“O problema da seca só se minimiza com pequenas charcas e pequenas barragens”

O secretário-geral da CAP defende esta é a solução para Portugal continuar a produzir e diz que os 1634 milhões do PRR deviam ser canalizados para este plano.

 

O país está numa situação de severa e não são poupadas críticas à atividade agrícola pelo uso da água. Como vê estas acusações?

A agricultura utiliza água, não gasta água. As pessoas têm de perceber que, se querem comprar um quilo de maçãs ou um quilo de tomate, não é possível o agricultor produzir esses produtos se não usar água. 80% do tomate ou da maçã, ou da carne ou de outro produto agrícola, é água. Não sou capaz de produzir cinco toneladas por hectare se não utilizar 500 litros de água. É impossível.

Agora tem havido um maior cuidado, com a regra de precisão…

Não é possível produzir sem água. Se retirar a água toda ao litro do leite como fica? 80 e tal por cento é água, como também acontece com o nosso corpo. Este discurso de que a agricultura gasta muita água não está correto. Primeiro não gasta, utiliza, depois é preciso não esquecer que sem água não há alimentos.

Sem alimentos já sabemos qual é a fatura a pagar…

Claro. Em nenhuma parte do mundo consegue produzir um quilo de alimentos sem utilizar 800 gramas de água. É impossível, isso não existe. Além disso, a planta também tem de viver, tem de evapotranspirar, tem de produzir oxigénio. Como é que se regava antigamente? Sem recurso a sensores, sem sistemas computadorizados. São estes que agora decidem a quantidade de água a aplicar. Hoje, essas tecnologias são utilizadas por muitos agricultores, praticamente por todos os agricultores de regadio. Não sou eu que decido a quantidade de água que vou usar. O sistema ideal será aquele que só irá disponibilizar a água que a planta necessita, nem mais uma gota. Por isso é que se deixou de inundar para se passar a regar gota a gota. E agora já existem sistemas mais modernos, com sensores na planta, que têm uma espécie de um buraco que vê a seiva que a planta tem e determinam se está em stress ou não e, a partir daí, decide-se se é para dar ou não mais água. Isso não é futurologia, os agricultores têm esses sistemas e se amanhã tiverem uma previsão de 40 graus, para a planta não entrar em stresse têm de dar mais água hoje. Agora não consigo pôr um chapéu de sol para que a planta não leve com 40 graus em cima. Tenho imagens de peras completamente queimadas, de uvas secas, de árvores em que caíram muitas folhas, como se fosse outono. Porquê? Porque levaram um escaldão tão grande, que a forma de se defenderem foi essa.

Mas esses sistemas de rega são usados especialmente em grandes produtores…

No meu jardim não tenho um sensor. Se tiver quatro laranjeiras não vou ter um computador com sensor. Agora um agricultor que venda para o mercado tem de ter. Isto não é uma coisa que só o grande agricultor tem, aplica-se a todos e já é banal. Era um equipamento caro há dez ou 15 anos, mas hoje é barato. Mas não é só o sensor também tenho de ter um computador com um programa que esteja ligado ao sistema de rega. Se for aos seareiros, não são os donos, mas a quem aluga a terra no Vale do Tejo e que fazem searas de tomate, todos têm uma aplicação com sensores. Quem não funcionar assim não consegue ser rentável. Muitas vezes, aparecem pessoas a dizer que há um desperdício de água muito grande na agricultura, mas porque é que isso acontece? Porque os canais de rega foram construídos há 50 ou 60 anos e alguns deles estão rotos. Como têm 50 anos, o cimento já partiu, tem fissuras e, além disso, não estão tapados. Estão a céu aberto porque era mais barato fazer assim. Quem quer criticar tem de fazer contas a tudo isto. É claro que o Alqueva tem uma evaporação brutal, a água que evapora é mais do que aquela que se consome na agricultura, mas isso não é possível mudar, a não ser que se arranje um pano para tapar. Se esses canais fossem tapados, obviamente que haveria menos perdas. E estas perdas não se dão com o agricultor na sua utilização, porque o sistema melhorou muito com estes equipamentos, ocorrem no transporte da água até lá chegar.

