Por Carlos Bonifácio, mestre em Estratégia, e João Barreiras Duarte, Consultor e Gestor de Empresas
A Rússia tenta antecipar ganhos na região do Donbass, antes que cheguem os rokets/mísseis, conhecidos por (HIMARS), e (M270) prometidos pelos EUA e pelo Reino Unido. Este tipo material, com enorme alcance e um elevado grau de precisão, não vai decidir esta guerra, mas poderá impedir o avanço russo no terreno e provocar uma erosão significativa na moral das tropas russas, já de si muito afetada. Por outro lado, os ucranianos procuram resistir, nesta fase, o mais que podem até que o grosso do material prometido pelo Ocidente chegue e venha a dar outros argumentos a Zelensky para se sentar à mesa das negociações. Isto porque não será aceitável para os ucranianos negociarem com 20% do seu território ocupado.
Pode, ainda, dar-se o caso de a solução não passar pela via diplomática, mas ser o desgaste e a exaustão das tropas a ditar o adormecimento do conflito sem que um acordo de paz venha a ser assinado. O que pode agravar ainda mais a atual tragédia humana na Ucrânia.
A par deste conflito militar, avizinha-se um problema com uma magnitude que extravasa as fronteiras da Rússia e da Ucrânia: uma crise alimentar em virtude do embargo pelos russos aos cereais do Porto de Odessa. É importante recordar que tanto os EUA como a UE não sancionaram o trigo russo. Na verdade, apenas as quotas de importação de fertilizantes contendo potássio, provenientes da Rússia, foram limitadas pela UE.
Esta invasão está a provocar uma escalada de preços com implicações imprevisíveis, mas que será particularmente penalizadora para os países mais vulneráveis. Tanto a Ucrânia como a Rússia são importantes produtores de trigo, milho, óleo de girassol e fertilizantes. No caso da Ucrânia, antes do conflito fornecia 50% do comércio mundial de sementes e óleo de girassol.
O problema não se colocará de forma tão acentuada na Europa, dado o seu poder compra, mas constitui um grave problema para o Continente Africano, muito dependente dos cereais da Ucrânia. O Presidente senegalês Macky Sall, que também é Presidente da União Africana, numa recente visita a Moscovo, tentou desbloquear esta situação, mas esbarrou neste intricado problema criado pela invasão. A Rússia não tem capacidade nem meios para abastecer o continente africano, antes abastecido também pela Ucrânia.
A Rússia não possui meios para escoar os cereais dado que muitas empresas de transporte ocidentais deixaram de operar na Rússia. O problema central foi criado pelo Kremlin ao bloquear o acesso ao Porto de Odessa, onde se encontram milhões de toneladas de cereais a apodrecer. Espera-se que, os turcos possam dar o seu contributo para o escoamento dos cereais ucranianos, evitando uma crise alimentar de proporções inimagináveis.
Apesar da propaganda de Putin contra as sanções da UE impostas à Rússia, a realidade é que o Egito é o maior importador mundial de milho ucraniano, seguido pela Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Líbano, Turquia, Marrocos e Tunísia. Embora tenham receio de dizer abertamente que o que está a impedir o abastecimento é o bloqueio de Moscovo e não as sanções da UE, estes e outros países precisam urgentemente dos cereais da Ucrânia.
Putin, está perante mais uma encruzilhada, ou a Rússia liberta Odessa do cerco, ou será também acusado de um genocídio alimentar nos países mais pobres.