Lobo com pele de cordeiro

Ficando no Governo, depois de desautorizar o primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos saiu deste golpe politicamente por cima.

Excecionalmente esta crónica fala de política – embora sobre um episódio que se assemelhou mais a uma ópera bufa.

Na quarta-feira da semana passada, dia 29 de junho, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, chamou ao seu gabinete vários autarcas para lhes comunicar a decisão do Governo sobre o novo aeroporto, e mandou publicar um despacho, assinado por um seu secretário de Estado, que localizava a nova infraestrutura em Alcochete – utilizando-se o Montijo como solução intermédia até à conclusão das obras.

No mesmo dia, o ministro foi à TV anunciar a decisão, apresentando-a como sendo do Governo, adiantando que não tinha de informar ninguém: nem o Presidente da República, nem a oposição.

No dia seguinte, porém, depois de o despacho ser revogado e de ter falado com António Costa, Pedro Nuno Santos veio dizer publicamente com ar compungido ter havido uma «falha grave de comunicação» de que ele assumia toda a responsabilidade, pediu desculpa aos portugueses e aos seus colegas de Governo pelos prejuízos causados, e dispôs-se a continuar no cargo.

Foi talvez o momento mais patético da política portuguesa a que alguma vez assisti. 

Porque se tratou de uma peça de teatro mal representada – e com um guião inverosímil.

É óbvio que não houve qualquer ‘falha de comunicação’. 

Tudo o que Pedro Nuno Santos fez foi pensado e preparado com tempo. Mais: foi planeado para aquele dia, em que o primeiro-ministro estava fora do país.

Faz algum sentido que uma questão que se arrastava há 50 anos sem solução, que atravessou vários governos, que implicou numerosos estudos e proporcionou inflamados debates, fosse anunciada sem avisar quem quer que fosse, quase clandestinamente, através do despacho de um secretário de Estado e com o primeiro-ministro ausente no estrangeiro?

Não faz sentido nenhum e tem um nome: tratou-se de um golpe.

O que pretenderia Pedro Nuno Santos com ele?

Uma coisa muito simples: mostrar a impotência dos governos, e do próprio Governo de que faz parte, para resolver uma questão decisiva para o país (fazendo-o num momento em que a Portela rebenta pelas costuras).

Mas sobra uma questão: se queria fazer uma prova de força, por que aceitou depois fazer uma declaração em que se humilhou perante o país inteiro?

Porque, depois daquilo, Pedro Nuno Santos só tinha duas saídas: demitir-se ou encenar um mea culpa. 

Ora, o ministro entendeu, de forma calculista, que tem mais força no Governo do que fora do Governo. Que é mais importante ser ministro de uma pasta com relevância do que simples dirigente partidário.

E assim preferiu humilhar-se. 

Entre perder a dignidade e perder o poder que tem, Pedro Nuno Santos não hesitou: preferiu perder a dignidade. 

Mas isto torna-o uma figura temível.

Quanto a António Costa, a sua posição é simples de interpretar: teve medo de o demitir.

Tudo somado, Pedro Nuno Santos sai politicamente por cima.

Fez o seu número, encostou o Governo à parede, mostrou a sua capacidade para tomar decisões, desafiou o primeiro-ministro – mas continua no seu lugar. O chefe do Governo não teve força para o dispensar. 

E, como a solução a adotar para o novo aeroporto será possivelmente a preconizada por ele, poderá dizer no fim: como veem, eu tinha razão. Andou a perder-se tempo para nada. Revogaram o despacho mas acabaram por aceitar a solução que eu defendia.

Quem ri no fim, é quem ri melhor.

Depois de toda esta trapalhada, julgo que quem ficou a rir foi Pedro Nuno Santos.

A autoridade de António Costa saiu muito abalada deste episódio.

Imagino que, se isto se tivesse passado com Cavaco Silva quando era chefe do Governo, um minuto depois da publicação do despacho o ministro seria demitido.

É esta a diferença.