Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A resposta à guerra e ao aumento da inflação é mais ambiciosa em Espanha face a Portugal. A opinião é unânime junto dos economistas contactados pelo i. E os números falam por si: O Governo de Pedro Sánchez avançou com um pacote de medidas que representa um esforço extraordinário do ponto de vista orçamental, mais de 9 mil milhões euros, que se desdobra em 5500 milhões em gastos para proteger famílias e empresas, e 3500 milhões em descontos fiscais. Assim, até o final de 2022, cerca de 15 mil milhões de euros terão sido investidos na proteção de famílias e empresas. Por cá, António Costa acenou com 1,6 mil milhões para combater a inflação.
“Entre as medidas fiscais para controlar o aumento dos preços, as medidas de apoio e fiscais para conter os custos de produção, as medidas de apoio às famílias mais vulneráveis e às atividades económicas mais dependentes de energia (…), de janeiro até agora, o Estado mobilizou já 1682 milhões de euros”, disse o primeiro-ministro. Espanha tem 47 milhões de habitantes, enquanto Portugal regista pouco mais de 10 milhões. Proporcionalemnte, é como se Portugal estivesse a desembolsar 7,5 mil milhões.
Para João César das Neves não há dúvidas: “Uma crise como esta significa que estamos todos mais pobres. Não há volta a dar. A única coisa que os governos podem fazer é gerir a carga, carregando mais nuns para melhorar outros, mas o total é menor para todos. O Governo espanhol está muito frágil, o português tem maioria absoluta. Claro que a resposta espanhola é mais ambiciosa”.
Uma opinião partilhada por Henrique Tomé, analista da XTB, ao garantir que “as ajudas do Governo português têm estado aquém das expectativas, sobretudo quando comparamos com outros países como Espanha por exemplo”.
Também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, defende que os incentivos espanhóis dizem respeito às medidas para mitigarem a forte subida dos combustíveis fósseis, que o país tem tentado responder energicamente à alta da gasolina e do gasóleo.
Casas Uma das medidas emblemáticas do Governo espanhol diz respeito à implementação de um teto máximo de 2% na subida das rendas até ao final do ano para evitar que milhares de inquilinos sofram um grande aumento nos seus gastos mensais e, com isso, não possam suportar a taxa de esforço.
Um apelo que já foi feito pela Associação dos Inquilinos Lisbonenses, ao garantir que “aumentos de 7% ou 8% nas rendas são completamente incomportáveis”, pedindo ao Governo português que siga o exemplo de Espanha. E, de acordo com Romão Lavadinho, a única forma de evitar aumentos galopantes nas rendas no próximo ano face à subida da inflação passa por o Governo publicar uma norma que defina um teto máximo de subida e que, segundo o responsável, deverá rondar entre 1 a 2%. A explicação é simples: A atualização automática das rendas é feita com base na inflação média dos últimos 12 meses registada em agosto, excluindo a componente da habitação. É com base nesse valor que o INE apura o coeficiente de atualização das rendas, que é depois publicado no Diário da República até 30 de outubro de cada ano.
Uma sugestão que não caiu bem ao presidente da Associação Nacional de Proprietários ao apontar o dedo ao Governo: “Não faz mais nada há sete anos a não ser hostilizar os proprietários” e considera que não será um “drama” atualizar rendas, disse ao i, António Frias Marques.
César das Neves vai ao encontro do que é defendido pelos proprietários. E não hesita: “Impor um teto desses teria graves e imprevisíveis consequências no mercado, que poderiam criar perversões graves”. E face a um possível aumento de preços sugere que o Governo português o que se devia fazer seria apoiar aqueles que têm menores rendimentos.
Já Paulo Rosa considera que “tentar mitigar o aumento dos custos para as famílias mais desfavorecidas é sempre um objetivo do Ministério da Solidariedade do Executivo português”, defendendo que “são medidas muitas vezes necessárias”, mas entende que “esse apoio pode ser exequível se garantir as respetivas compensações, a equidade e a relativa liberdade económico dos agentes económicos”, acrescentando que “ essas compensações podem passar por créditos de imposto ou isenções fiscais”.