Falou em uvas secas, peras queimadas. A fatura vai ser paga pelos agricultores, a não ser que haja uma compensação?

Por alguma razão, não há um seguro contra a seca, porque não se sabe quando começou. Começou em outubro? Em janeiro? Em abril? E quando acaba? Acaba agora no princípio de agosto? Em outubro? Quando é que vai chover? E quando chove consegue terminar com a seca ou só caem ali umas pinguinhas e depois voltamos a ter temperaturas altas de trinta e tal graus? Os seguros não podem calcular um risco que não conseguem determinar, ao contrário, por exemplo, do que acontece com uma tromba de água. Uma tromba de está definida: são tantos milímetros em tantos minutos. Cai uma tromba de água, é paga a indemnização e acabou. Com a seca não é possível.

Então qual é a solução?

Há várias. Acho piada que andamos todos a dizer que não podemos fazer charcas, não podemos fazer barragens, pelo menos, na Europa. Mas vamos falando com os franceses e estão a ter uma seca como nunca tiveram. Para eles seca era estar três dias sem chover no verão. Temos uma delegação na Bélgica e uma funcionária que trabalha lá e que é belga, quando não chove uma semana entra em pânico a falar da seca. Basta não chover uma semana e ficam logo preocupados. Mas como agora estão a ter situações muito complicadas, a França já vai pressionar para a construção e para um plano de retenção de água. E assim que conseguirem fazer isso passa também a ser possível fazer aqui, porque hoje se quiser fazer uma barragem, quase que a APA [Agência Portuguesa do Ambiente] põe uma etiqueta a essa pessoa como se fosse uma verdadeira criminosa. Por exemplo, as pessoas que estão a combater os incêndios com os meios aéreos se não recorrem às charcas que existem pelo território tiram a água de onde? Do chapéu? Esta estratégia para fazer face às alterações climáticas não é só para a agricultura, é para tudo: é para a biodiversidade, é para os animais. Se os animais não tiverem um sítio onde beber água o que acontece? Vai lá alguém dar água com uma garrafa? É necessário, face às condições climáticas que estamos a viver, que o país tenha uma ação para termos espalhados pelo país pequenas charcas, pequenas barragens que possam permitir a produção, não é para produzir mais. Esta é outra mensagem que gostava de deixar claro: há 20 anos, quando se fazia uma barragem era para conseguir aumentar a capacidade produtiva porque havia água. Hoje, se não existir essa estratégica, dentro de 20 a 30 anos, a maioria das regiões do país não vai ser capaz de produzir porque não têm água para isso.

Os solos ficam secos….

Já se equaciona em impor rega nos castanheiros em Trás-os-Montes, quando isso é uma verdadeira estupidez. Quando há um ano de seca produzem 40% menos, isto dá uma pancada brutal. Os charcos e as barragens não são para produzir mais, é para garantir uma estabilidade na quantidade produtiva do próprio negócio em si. Não é querer ter mais água para aumentar a sua capacidade, é para ter condições para no futuro conseguir produzir.

Este cenário de seca severa já era previsível com os alertas sobre as alterações climáticas…

Quem é que foi apanhado desprevenido? É verdade que as condições são anormais, especialmente pelo número de dias consecutivos acima dos 40 graus. Mas isso já passou. Se for hoje a Évora ou a Beja estão 38 graus. Mas qual é a novidade? A novidade foi aquele período de dias constantes e sem arrefecer à noite. Agora não, estamos com as temperaturas habituais.

Habituais para julho…

Exato, não é em dezembro que vamos ter estas temperaturas. Estamos no verão, está calor. Parece aquela altura em há cheias no Tejo e os repórteres vão e dizem que há inundação, que a água dá pelos joelhos’ e o que pessoas respondem é ‘isto é sempre assim’, nesta altura do ano.

