As tropas russas estão perto de fechar o cerco sobre a cidade de Severodonetsk, e os próximos dias serão decisivos no esforço da Ucrânia para rechaçar um assalto final que verá cumprido um dos principais objectivos de Moscovo, isto depois de ter sido obrigado a rever a sua campanha ofensiva no país vizinho, após o falhanço colossal no assalto a Kiev e a outras zonas a ocidente. O governador regional de Lugansk, Serhii Gaidai, fez soar o alerta este domingo, deixando claro que nas próximas horas se decidia o desfecho de uma batalha que se tem arrastado ao longo de várias semanas, isto numa altura em que aquela cidade estratégica está prestes a ser cedida ao invasor. De acordo com o chefe da administração militar da cidade, Alexander Stryuk, a Ucrânia já só controlava ontem um terço de Severodonetsk, o último grande centro urbano na região do Lugansk que ainda não caiu inteiramente no controlo das tropas invasoras. Esta importante cidade industrial, e a vizinha Lyschansk não deverão aguentar muito mais, estando a região debaixo de intensos bombardeamentos há semanas, incluindo sobre a fábrica de produtos químicos Azot, onde, de acordo com Gaidai, 800 civis se abrigaram. Numa altura em que as posições ucranianas estão cercadas, e em que a falta de armas e o pesado número de baixas diárias fazem prever que o Kremlin venha em breve anunciar a vitória no esforço de controlar as autoproclamadas Repúblicas de Donetsk e Lugansk que, em conjunto, formam o Donbass, resta à Ucrânia a esperança de que os aliados europeus reajam a tempo e dotem as suas forças das armas adequadas para que possam recuperar terreno. Entretanto, e depois das dificuldades que as tropas russas sentiram em controlar a zona Sul da cidade, duas pontes que a ligavam ao centro da cidade foram destruídas, e a terceira, a única que resiste está debaixo de fogo de artilharia, sendo neste momento a última linha de abastecimento que segura as esperanças das forças ucranianas.
Valerá a pena lutar por Severodonetsk? Ainda que a Rússia venha por fim a declarar o domínio sobre toda a região do Donbass, uma fonte do Pentágono que falou sob condição de anonimato ao The Washington Post explicou que isso não significa que Moscovo consiga depois controlar a região, isto porque a Ucrânia adotou uma “defesa de área móvel” muito eficaz, que recua quando as tropas russas avançam, e que reinveste assim que o poder de fogo do inimigo abranda, recuperando territórios. “Os ucranianos estão a fazer um trabalho realmente bom”, lembrou esse alto funcionário da Defesa dos EUA, sem esconder que a perspetiva é de que aquela região que tem visto uma guerra incessante desde 2014, entre o exército ucraniano e forças milicianas apoiadas pelo Kremlin, deva cair no domínio russo no prazo de uma semana. Recorde-se que, na semana passada, o ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksiy Reznikov, disse que as forças sob o seu comando estavam a perder cerca de 100 homens a cada dia, e apelou aos países ocidentais que enviassem armas mais sofisticadas de forma a que os seus homens pudessem contrariar a intensidade dos ataques russos. Depois de o Kremlin ter-se confrontado com a sua incapacidade de levar a cabo uma invasão que submetesse em poucas semanas todo o território ucraniano ao seu poderio militar, esta segunda fase da sua ofensiva tem-se mostrado bem mais realista e conseguido recuperar a face, valendo-se da sua superioridade em termos de artilharia de longo alcance, e concentrando-se num número bem menor de alvos, o que, ao longo de semanas, acaba por causar um desgaste de tal ordem que leva as forças da resistência a sentirem-se esmagadas. E mesmo o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky que, até há dias, não se cansava de repetir que a batalha por Severodonetsk era crucial e que iria decidir o destino do Donbass, neste momento, e face à intensidade dos ataques russos, que estão a reduzir aquelas cidades a meras zonas de devastação, vê-se diante do dilema de tentar perceber se ainda vale a pena lutar e sacrificar as suas tropas para manter viva uma batalha por uma cidade de onde já fugiram praticamente todos os seus 100 mil habitantes.
E Zelensky está a ficar sem opções e sabe-o. Por isso, tem-se agarrado cada vez mais à possibilidade de o seu país vir a receber o estatuto de candidato à União Europeia, sendo esse o único sinal de esperança que tinha para oferecer à população ucraniana no habitual discurso que faz nas noites de sábado, declarando que se encontravam agora “na fase final desta maratona diplomática.” Acrescentou que espera receber muito em breve uma resposta, isto depois de ter recebido a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Kiev, tendo a dirigente europeia assegurado que a Ucrânia será informada da decisão na próxima semana. De qualquer modo, Zelensky sabe que agora enfrenta não um mas dois inimigos: a Rússia e o próprio tempo. Isto porque, com o passar do tempo, basta abrir as páginas dos principais jornais no mundo ocidental para se perceber que a Guerra na Ucrânia está a perder essa outra guerra pela atenção e pelo destaque noticioso dos media. Os seus apelos de mais ajudam continuam a ser feitos, mas depois de os governos norte-americano, britânico e dos Estados da UE e outras nações terem já enviado muitos milhares de milhões de euros em equipamento militar e outras formas de apoio para o seu esforço no sentido de rechaçar a invasão russa, Zelensky sabe que a torneira irá, eventualmente, deixar o jorro e começar a pingar, apenas para obrigar a Rússia a desgastar-se no Leste da Ucrânia e não abrir outras frentes no seu delírio expansionista. Desde que iniciou a sua invasão em fevereiro, as forças russas têm desferido ataques em armazéns, linhas ferroviárias e outras infraestruturas na tentativa de cortar as linhas de abastecimento ucranianas de forma a impedir o exército do país vizinho de segurar a resistência nas linhas da frente. Ainda que a maior parte dos combates esteja agora concentrada no Leste da Ucrânia, o Kremlin continuou a lançou ataques mais a Oeste, recorrendo muitas vezes a mísseis disparados pela sua frota naval a centenas de quilómetros de distância no Mar Negro.