Jonas Vingegaard confirmou ontem sem surpresa a vitória na Volta a França, em Paris. O primeiro a cortar a meta na cidade-luz, após um sprint de cortar a respiração, foi o belga Jasper Philipson, da Deceuninck, que cumpriu os 115 quilómetros da 21.ª e última etapa em 2h58m32s. Vingegaard chegaria 51 segundos depois, abraçado aos seus colegas da Jumbo-Visma, numa formação compacta que ocupava toda a largura da estrada. Desta vez, no final da etapa, o ciclista dinamarquês de 25 anos não teve de ligar à namorada e à filha. Ambas estavam à sua espera nos Campos Elíseos.
“É algo muito grande para mim, é incrível”, discursou o vencedor, com a filha ao colo. Já depois devolver a inquieta criança à mãe, sublinhou o facto de a prova ter começado na capital do seu país, Copenhaga, onde as bicicletas são aliás gozam de uma enorme popularidade. “Finalmente conseguimos”, congratulou-se. “O meu maior obrigado é para a minhas duas miúdas”.
O segundo na classificação geral desta 109.ª Volta a França, a 2m43s, foi o esloveno Tadej Pogacar, da Emirates. Vingegaard e Pogacar, que já no ano passado tinham ocupado os dois primeiros lugares, mas em ordem inversa, dominaram a prova por completo, mantendo sempre uma distância confortável para a concorrência. A fechar o pódio, a mais de sete minutos, ficou o britânico Geraint Thomas, da Ineos Grenadiers.
O único português na competição – depois do abandono de Ruben Guerreiro, por lesão após duas quedas –, foi Nelson Oliveira, da Movistar, na 52.ª posição, a 2h 57m 39s do líder.
Na véspera da chegada a Paris, Vingegaard falou sobre doping – um fantasma cuja sombra, depois de vários escândalos, paira teimosamente sobre o ciclismo de alta competição: “Estamos totalmente limpos, todos”, garantiu. “Nenhum de nós está a tomar coisas ilegais. Creio que somos tão bons pela preparação que temos. Levamos os estágios em altitude para outros níveis e tudo o resto. Os materiais, a comida, o treino. Creio que a equipa é a melhor. É por isso que têm de confiar em nós”, disse o dinamarquês. Já o seu colega de equipa, que também deu nas vistas, Wout Van Aert, foi menos justificativo: “Essa é uma pergunta de merda”, disparou.
Uma rivalidade saudável
Se na Volta a França do ano passado Vingegaard perdeu para Pogacar, a superioridade do esloveno não parece ter-lhe deixado mágoa ou rancor. Já com a prova deste ano muito avançada, na 18.ª etapa, Vingegaard deu um extraordinário exemplo de desportivismo. Face a uma queda do rival, em vez de aproveitar para se distanciar, o dinamarquês ficou à espera de Pogacar e encorajou-o. Quando este o alcançou, trocaram um cumprimento. Mesmo assim, venceu a etapa. “Temos uma boa relação, não nos encontramos fora das corridas, mas respeitamo-nos, é um grande tipo e um dos melhores ciclistas do mundo”, disse Vingegaard sobre o adversário.
Após o segundo lugar obtido no contrarrelógio da etapa seguinte, a 19.ª, a confirmação da vitória no Tour era quase uma mera formalidade. E o ciclista já a dava como adquirida. “É difícil para mim descrevê-lo em palavras. É a maior vitória no ciclismo. E nós conseguimos”, declarou emocionado.
Na ocasião revelou também que a segunda posição na geral em 2021 lhe havia dado a convicção de que este feito era possível. Ainda assim, e mesmo bem posicionado para ganhar, sabia também que pode haver surpresas. “Claro que acho que todos estávamos a pensar no que aconteceu há dois anos. Não diria que estava com medo disso, mas, pelo menos, estava nas nossas cabeças”, disse, recordando a prova de 2020, em que o esloveno Primoz Roglic perdeu a camisola amarela para Pogacar na penúltima etapa, no que foi um balde de água fria tremendo.
A prova deste ano ficou ainda marcada pelas desistências provocadas pela covid-19 – que dizimaram, nomeadamente, a equipa da Emirates – e pelas temperaturas extremas:_o pelotão chegou a pedalar sob uns escaldantes 40oC e as autoridades regionais tiveram de arrefecer o alcatrão da pista com recurso a 10 mil litros de água.
Um ciclista na fábrica de peixe
Nascido a 10 de dezembro de 1996 em Hillerslev, Dinamarca, Jonas Vingegaard começou cedo a sentar-se no selim, mas durante a adolescência pensou desistir. Pacato e pouco competitivo, era habitual perder as corridas para outros e o ciclismo profissional de não era de modo algum uma escolha evidente. Numa entrevista a um canal alemão contou que trabalhou num mercado e numa fábrica de peixe: “Terminei a escola em 2016 e fui logo trabalhar. Primeiro fui para um mercado de peixe, trabalhei lá quase um ano. Depois tive uma lesão, fiquei sem fazer nada uns tempos e quando recuperei fui para uma fábrica de peixe”.
Foi o segundo dinamarquês a vencer o Tour, depois de Bjarne Riis em 1996. A_próxima grande prova da modalidade é a Volta a Espanha, que decorre de 19 de agosto a 11 de setembro. João Almeida, uma das promessas do ciclismo nacional, da Deuceninck, vai participar pela primeira vez. Quanto a Pogacar, um dos favoritos, ainda não é certo até que ponto sai desta Volta a França em condições de voltar a disputar uma prova tão exigente daqui a menos de um mês.