Mas há imagens desoladoras de seca…

São imagens que estão de acordo com as condições que estamos a viver. Sem dúvida que sim, mas perante essas imagens e perante estes factos, não se faz nada. O Governo tem maioria absoluta, pode legislar o que quiser, não precisa de pedir autorização a ninguém. Tem o Presidente da República que o apoia sempre, é quase o vice-primeiro-ministro. Tem dinheiro de impostos como nunca houve. Tem dinheiro de Bruxelas como nunca houve. Acabou de receber 1634 milhões do PRR por causa da má prestação económica em 20/21, que veio proporcionar mais esta verba adicional a 100%. Repito: 1634 milhões de euros. Porque não se aplica essa verba no uso eficiente da água e na captação de água para fazer face àquilo que o país todo está a passar? Não é um problema na zona do sul ou do centro, é no país inteiro. O lógico era haver uma ação nesta matéria porque não há falta nem de capacidade política, nem de dinheiro. Só há falta mesmo de atitude para fazer essas coisas.

O presidente da AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve disse em entrevista ao Nascer do SOL que Espanha deixou de ter alguns problemas com a água, tornando-a pública…

O problema não está aí. Tem é de haver uma ação, em termos nacionais, para uma maior captação e uso eficiente da água. Não precisamos de mais planos. Esses planos existem desde os anos 50. É só preciso aplicar o que já estava planeado. O Alqueva vem dessa data. E há um conjunto de planos previstos para trazer água dos rios do norte de Portugal para o centro. Isso já estava previsto há 50 anos. Não é preciso mais planos. É preciso ação e, ainda por cima, agora temos 1634 milhões que vieram sem estarmos à espera. Temos uma maioria absoluta para decidir o que for mais acertado, é preciso tomar decisões. Não é empurrar com a barriga e esperar que o tempo resolva os problemas. Para o ministro do Ambiente, a solução é vivermos com menos água. Isto não é solução para quem quer governar. Quem quer governar encontra soluções. Nas empresas há também quem faça isso: ‘ah este setor está a dar prejuízo, fecha’ e depois fecha-se tudo. Isso não é solução, mas é a técnica que está a ser usada em Portugal. Não é dizer que temos de usar menos água, o que termos é de arranjar soluções para termos mais água. É isso que o Governo não está a ser capaz de fazer e tem todas as condições, como nunca houve para isso. Tem dinheiro e tem estabilidade política para o fazer. Não faz porque não tem capacidade.

Já fez esse apelo de ação ao Governo?

O Governo ouve os parceiros sociais?

Há várias reuniões, nem que seja para fala dos aumentos salariais…

Nem para isso. O Governo anunciou isso na campanha eleitoral. Não há discussão sobre o aumento do salário mínimo. Já todos sabemos em Portugal quais serão os valores para os próximos três anos. Que concertação social é que existe? Qual é a consulta que existe? O Governo decide sozinho, sem falar com ninguém e quando faz reuniões é para cumprir calendário. Já disse isso publicamente: são 1634 milhões que não estavam sequer contemplados ou previstos. Não têm nenhum destino a ser dado e face ao que se está a assistir, esse dinheiro devia de ir todo para o combate às alterações climáticas, na questão do uso eficiente e na captação da água. Era isso que devia ser feito.

Acha que essa verba vai para onde?

Não faço a mínima ideia, tem de perguntar ao primeiro-ministro.

A ministra da Agricultura disse, nestes últimos dias, que devia ser criado um instrumento na União Europeia para haver esta tal gestão da água…

Um problema de gestão da água na Holanda ou na Alemanha não é o mesmo problema que há em Portugal. Acho é que a sensibilidade dos países do norte e da própria Comissão Europeia para este problema está maior do que estava há 20 anos, porque não tinham os problemas que têm hoje e estão-se a deparar com dificuldades que também vão ter de ultrapassar. Acho positivo que a Europa, devido à prática e aos problemas que tem tido, comece a ver água de outra maneira. Houve uma fase em que a União Europeia era totalmente contra qualquer obra ou qualquer atividade que levasse armazenamento de água através de barragens. Não estou só a falar no armazenamento, como de todo o tipo de utilizações mais eficientes da água. Para mim parece haver só uma solução: fazer pequenas barragens, charcas, barragens, contenções de água, chame-lhe o que quiser, espalhadas pelo país inteiro e proceder ao que Espanha já fez. No norte continua a chover, então há que aproveitar essa água e tentar conduzi-la para as zonas onde existe menos. Também é importante perceber que as barragens que há a norte e, que este ano se viram totalmente vazias, têm concessões para a produção de energia. O que os proprietários dessas barragens fizeram, e que é legítimo, foi turbinar quando a energia valia muito dinheiro e levaram aquilo até à exaustão. Podem dizer: ‘Ah, isso é criticável’. Não, a concessão é deles, foi para isso que pagaram. Acho é que nas novas, as concessões deviam ser feitas de outra maneira e essa gestão da água devia estar no contrato, para que houvesse uma forma de utilização dessa água diferente para não chegarmos ao ponto onde chegámos.

