Por José Manuel Azevedo, Economista
São inúmeras as referências do Presidente da República às enormes qualidades do povo português, às suas façanhas em diversas áreas da ciência, da arte, do desporto, da solidariedade, rotulando-nos mesmo de «os melhores dos melhores do mundo». Nada tenho contra o estímulo que essas palavras podem provocar em quem as lê, em quem ouve esses elogios, em quem nelas reconhece o incentivo a que se faça constantemente mais e melhor, por si próprio, pelas empresas que representam, pela sociedade em que vivem, pelo país.
Em contraste, contudo, não podemos ignorar que nos temos revelado incapazes de contornar obstáculos estruturais e/ou conjunturais com que nos deparamos no dia-a-dia, afetando, assim, a sobrevivência individual e coletiva com qualidade, a nossa posição relativa na União Europeia, a imagem interna e externa que projetamos para quem aqui habita, para quem nos visita ou para quem apenas escolheu Portugal para passar o seu período de final de vida.
Aqui vão apenas alguns exemplos dessa incapacidade, quase diria ‘nata’, para solucionar tais obstáculos, começando pelos mais recentemente divulgados:
Novo aeroporto de Lisboa. Recordam-se de há quantos anos esta matéria é discutida? E das distintas localizações que foram primeiro escolhidas, depois preteridas, por esta ou aquela razão, levando a que esteja neste momento a ser discutida a possibilidade de proceder a uma avaliação ambiental estratégica para decidir onde se instalará (Alcochete ou Montijo) tal aeroporto? Como? Cinquenta anos não chegaram para estudar as distintas hipóteses e optar pela mais conveniente?
E, tendo entretanto vindo a investir em melhorias no da Portela, que não garantem adequado tratamento do aumento exponencial do tráfego de passageiros (só atenuado nos dois anos de pandemia), é agora o próprio ministro das Infraestruturas e da Habitação que admite a hipótese de recusar voos caso se confirmem as expectativas otimistas sobre o turismo para 2023… Não estamos perante um caso evidente de incapacidade para planear e executar?
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. ‘Dando de barato’ que a há tanto tempo anunciada extinção do SEF e consequente transferência de competências para diversas entidades não tenha permitido produzir o imprescindível plano de transição (de organização, de atribuições, de qualificações, de processos de trabalho, de práticas remuneratórias, de sistemas de informação) – o que já de si revela incapacidade, para não utilizar outro termo ainda mais negativo – como podemos compreender que, no espaço de duas ou três semanas, se tenham acumulado, na zona de controlo de passaportes do mesmo aeroporto, filas de milhares de pessoas, que esperaram horas para a franquear? E então o plano de contingência que foi anunciado, onde está? Não me digam que o número de voos chegados, a proveniência e a quantidade de passageiros transportados não eram esperados, por favor!
Urgências nos hospitais públicos. Curiosamente no período em que se pode gozar uma semana de descanso (no caso dos lisboetas e de outros munícipes, com 3 feriados no espaço de 7 dias), diversas urgências de ginecologia e obstetrícia interromperam os seus serviços, por dois ou mais dias, devido a insuficiência de pessoal. Sendo já de si uma situação de imensa gravidade – como pode uma mãe ficar descansada sabendo que, caso tenha alguma situação que a obrigue a ir a uma urgência, terá de deslocar-se bem mais do que o necessário, podendo pôr em risco a vida da própria criança? – por que raio não conseguimos fixar profissionais de saúde nos hospitais públicos? Não se sabe já que se trata de condições remuneratórias insatisfatórias, de práticas de trabalho que exigem extensos horários de funcionamento (com o consequente desgaste) e, provavelmente, de dotações de pessoal que nunca chegam a passar do papel, leia-se plano e orçamento? E será mais um plano de contingência que solucionará este problema?
Na realidade, somos capazes de diagnosticar e incapazes de executar! A não ser que se trate de soluções transitórias tomadas pelos distintos Governos que se tornaram definitivas! Basta que tais soluções assegurem aumento das receitas fiscais ou que limitem investimentos, pois que não há vida para além das contas certas…