Uma opinião muito diferente tem Paulo Tomé ao garantir que ainda é prematuro avançar com essa possibilidade. Ainda assim, o analista afirma que tem algumas dúvidas que o Governo possa vir a avançar com alguma medida a pensar nos inquilinos. “Há vários anos que o mercado imobiliário necessita de uma intervenção por parte do Governo, mas até então não tem tido sucesso”. E acrescenta: “As rendas poderão aumentar a longo prazo se a procura começar a aumentar. Os aumentos das taxas de juro poderão fazer com que a procura por habitação própria possa começar a abrandar e as famílias poderão começar a optar pelo arrendamento em alternativa à compra de casa”.
Apoio aos mais necessitados O Governo espanhol avançou ainda com um auxílio direto de 200 euros para trabalhadores independentes mais vulneráveis, desempregados e famílias de baixos rendimentos, que pode ser solicitado a partir de julho. Por cá, António Costa acenou com uma medida extraordinária de apoio ao cabaz alimentar que irá vigorará por mais três meses, ou seja, com mais 60 euros a ser pagos às pessoas que beneficiam da tarifa social de eletricidade e a todos os beneficiários das prestações mínimas. Apesar da diferença em relação ao montante atribuído, César das Neves defende que o apoio aos pobres deve ser uma prioridade, uma vez que, considera, que “são eles quem mais sofre”. E apesar de considerar que, as duas medidas são semelhantes não hesita: “Espanha dá mais do triplo de Portugal”.
Já Paulo Rosa defende que “um apoio em géneros tende a ser mais eficaz se o objetivo for direcionado a determinados produtos e se se pretender orientar o consumo das famílias para determinados bens”.
Por seu lado, Henrique Tomé considera que é uma ajuda importante que abrange os mais vulneráveis. Mas deixa um alerta: “O Governo não se pode esquecer da classe média que está a ser prejudicada pelo encarecimento dos preços dos produtos devido aos efeitos da inflação que continua a subir em Portugal”.
E os combustíveis? Aí a diferença poderá ser ainda mais significativa e não é novidade que Portugal tem dos preços mais caros da União Europeia, no que diz respeito ao mercado dos combustíveis. Os mais recentes dados da Comissão Europeia provam isso mesmo: Portugal está em novo lugar dos 27 estados-membros com um preço de venda de 2,080 euros por litro no gasóleo e de 2,12 euros por litro na gasolina 95, enquanto Espanha aparece a meio da tabela, em 13.º lugar com 2,14 euros por litro no gasóleo e 2,08 euros por litro na gasolina 95. E, além da distância de quatro lugares que separa os dois países, também as medidas para combater esta escalada de preços não são iguais.
O Governo espanhol decidiu manter um desconto automático de 20 cêntimos por litro sobre o preço de venda ao público dos combustíveis até 31 de dezembro. A medida já estava em vigor desde 1 de abril. Este é um desconto aplicado a profissionais e particulares e é feito diretamente pelos postos de serviço. Em Portugal, o Governo decidiu reduzir o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), medida que vai sendo analisada semanalmente consoante as previsões de subidas ou descidas dos preços. E o Governo recordou no início deste mês que o desconto no ISP equivalente a uma descida da taxa do IVA dos 23% para 13%, anunciando que vai manter-se nos meses de julho e agosto.
Para as empresas, um dos destaques vai para a criação do mecanismo de Gasóleo Profissional Extraordinário (GPE), através do qual serão reembolsados 17 cêntimos por litro, até um máximo de 8500 litros consumidos no conjunto dos meses de julho e agosto. O valor do desconto equivale à devolução dos montantes cobrados a título de taxa de carbono e da contribuição de serviço rodoviário.
