muitos anos, foi o seguinte: quem comanda de facto é a uma estratégia de obra. Em consequência disso, raramente as opções de traçado que se tomam são as mais eficientes, mas sim o contrário. Não sei se é exatamente assim, mas não deixa de ser estranho que, havendo várias alternativas de traçado, se opte por aquelas que acabam por ter maiores problemas e custos acrescidos. Na atual obra já houve um acréscimo de 30 milhões de euros e ainda estamos no princípio…. Há aqui qualquer coisa que devia ser explicado. No final percebe-se porque temos estes custos: são atravessados terrenos complicadíssimos, instáveis, com problemas de águas subterrâneas … As soluções parecem ser sempre aquelas que têm maior complexidade, maior custo. Uma estação a 50 metros… não há estação nenhuma a tal profundidade que funcione convenientemente. A estação do Parque, que é uma estação centralíssima do ponto de vista do funcionamento da cidade, é das que tem menor procura. As pessoas não estão disponíveis para subir ou descer àquela profundidade, que, no entanto, é menor que a da futura estação da Estrela. O senhor presidente do Metro Lisboa veio dizer que a estação da Baixa-Chiado também está a essa profundidade. Mas isso é contar a profundidade a partir do Largo do Chiado. Esqueceu-se só de duas coisas: primeiro a estação da Baixa-Chiado é cá em baixo. Segundo, aquelas escadas rolantes que a ligam ao Chiado foram o resultado de uma luta da Câmara Municipal de Lisboa com o Metropolitano, chamando a atenção para que a área de influência da estação seria muito maior porque as pessoas iam utilizar essas escadas como se fosse uma rua em subterrâneo, mas era a mesma ligação que as pessoas tinham na cabeça. Portanto, não é uma estação que está a 50 metros de profundidade. Para toda a gente a estação está na Baixa e depois tem escadas rolantes por baixo da rua que as pessoas utilizavam antes. É completamente diferente do que se passará na Estrela, e não perceber isto é dramático.
Tem sido das pessoas que mais tem denunciado alguns escândalos autárquicos. Disse-me em tempos que não percebia porque é que o projeto para o quarteirão da Fontes Pereira de Melo do século XIX, não avançava. Estavam à espera que ele caísse. Já caiu?
Já houve um incêndio, já destruíram o telhado todo e este Executivo ainda não teve tempo de obrigar os proprietários a porem pelo menos uma proteção do telhado. Se este Executivo continuar esquecido dessa sua obrigação perante os proprietários, aquilo que foi negociado pelo anterior vereador Ricardo Veludo, ao fim de uma luta muito forte e muito intensa, contra a chamada torre do arquiteto Souto Moura, muito provavelmente o que vai acontecer é que esses edifícios vão mesmo cair e depois já não se justifica a proposta que foi aprovada por Ricardo Veludo.
Há muitas pessoas que dizem que é uma espécie de catastrofista. Isto é, quando foram feitas as obras na Avenida da República e Fontes Pereira de Melo, disse que isso ia provocar engarrafamentos de seis horas.
Seis horas não sei se disse, mas grandes engarrafamentos, disse de certeza absoluta, os quais poderiam ser de seis horas por dia. Penso que não me enganei. No eixo central é uma desgraça. Toda a gente que lá passa sente isso. Enquanto não se conseguir alterar o funcionamento do tráfego na cidade passando-o das vias radiais para as vias circulares, é isso que vai acontecer. Enquanto se continuar a afunilar tudo na Avenida da República, como eixo principal de distribuição de tráfego, vamos continuar a ter esse problema.
Tem uma expressão que é a ‘carninha de lombo’ imobiliário.
Em relação à linha circular hoje já pouca gente tem dúvidas sobre a situação. A extensão proposta para Alcântara segue a mesma lógica. Porque é que havendo mais de uma dezena de estudos de ligar a zona de Campolide a Alcântara, se vai escolher aquela que maior impacte tem do ponto de vista urbanístico e que menos interferência tem com terrenos vazios que podem vir a ter valorizações imobiliárias muito grandes. Penso que o natural era ter o mínimo de impactes possível no que são as áreas consolidadas. Nunca destruir o Jardim da Parada, por exemplo.