Esta semana foi anunciado um mega investimento por parte da Iberdrola, mas para energias renováveis…

As energias renováveis são extremamente importantes. No setor agrícola há produtos feitos com uma nova geração de painéis. São painéis que não são completamente opacos, são tipo rendilhados e há culturas, por exemplo, as batatas, em que a produção sobe. Porquê? Porque, em alturas com muito sol, evita que a produção seja queimada. Qual é a vantagem? Permite praticar culturas debaixo dos painéis e, além disso, não diminui a produção. É como se fosse uma rede perfurada que permite a passagem do sol, o que possibilita o desenvolvimento das culturas por baixo.

Na última entrevista disse o Alqueva era uma das maiores obras dos últimos anos e que eram necessários 7 ou 8 para o país…

O problema é que não temos sete ou oito Guadianas para fazer sete ou oito Alquevas, isso não é possível. Como também não é possível regar o país todo. Em relação às alterações climáticas, há cientistas que dizem que o deserto avança em cada dez anos 30 quilómetros e, por isso, temos de tomar um conjunto de medidas para minimizar esses impactos. Há associações de agricultores que já o estão a fazer, por exemplo, na área da vinha, a estudar o impacto que têm as alterações climáticas nessa cultura. Quais são as soluções? Mudar a forma de condução da vinha, procurar outro tipo de variedades que sejam mais resistentes a estas novas circunstâncias e o contrário também já está a existir. Já há vinhas no sul de Inglaterra, coisa que antes era impossível. Os primeiros que apostaram foram uns australianos e acharam que eles eram malucos.

Que tipo de produções podiam ser alteradas? Podia-se, por exemplo, deixar de produzir pera abacate, já que se diz que precisa de muita água?

Há algumas culturas que às vezes são criticadas em público, mas são críticas ideológicas e que não têm nada a ver com a parte técnica. A pera abacate gasta tanta água como o laranjal e utiliza muito menos produtos químicos. É quase uma cultura que não precisa de nenhum tratamento. Se isto é mau, então não sei o que é bom.

É como as campanhas contra o tomate cherry e os mirtilos…

As pessoas são contra as estufas em Odemira, mas depois comem tomate cherry ao almoço e acham que o tomate cherry vem de onde? Se não houvesse estufas não havia tomate fresco, nem alfaces, nem feijão, nem pepinos nem nada de legumes frescos. Antes de haver estufas isso não existia no inverno. É preciso que as pessoas percebam isso. Quem quer comer legumes e alguns produtos hortícolas no inverno só tem duas soluções: ou vem com uma pegada de carbono brutal e só nas frutas, porque nos legumes não é possível, do hemisfério sul ou veem de uma estufa. Não há outra hipótese. Além disso, temos aí a FAO a avisar todos os dias que, em 2030 – e 2030 é daqui a pouquinho – a população mundial vai ter 8 mil milhões de pessoas. E essas pessoas precisam de comer todos os dias. Temos de perceber que as plantas precisam de remédios como nós precisamos quando estamos doentes, não precisamos é de remédios todos os dias. Não é possível produzir a quantidade de alimentos que se produz hoje no mundo sem os fertilizantes e sem os medicamentos. Havia fome no mundo se não houvesse fertilizantes. Veja o que aconteceu agora no Sri Lanka. Por uma questão financeira, proibiu por decreto a utilização de fertilizantes e de químicos. Importava os adubos e não tinha dinheiro. O resultado foi catastrófico. A produção caiu a pique e depois, como os fertilizantes subiram muito com a invasão da Ucrânia pela Rússia, o que aconteceu? Quando quiseram ir comprar ao mercado mundial ou não havia ou era demasiado caro. Atenção a estas decisões ideológicas que não têm uma base científica, caso contrário dá asneira. Estava-me a perguntar quais eram essas mudanças de culturas? Tudo vai depender do que o consumidor quer comprar. O agricultor responde ao mercado e se um agricultor produz abacate é porque o consumidor quer comer abacate. Além disso, o preço está elevado e, ao contrário da laranja – que tem um preço inferior e tem mais dificuldades em vender – se tiver abacate está sempre vendido. Porque é que uma pessoa põe uma cultura e não põe outra? Porque prevê que tenha dela um maior rendimento. Os agricultores vivem desse rendimento.

