por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
A alteração geopolítica mundial em curso, face ao conflito armado que envolve a Europa e compromete outros continentes, impõe que os países adoptem uma visão estratégica para o futuro, compelidos pela necessidade de encontrarem novas formas de estabilidade e de desenvolvimento.
Na busca desse desígnio, Portugal encontra-se em vantagem, atendendo às ligações históricas, linguísticas e culturais, alicerçadas em seis séculos comuns a outras nações com quem partilha uma decisiva afinidade, constituindo esta o maior legado nacional, em respeito pela vocação oceânica onde assenta a sua antiguidade.
Esta inflexão de agenda e de métodos não implica que se abrevie a obsessão europeia das últimas décadas. Pelo contrário, os primeiros passos desta nova ordem mundial estão apenas a desbloquear algo que sempre esteve à nossa frente, negligenciado durante demasiado tempo, permitindo agora que Portugal regresse à sua convergência e aproveite, de uma vez por todas, a exclusiva ocasião proporcionada pelas rotas únicas com África e com a lusofonia em geral.
Na comunidade formada pelos cidadãos que compartilham a língua portuguesa reside uma resposta determinante aos novos desafios, em virtude dos frágeis pilares da construção europeia ora expostos pela presente crise mundial. E nos firmes alicerces da lusofonia, assentes numa identidade cultural partilhada ao longo de séculos por oito países, subsiste uma complementaridade fulcral que Portugal pode impulsionar.
Não se trata apenas do idioma português ser uma das línguas mais faladas do mundo ou de envolver uma comunidade superior a duzentos e setenta milhões de pessoas. Implica assumir a lusofonia como a plataforma prioritária a partir da qual os seus povos privilegiam a cooperação entre si, aproveitando, como nunca sucedeu até à data, os vínculos e as vantagens que os unem, na certeza de que essas ligações beneficiarão todos. Quanto mais fortes estiverem, melhor será para a comunidade lusófona, para os seus mercados e para cada uma das economias nacionais.
Para tal, o individualismo estatal ou continental terá de ceder à ênfase lusófona, assegurada e intensificada por instituições como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ou o Instituto Camões, dentro de uma visão transversal definida nos diversos ministérios, a par do envolvimento dos municípios, proporcionando uma coerência de actuação desde a cúpula do sistema político às populações que comungam o espaço lusófono. Não se trata de algo inédito, a Commonwealth ou a Organização Internacional da Francofonia já o fazem há muito tempo, promovendo o livre comércio, o estatuto comum e o igualitarismo entre os seus cidadãos.
No mês passado foi dado um passo muito relevante, com a aprovação de um conjunto de diplomas pelo Conselho de Ministros que facilita a mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa. A par desta decisão, que honra compromissos históricos, é fundamental que se retomem os Jogos da CPLP e os Jogos da Lusofonia, para além da criação regular de encontros de cultura lusófona e de fóruns económicos, bases cruciais desta abordagem multilateralista. E que Portugal se assuma como a voz lusófona no quadro europeu.