Vai desaparecer?
Vai. Metade do jardim vai ser o estaleiro da obra e a outra metade vai ser a estação.
Aquelas árvores centenárias vão desaparecer?
Eles dizem que vão transplantar algumas das árvores. É impossível com árvores daquela dimensão. Fale com qualquer silvicultor e ele diz-lhe que é impossível. Depois, o jardim que vai ficar, como tem a estação por baixo completamente impermeabilizada, só pode ter árvores de médio porte, nunca daquela dimensão. Será um outro jardim completamente diferente. O túnel segue depois por baixo do Palácio das Necessidades, o que levanta algumas dúvidas quanto ao impacte no próprio edifício. Claro que há sempre soluções, mas tudo isso custa muito dinheiro. Não se pode arriscar que o Palácio sofra consequências por causa do que se vai furar ali por baixo. Agora, o que é estranho é que tendo havido mais de uma dezena de traçados possíveis porque é que se vai escolher aquele que parece ser o pior de todos? Obrigando a adquirir edifícios em Alcântara para serem demolidos com o necessário realojamento ou indemnização das pessoas. Porquê? Havia soluções sem qualquer tipo de demolição.
Ao mesmo tempo que isto está a acontecer vão surgir enormes condomínios privados neste percurso.
É mais que espectável.
Nomeadamente na Estrela, no Hospital Militar ….
Em relação ao prolongamento da linha vermelha, compreende-se mal porque não se utilizaram os terrenos do quartel na Rua Ferreira Borges, para fazer aí a estação de metro, sem qualquer tipo de problemas e sem destruir o Jardim da Parada. Servia a zona dos dois lados dessa rua e depois poderia haver uma outra estação junto ao cemitério dos Prazeres. No fundo tinha uma estação em cada ponta do bairro, sem destruir nada no seu interior, e saindo em viaduto para Alcântara na zona da Maria Pia. Há ali uma zona que não tem edifícios e onde a linha do metro podia passar para o outro lado do vale e fazer interface na estação do Alvito da linha norte-sul. Tem lá um apeadeiro técnico que se podia transformar em estação. Em vez disso vão aterrar no largo de Alcântara, demolindo edifícios e terminando ao lado do acesso à ponte.
Mas no passado chegou a falar-se de outro trajeto.
É surpreendente ver António Costa e Duarte Cordeiro, que quando eram presidente e vereador da Câmara de Lisboa tinham uma ideia quanto à expansão do Metropolitano de Lisboa (ML) e agora, que são primeiro-ministro e ministro da tutela, aceitarem soluções propostas pelo ML com impactes absolutamente desastrosos na cidade. Isto é um bocado angustiante e triste porque as prioridades de expansão do metro eram claras nessa altura (Alcântara, com ligação à linha de Cascais e ao Alvito, e Telheiras/Carnide) e depois, quando se é Governo e há dinheiro para fazer as coisas, aceita-se este tipo de soluções sem nenhuma justificação plausível. Mesmo o senhor presidente do ML teve a honestidade de reconhecer, numa entrevista à televisão, que não tinham feito a análise de outras alternativas. Compararam apenas a linha circular com uma linha que terminava em Campolide. Como é evidente, são duas coisas incomparáveis. Uma ligava à linha de Cascais e outra terminava numa zona sem oferta de transporte de grande capacidade. Ao menos teve a hombridade de assumir que, de facto, não foram analisadas outras alternativas possíveis. Agora aconteceu o mesmo em relação a Alcântara. Avançaram com uma solução deixando para trás mais de uma dezena de outros estudos que tinham impactos muito menores.
Por que acha que isso acontece?