A certa altura houve subsídios por parte de Bruxelas para produzir determinado produto em detrimento de outro…

Desde 1992 que a Política Agrícola Comum (PAC) tem sido sempre orientada para uma diminuição da produção e a reforma de 92 foi feita porque havia excedentes de tudo. A Europa, se quiser produzir mais, retira as limitações que tem imposto aos produtores e o resultado aparece. A autonomia alimentar tem de ser pensada em termos europeus e não em termos nacionais. Essa capacidade existe na Europa, não haja sombra de dúvidas. Agora não existe em modo Sri Lanka, sem adubos e sem tecnologias. Mas isso também é bom para ver se a Europa abre os olhos a estas coisas impostas por decreto, como por exemplo, 25% da produção ter de ser feita em modo biológico. Tem de se saber se os consumidores querem comprar. E já perguntei na Comissão onde é que há esterco orgânico para pôr 25% da área da superfície agrícola europeia em modo de produção biológica.

É impossível?

Não existe. Vão buscar aonde? Porque depois há uma tendência para dizer que os animais, como é o caso das vacas, produzem metano. E o esterco vem de onde? Vem da galinha? E há esterco orgânico para 25% da área? Parece-me um bocado complicado.

Ainda esta semana, a ministra garantiu que a PAC está em “condições de ser aprovada”…

A ministra fez a apresentação da PAC, não consultou ninguém, aliás, consultou uma vez as confederações, mas não se sabe em que ponto está esta troca de informações entre a Comissão e o Estado português. O que sabemos, porque houve uma reunião em que nos apresentaram isso, é que na versão inicial que foi apresentada a Bruxelas, a Comissão enviou 200 e tal perguntas. Muitas delas vinham questionar aquilo que a CAP tinha dito no seu comentário à proposta. Dissemos que a proposta era pouco ambiciosa, tinha uma vertente da arquitetura ambiental muito pouco evoluída e que a parte de digitalização era inexistente. Conclusão: Bruxelas fez 230 perguntas.

São perguntas exaustivas?

O Ministério da Agricultura disse que não e que as perguntas que estavam a ser feitas a Portugal eram iguais para todos os países e que estávamos muito bem. Agora estão muito contentes, porque vamos ser dos cinco países onde vai ser primeiro aprovado. Não me dá felicidade, nem tristeza, enquanto não conhecer bem o documento.

Está à espera de saber em moldes vai ser aprovado?

Exatamente, quais são as regras, em que moldes. Houve algumas alterações e o comentário que a CAP fez ia nesse sentido: não foi aproveitada a margem de manobra que existia para corrigir alguns dos problemas que tínhamos. Aliás, Portugal sempre teve o sonho da especificidade da agricultura portuguesa. Agora teve condições para construir isso e não foi capaz de o fazer. Fez mais do mesmo.

A CAP chegou a estar ausente em algumas reuniões com a ministra por entender que não havia margem para negociações…

Ainda foi pior do que isso. A ministra andou durante um período de tempo a reunir-se connosco e a pedir contributos para uma decisão que teve a ver com a PAC atual e uma semana antes de enviar para Bruxelas decidiu uma coisa que nunca tinha apresentado a ninguém.

