Neste ‘reino’ de brandos costumes – cujos súbditos estão habituados ao encolher de ombros resignado, perante o caos do SNS ou os desvarios ideológicos do ensino público –, há muito que está provado que os portugueses ‘amoucham’, mesmo se o poder político excede as suas prerrogativas constitucionais, como aconteceu a pretexto da pandemia.
É por isso que quando o presidente do Constitucional, João Caupers, disse ‘alto e bom som’ que foi «o medo da pandemia» que esteve na origem da ‘resignação’ perante a perda de direitos, e que a «anormalidade se tornou uma nova normalidade», quase ninguém ‘tugiu nem mugiu’, mediaticamente falando. E, no entanto, estavam em causa «a garantia e proteção dos direitos fundamentais, que eu tinha por certa (…) e que é bem menos segura e garantida».
Isto dito assim pelo presidente do Constitucional deveria ter provocado um sobressalto entre políticos e comentadores.
Mas, com raras exceções, ficou tudo nas ‘encolhas’.
O certo é que Caupers não ficou sozinho nas suas perplexidades. O seu colega, Henrique Araújo, presidente do Supremo, impressionado com o funcionamento das chamadas – portas giratórias – entre a magistratura e o Governo, com as sinecuras e cumplicidades inerentes, defendeu abertamente que «os magistrados judiciais que optem pela carreira política, não devem poder regressar à judicatura». É inegável que tem razão.
Pode imaginar-se, porém, o calafrio que não terá sentido, entre outros, a ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem que, enquanto governante, tomou posse como juíza conselheira do Supremo e, sem nunca ter exercido o cargo, aposentou-se como se ali tivesse feito carreira, quando saiu do Executivo. Um pormenor: fê-lo com o ámen do Conselho Superior da Magistratura, ao qual preside por inerência Henrique Araújo…
Talvez com esse peso na consciência, resolveu acelerar os procedimentos para que se acabe com o despautério, que pode ser legal, mas está longe de ser ético.
Depois, com os casos mais mediáticos emperrados por requerimentos e mais requerimentos das defesas – além de juízes que invocam incompatibilidades ‘a torto e a direito’ –, a credibilidade da Justiça está de rastos, e multiplicam-se as ‘golas de fumo’ – no sentido objetivo e figurado –, que desacreditam a magistratura.
A propósito das ‘golas’, o país voltou a arder. Embora sem as consequências funestas de Pedrógão, a área devastada é muito superior.
Curiosamente, o mesmo primeiro-ministro, que deixou à vista a inépcia do Estado, até para proteger o património florestal à sua guarda – como se viu no secular Pinhal de Leiria –, lembrou-se agora dos «problemas estruturais» e da «mãozinha humana» para se desresponsabilizar e ao Governo, pelo imobilismo verificado no ordenamento do território.
Costa conta, é claro, com uma opinião pública amorfa e entorpecida, pelas férias e pela enxurrada de diretos que as televisões debitam sobre os incêndios, de uma forma não inocente, subalternizando outros temas importantes, que ficam fora dos alinhamentos.
Assim se presta um serviço ao Governo, exímio na arte de ‘sacudir a água do capote’. De uma forma mais subtil do que Sócrates, Costa soube levar ‘a água ao seu moinho’ e tem obediências fiéis ‘plantadas’ nos principais media.
Do mesmo modo que as lágrimas da ex-ministra Constança Urbano de Sousa, não apagaram o retrato cru da sua incompetência durante os trágicos incêndios de Pedrógão Grande, também o seu sucessor na pasta, Eduardo Cabrita, imitou-a em pior, deixando ‘em roda livre’ o SEF, o motorista do seu carro oficial e, até, a negociata das famigeradas ‘golas de fumo’, ocorrida no perímetro de gente que lhe era próxima.
Com a demora de três anos, o Ministério Público formulou, finalmente, uma acusação, sobre esse deplorável episódio das ‘golas’ de proteção (afinal, inflamáveis…), envolvendo o ex-secretário de Estado, José Artur Neves, e o antigo presidente da ANEPC, general Mourato Nunes, em parceria com mais de uma dezena de arguidos.
Cabrita ficou tristemente conhecido pela sua espantosa miopia política, que não o deixava ver sequer os problemas e os ‘arranjos’ que se passavam debaixo do seu nariz.
O atual ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, terá muito que penar para pôr a casa em ordem, tantas são as trapalhadas que herdou.
Em contrapartida, haja o que houver, seremos sempre os «melhores do mundo», mesmo se falhámos na pandemia, nos «problemas estruturais», no combate à corrupção, no ordenamento da floresta, na TAP, no novo aeroporto, na CP, na Saúde, na Educação ou na Justiça.
O estado da Nação é revelador da infantilização a que chegámos, incapazes de sair da ‘liga dos últimos’, pastoreados na cauda da Europa desenvolvida. Outros recém-chegados, bem mais pobres do que nós, já nos passaram à frente…