Acho que acontece por dois motivos fundamentais. O primeiro é que tudo o que eram entidades que faziam reflexão estratégica e a longo prazo, que procuravam uma maior fundamentação e que exigiam maior rigor técnico, foram sendo destruídas. Tudo o que era gabinete de estudos e planeamento foi desativado. Hoje tem-se os chamados reguladores, mas o regulador não faz planeamento. O regulador verifica se as condições contratuais estão a ser cumpridas ou não estão. Essa capacidade de planear, de ter uma visão estratégica, de analisar, etc., foi-se perdendo. Os gabinetes de planeamento que existiam na Carris, no Metropolitano, foram deitados fora ou encostados à parede. Esse saber foi substituído por consultores, tipicamente próximos ou amigos de quem está no poder em cada momento e que fundamentalmente fornecem a ‘justificação técnica’ daquilo que já foi decidido anteriormente. Como a empresa ou entidade pública já não tem capacidade própria de análise e reflexão, quando aparece uma proposta com determinada justificação, toma-se aquilo por bom. Segundo, quando a crítica começa a surgir na opinião pública ou por outros técnicos, já é muito tarde porque estamos na fase da discussão pública do estudo de impacte ambiental. Todo o projeto já está feito e aí funciona a pressão de gastar o dinheiro. Temos o PRR para gastar até 2026. Está atrasado, como toda a gente já sabe e, portanto, o que tem que se fazer é não questionar o projeto porque este já está pronto para ir para obra.
Até se diz que alguns destes projetos podem ser postos em causa se não ficarem concretizados até à data prevista. Bruxelas não dá o resto do dinheiro.
Exatamente.
Há obras que podem ficar…
É um risco. Embora pense que esse risco era perfeitamente ultrapassável se se quisesse fazer uma task force para tratar do assunto. Há empresas nacionais e estrangeiras que podem fazer o projeto a tempo. A questão não é essa.
Porque acha que o primeiro-ministro mudou tanto de opinião?
Acho que ele não mudou de opinião.
Mas defendia uma coisa e agora defende outra.
Porque quando estava na Câmara tinha um conjunto de pessoas à sua volta que o alertavam para os vários aspetos a ponderar e lhe explicavam as alternativas possíveis neste tipo de projetos.
Entre os quais…
O Manuel Salgado, a Helena Roseta e eu próprio.
Manuel Salgado defendia a linha circular.
Não. Manuel Salgado, quando esteve comigo na Câmara defendia que a prioridade era a ida a Alcântara.
Fiquei com a ideia que agora defende a linha circular.
Agora foi ele um dos pais da linha circular, segundo dizem.
Então estamos de acordo que António Costa e Manuel Salgado mudaram de opinião por alguma razão.
Penso que o Manuel Salgado terá mudado de opinião porque o seu objetivo passou a ser alargar a atratividade do centro de Lisboa, para responder a uma procura internacional muito grande que se estava a manifestar no imobiliário. E Lisboa passou a ser a terceira cidade mais cara do mundo, em paridade de poder de compra. Em contrapartida perderam-se 20 mil habitantes nos últimos 20 anos. Em relação ao António Costa, acho que ele nem sequer se deu conta da situação. Para ele, a importância era ir a Alcântara e quando lhe dizem que o projeto para ir a Alcântara está feito, fica descansado. Isto é, como primeiro-ministro não tem tempo, nem lhe compete, estar a analisar em detalhe os projetos. Quando começa a aparecer a contestação, há certamente alguém que lhe diz que se o processo for parado agora, a obra não acaba até 2026 …
Então é possível vender tudo, incluindo que este traçado do Metro é o melhor.
As pessoas têm muita dificuldade em ler os documentos que aparecem ao nível dos estudos de impacte ambiental. Se forem ler aquilo com cuidado, está lá o número de alertas mais que suficiente para se perceber que este traçado é um traçado problemático e que há situações que não estão resolvidas, etc. Agora a questão é sempre a mesma: quando se está com a pressão para gastar o dinheiro e para avançar rapidamente com a obra, não é nesta altura que se podem fazer mudanças de 180 graus. Isso teria de ser antes. Quando trabalhei com o Metropolitano de Lisboa nos anos 1990, estudávamos várias alternativas. Antes de se passar ao projeto, definiam-se uns primeiros traçados aproximados, mas com o rigor suficiente para não se estar a propor coisas que não eram viáveis. Depois faziam-se estudos de procura, estudos de rede e só depois de se tomar uma decisão é que se avançava para o projeto propriamente dito. Agora parece ser ao contrário. Primeiro fazem o projeto e depois é que vão ver as consequências. Nessa altura, mesmo que as consequências sejam más, já estamos numa fase em que se gastou tanto dinheiro, e sobretudo tempo, que não se muda.