É como acontece na concertação social…

Ainda pior. Há que ter o mínimo de consideração pelos parceiros com quem se está a falar. Nem a ministra, nem o Governo têm de seguir as propostas da CAP, mas tem de haver respeito e tem de manter as propostas que apresenta. Não é mudar uma semana antes apresentar a proposta, sem dar cavaco a ninguém e depois enviar para Bruxelas. Foi isso que levou à suspensão da nossa participação nessas reuniões. Depois houve eleições, o primeiro-ministro considerou que era importante reconduzir a ministra e tivemos uma reunião com ela. Dissemos que tínhamos criticado muito por considerarmos este procedimento inaceitável, mas em democracia é assim: há quem vença e os outros têm de respeitar os resultados democraticamente. Foi esta a opção do primeiro-ministro e conte com a CAP para trabalhar, mas se mantiverem as mesmas circunstâncias então não vale a pena estar a dar contributos quando não são tidos em conta.

Houve agora uma polémica em relação à atribuição de pagamentos…

Não é polémica. A ministra tem que ter cuidado com as promessas que faz em público e tem que ter contenção na palavra pública. Porquê? Se prometer como ministro que vou fazer uma barragem e se não fizer defraudo as expectativas. Se vou prometer fazer um hospital e depois não faço criei uma expectativa, mas não há nenhum problema. Se prometer publicamente que vou pagar no dia 30 de maio – foi a ministra que anunciou, ninguém pressionou para isso, nem há nenhuma regra comunitária para fazer o pagamento nessa data, foi uma decisão voluntária – 50% das ajudas então tenho de pagar. Se recebo ajudas todos os anos, sei bem quanto é que é 50%. Não é preciso que me enviem uma carta a fazerem-me as contas e também sei bem quando é maio. Numa produção normal, o agricultor começa a gastar dinheiro desde outubro até fazer a colheita agora no verão, em julho, ou em agosto, ou em setembro, depende das culturas. Se tem um anúncio público, um compromisso que vai receber 50% no dia 30 de maio, então muitos agricultores foram dizer aos fornecedores que pagavam no principio de junho porque já teriam recebido os tais 50%.

E depois não chegou o dinheiro?

Não é pago a 30 de maio e a CAP nem disse nada. Depois disse que ia pagar a 30 de junho, não pagou outra vez. E, nessa altura, a CAP teve de dizer que era inaceitável. O Estado é uma pessoa de bem que devia cumprir os seus compromissos, se não pagar o imposto naquele dia, no dia a seguir levo uma multa. Um ministro tem de ter a noção da sua responsabilidade. A ministra poderia ter dito que iria proporcionar um adiantamento para quando houvesse condições, sem falar em dias.

E aí não se comprometia com uma data, nem criava expectativas.

Não imagina as dezenas de telefonemas que recebemos e no ministério de certeza que receberam também, assim como no IFAP. E não chamavam bons nomes a ninguém. Se sou governante e digo que vou pagar 50% do pagamento no dia 30 de maio é óbvio que todos ficaram a contar com isso. Depois ainda deram um desconto de 30 dias e não voltou a ser pago a 30 de junho, acabou por pagar no princípio de julho.

Depois de toda a pressão?

Acho que a pressão faz sempre efeito. E foi o ministro das Finanças que teve de intervir para resolver esta questão.

Em relação aos incêndios. A CAP disse que houve na última semana uma série de fiscalizações…

O Governo toma decisões e não fala com os interessados. Faz isso nessa área e acredito que em todas as outras e como não consegue resolver os problemas faz proibições. É mais barato, mais rápido e não precisa de planeamento nenhum. Prejudica as pessoas, mas proíbe. O Governo publicou uma legislação, antes de decretar este estado de alerta, em que dizia que era proibido circular nas áreas florestais, fazer a limpeza dos matos, etc. Mas isentava as práticas de colheita, porque tinham tem de ser feitas naquela altura, não podem ser feitas daqui a um mês.