O economista do Banco Carregosa diz que “qualquer medida para mitigar o aumento significativo dos preços dos combustíveis fósseis e da energia é sempre bem-vindo em termos de eficácia económica”, lembrando que “a subida dos preços a montante do processo produtivo tende a impactar, influenciar e impulsionar os preços em todo o ciclo de negócios”, defendendo que “como na Zona Euro a inflação é maioritariamente do lado da oferta, e sobretudo é impactada pelas importações de energia, uma política orçamental expansionista, espelhada numa descida dos impostos diretos dos bens importados, nomeadamente dos combustíveis fósseis, tenderá a travar a inflação”.
Também Henrique Tomé defende que o Governo português precisa de adotar um papel mais proativo com vista a combater os efeitos da inflação. Mas deixa um alerta: “Embora o Banco de Portugal não consiga ser autónomo na condução das políticas monetárias em Portugal, o Governo pode optar por medidas para suavizar o aumento generalizado dos preços”.
O mesmo se aplica à redução do IVA da luz para 5%, com o analista da XTB a defender que esta diminuição seria uma opção, apesar de considerar que existem várias formas de atuação que o Governo pode adotar.
Menos otimista está César das Neves ao afirmar que medidas “de redução dos impostos sobre os preços são muito perigosas neste quadro”, uma vez que “levam as pessoas a manter os consumos, quando é urgente reduzi-los. Deve-se apoiar o rendimento sem falsificar os preços”.
Recorde-se que, numa altura em que o preço da energia é o principal responsável do disparo da inflação, neste ponto os dois países uniram-se para criar o mecanismo ibérico que foi aprovado pela Comissão Europeia e já está em funcionamento. Este é um mecanismo que define um regime excecional para a fixação dos preços no Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) e que entrou em vigor a 14 de junho, prevendo-se que dure até 31 de maio de 2023.
Só nos primeiros 15 dias de aplicação, o Ministério do Ambiente português anunciou que este mecanismo permitiu que as pessoas com contratos de fornecimento de eletricidade expostos beneficiassem de uma poupança média diária de 38 euros por megawatt-hora.
Empresas com lucros taxadas Enquanto Espanha vai agravar os impostos sobre os lucros das empresas energéticas, devido à subida dos preços, Portugal deu o dito por não dito. Costa Silva depois de ter avançado com essa hipótese acabou por dizer que a ideia de avançar com uma taxa sobre os lucros excecionais das empresas, entre elas as do setor da energia, seria uma “solução de último caso” que o Governo pode implementar se entender que é necessário. De acordo com António Costa Silva, a medida “foi discutida no Parlamento como resposta a uma pergunta”, afastando para já a sua implementação.
Ainda assim, o ministro salientou que o Governo está a “radiografar todos os setores e, se houver lugar à existência de lucros inesperados e aleatórios, estaremos atentos, porque o Estado não tem recursos infinitos”, acrescentando que “se conjunturalmente uma empresa que tinha lucros de 20% está com lucros de 80%, situações acima do patamar normal de lucros, podemos falar com essas empresas, de forma concertada”
Já o Governo espanhol afirma que esta medida deverá estar em vigor em janeiro de 2023. “A carga desta situação tão dolorosa tem de ser partilhada com justiça” e “quem mais obtém deve dar mais ao esforço coletivo”, afirmou lembrando que estas empresas – tanto as petrolíferas como as energéticas – têm “gastos absolutamente injustificados com o aumento dos preços da energia”.
Uma solução que divide os economistas ouvidos pelo i . César das Neves diz que “uma medida dessas é uma tolice, que desincentivaria investimento nas empresas quando eles são mais necessários”. E acrescenta: “Se, quando uma empresa tem lucros, o Estado os leva, não vale a pena investir. Os impostos existentes já têm em conta esses ganhos excecionais”.
Já Henrique Tomé defende que “seria uma boa alternativa para aumentar a receita do Estado e para que esta receita fosse canalizada para medidas de apoio à economia e aos agentes económicos”. Mas deixa um alerta: “Infelizmente, os lóbis em Portugal continuam a ter um peso significativo nas tomadas de decisões dos políticos”.