O mesmo se passa com outras obras.
Veja o que se passa com o Aeroporto de Lisboa. Neste momento é o pior do mundo ou quase. Apontaram para um novo aeroporto no Montijo, passando por cima de uma série de alertas e de problemas, quer do ponto de vista ambiental, operacional e militar… Mas meteram na cabeça que era ali, sobretudo porque convinha à Vinci, que não só gastava menos do que constava do contrato de concessão, como ganhava muito mais mantendo a Portela como aeroporto principal. A compra da ANA já está quase paga e a Vinci fez pouco do que se tinha comprometido. Com o tempo que se gastou já se tinham feito estudos necessários à avaliação de alternativas. Como aliás o LNEC demonstrou que era possível, ao fazer em menos de um ano os estudos de várias soluções alternativas. Entretanto, já passou mais de um ano e não temos aeroporto nem sequer uma decisão final quanto à sua localização.
O que defende como solução para o Aeroporto?
Defendo princípios, porque acho que há estudos que ainda falta fazer. Primeiro, não podemos continuar a ter um aeroporto com esta dimensão em pleno centro da cidade de Lisboa. Isto não é admissível em termos de ruído, emissões poluentes e risco para as pessoas. E não é admissível em termos de acessibilidades viárias. É um caos. Isso pode ser um aeroporto de cidade como há em Nova Iorque, Londres e mesmo em Paris ou Rio de Janeiro. Um pequeno aeroporto dentro da cidade para os voos de curta distância, pode funcionar. E depois ter um aeroporto com maior capacidade para os voos de médio e longo curso. Os dois é que formam um ‘hub’. Este aeroporto maior tem que ter duas características: primeiro tem que ter uma conexão muito grande ao da Portela. Ambos têm de funcionar como dois terminais do mesmo aeroporto. Quando falamos em terminais de Paris ou Madrid, estes distam 15 minutos de comboio.
Está a falar de Alverca?
Exato.
Defende Alverca, portanto.
Acho que se devia comparar a hipótese de Alverca com um outro aeroporto na zona de Poceirão-Rio Frio. Rio Frio foi chumbado como alternativa devido a possíveis negócios imobiliários. O LNEC não foi autorizado a estudar essa localização por causa de um grande projeto imobiliário do grupo Espírito Santo. Esse projeto já não existe, portanto vale a pena estudar uma localização nessa zona. A alternativa de Alcochete não é compatível com a manutenção da Portela, porque é demasiadamente longe para haver uma operação conjunta entre os dois aeroportos. Alcochete é uma alternativa global à Portela. E pensa-se numa outra coisa, como uma cidade aeroportuária. Mas ponham-se em cima da mesa pelo menos estas hipóteses e compare-se com o Montijo, mas nunca ignorando que este nunca poderá ser o aeroporto principal e a Portela teria de aumentar o seu tráfego. O Montijo não tem as mínimas condições para ser aeroporto principal. Não é possível ter pistas com a extensão necessária para o ser. É completamente inviável, independentemente até dos impactos ambientais, estamos a falar do ponto de vista físico propriamente dito. Mas mesmo que isso fosse ultrapassável com enormes custos, em vez de termos os impactos em Lisboa, passávamos a ter em Montijo e Alcochete. Acho que isso não é admissível, é uma não solução. Agora, se quiserem comparar um grande ‘hub’ na Portela com um aeroporto secundário no Montijo com as outras hipóteses, como sejam um aeroporto principal em Alverca e um aeroporto de cidade na Portela, um único aeroporto em Alcochete ou um em Rio Frio- Poceirão com um aeroporto de voos privados e de menor dimensão na Portela, tipo aeródromo, tudo bem. Comparem-se é soluções exequíveis, tecnicamente defensáveis e com o mínimo de consistência e coerência.