Só se pode, por exemplo, colher os cereais a determinadas horas do dia…

Mas a asneira está aí. As horas em que é possível ceifar é entre as 6h e as 10h da manhã, o que demonstra um profundo desconhecimento do que é a atividade. Às 6h da manhã, com a diferença da temperatura da noite para o dia, há uma certa humidade e essa humidade não permite que a ceifa seja feita a essas horas. Então tem de se esperar mais um bocadinho e só quando se chega às 8h30 da manhã é que é possível. Então afinal só é possível colher das 8h30 até às 10h da manhã. Isso é o quê? Isso é alguma solução para quem tem que de recolher o produto de todo o seu ano de trabalho? Mas alguma vez houve este tipo de restrições? Os agricultores são tão burros e tão descuidados que numa ação de ceifa, em que estão a colher o seu produto iriam pôr isso em causa? O normal seria que dissessem que se queriam ceifar teriam de pedir aos bombeiros da zona para terem lá um carro de intervenção rápida, porque se começasse a arder teriam água e apagavam logo ou então diziam que o próprio tinha de ter uma carrinha com um reservatório de 400 litros de água, uma mangueira de intervenção rápida e o dobro do extintor. Mas, mesmo sem proibições, os agricultores da 13h às 16h param de ceifar porque o calor é muito, a máquina também atinge temperaturas brutais. É mais fácil proibir do que encontrar soluções.

E está a haver essa fiscalização por parte das autoridades?

Houve até agricultores que foram multados.

Em quanto?

Para pessoas singulares de 500 a 2500 euros, para pessoas coletivas de 2500 a 25 mil euros, nem sei em que se baseiam para multar, mas como o Estado também interpreta a legislação como lhe convém, se calhar o Ministério da Administração Interna interpretou de uma maneira mais conveniente para a GNR ganha ali mais umas multas. Não estamos no meio da floresta, estamos no meio agrícola, com temperaturas como estão hoje, que são normais para esta época do ano. Isto não é entendível.

E o estado de alerta pode ser renovado…

E depois volta a ser avaliado. Já estamos há 14 ou 15 dias nisto. Quem paga este prejuízo?

Supostamente o agricultor…

Os agricultores têm de pagar tudo. E há quem diga que a legalidade é duvidosa.

Não pediram um parecer a um constitucionalista?

Já fizemos isso em outras situações. O Tribunal Constitucional demorou um ano e meio para responder, mais o custo do parecer do constitucionalista. Até podemos ganhar daqui a um ano e meio ou dois, mas resolve o problema de agora? A justiça em Portugal não funciona.

Com a crise dos cereais na Ucrânia com os problemas decorrentes das alterações climáticas corremos o risco de vir a ter uma crise alimentar?

Não. Quando houver na Europa uma crise alimentar, muitas partes do mundo já morreram à fome. Temos de pensar enquanto União Europeia, porque enquanto Estados-membros não temos sequer capacidade de intervir no mercado. Vivemos numa parte do mundo que tem capacidade produtiva e tem grande capacidade financeira para comprar produtos. A Europa é autossuficiente praticamente em todos os produtos, só talvez soja e milho é que tenha de importar, mas porque orientou a produção nesse sentido. Se der incentivos para produzir essas culturas também passamos a ser autossuficiente em termos europeus.

Mas os preços já aumentaram…

Os operadores vão comprar os produtos de que necessitam no mercado mundial e compram onde é mais barato. É verdade que os preços subiram, mas também subiram os combustíveis, os adubos, a energia, então é natural que os produtos tenham de subir. Isto sem falar nas embalagens que aumentaram, o vidro também subiu. Qual é a dúvida? Aumentaram aqui, como aumentou em toda a Europa e em todo o mundo.

E poderá vir a aumentar ainda mais?

Os combustíveis vão aumentar ou vão descer? O que vai acontecer com a eletricidade? A energia está na base de todo o processo produtivo e depois no resto da cadeia. Isso é determinante, se estes fatores descerem, aí não há razão para aumentarem. Mas se estes fatores aumentarem, quem suporta isto? Diga-me o que não aumentou…

Ontem assistimos ao debate do Estado da Nação. O que achou?

Acho que todos são unânimes em dizer que o estado da Nação não é famoso. Se pensarmos na questão da crise, da saúde, na questão do aeroporto, da agricultura, se pensarmos na justiça, na educação, vimos que está tudo numa embrulhada. O estado da Nação é mau. E o pior disso tudo é que os meios financeiros e as oportunidades existem, o que há é uma falta de capacidade de ação e de concretização por parte do Governo.

Isso vê-se pela fraca execução do PRR…

Vê-se que o Governo não tem essa capacidade. Estava à espera de um Governo com mais ação, mais forte, mais coeso e não é isso que temos visto.