Em dias de condições extremas para a propagação de grandes incêndios, não há nenhum sítio que possa ser considerado seguro. Domingos Xavier Viegas, especialista em incêndios florestais da Universidade de Coimbra, que coordenou os estudos pedidos pelo Governo sobre os fogos trágicos de 2017 e integrou a comissão técnica permanente do Parlamento, diz ao i que essa é uma das leituras a fazer do dia de ontem, marcado pelos fogos em zonas rurais e por dois grandes incêndios que atingiram os perímetros urbanos de Palmela e Setúbal e, a Sul, Faro e Almancil, onde fica a Quinta do Lago, atravessada pelas chamas.
“Com esta extensão não é muito habitual e não é o mais lógico, porque a área florestada é muito superior à área urbanizada, mas cada vez mais vamos tendo floresta que entra por zonas urbanas, até em zonas rurais, e as cidades e vilas vão se expandindo”, afirma Xavier Viegas. “Esta é uma tendência a que chamamos o aumento do interface urbano-florestal, que é característico do nosso país, ao passo que noutros países como os Estados Unidos podemos encontrar vastas regiões que são apenas floresta, em que se podem percorrer quilómetros sem encontrar casas”.
Para o especialista, este cenário – que ontem ao final do dia ainda mobilizava 4500 operacionais em todo o país – evidencia o risco de situações meteorológicas fora do comum, que os estudos têm mostrado que tenderão a ser mais frequentes. “Com condições fora do comum, nenhum sítio do nosso país é completamente inócuo ao risco de incêndio. Sabemos que há regiões que têm um risco maior e são as mais afetadas em condições normais, mas em condições extremas como as que estamos a viver o fogo pode chegar a qualquer lado”, sublinha, admitindo que se pode ser “inesperado” ver uma vila como Palmela cercada pelo fogo, foi esse o cenário vivido nos incêndios de outubro de 2017 na região Centro, que entraram em zonas urbanas. Os incêndios que mataram 50 pessoas, depois das 66 mortes em Pedrógão Grande em junho, atingiram a zona industrial de Oliveira do Hospital e entraram na cidade. Sendo agora mais perto de Lisboa e do mar, por esses motivos mais fora do comum, Xavier Viegas considera que são realidades parecidas e que por esse motivo não podem ser vistas como impossíveis.
Sendo defensor de que quando há condições de segurança as pessoas menos vulneráveis devem permanecer nas suas habitações, por norma resistentes ao fogo – e podendo aí auxiliar na extinção de chamas na envolvente, muitas vezes o motivo para danos nas habitações – Xavier Viegas considera natural as evacuações a que se tem assistido nos últimos dias, decididas em cada momento pelas autoridades.
“Quando o fogo começa muito em cima das habitações, pode não haver tempo para outro tipo de ação”, diz, sublinhando ainda assim que em casos em que isso é possível, a permanência de pessoas nas localidades pode ser uma mais-valia no combate às chamas.