Estima-se que a população mundial tenha atingido mil milhões de pessoas em 1804, duplicando esse valor mais de cem anos depois, em 1927. Os três mil milhões foram alcançados em 1960, apenas 33 anos passados, e os quatro mil milhões cerca de 15 anos volvidos, culpa do denominado ‘baby boom’. Seguiram-se os cinco mil milhões em 1987, os seis mil milhões em 1999 (apenas mais 12 anos) e os sete mil milhões em 2011 (novamente uma dúzia de anos depois). Agora, estima-se que a barreira dos oito mil milhões será quebrada a 15 de novembro de 2022, segundo dados das Nações Unidas. Significa isto que, se a população mundial viu um crescimento exponencial nas décadas de 60 e 70, o ritmo acabou por abrandar’ e instalar-se em períodos de entre 10 a 12 anos desde que a barreira dos cinco mil milhões foi quebrada em 1987.
Ou seja, estamos a aproximar-nos de uma curva a ‘achatar-se’, sendo que as previsões das Nações Unidas, publicadas no passado Dia Mundial da População, preveem que o número de habitantes no planeta Terra chegará aos 8,5 mil milhões em 2030, aos 9,7 mil milhões em 2050 e na década dos 2080 atingirá o seu pico, nos 10,4 mil milhões de pessoas, onde deverá manter-se até 2100. Dados que, alertam as Nações Unidas, significam que a taxa de crescimento da população mundial se encontra, pela primeira vez desde a década de 1950, abaixo de 1%. Mas, afinal, o que significa esta ‘desaceleração’ no crescimento da população mundial e que efeitos poderá ter?
contradições Os dados publicados pelas Nações Unidas distaram no tempo apenas uma semana do tweet de Elon Musk, o homem por trás da gigante automóvel Tesla, que, após o nascimento dos seus filhos gémeos em julho deste ano, partiu para as redes sociais argumentando que “uma taxa de natalidade em colapso é, de longe, o maior perigo que a civilização enfrenta”. É certo que as taxas de fecundidade globais (número médio de filhos por mulher) estão a diminuir, mas o relatório das Nações Unidas sobre a população mundial mostra que, pelo menos ao longo deste século, uma reversão no crescimento global não é previsível.
O mesmo relatório revela vários interessantes detalhes, como o facto de a expectativa de vida ao nascer para as mulheres ter excedido a dos homens em 5,4 anos em todo o mundo, com a expectativa de vida masculina e feminina a situarem-se em 68,4 e 73,8 anos, respetivamente. Uma vantagem de sobrevivência feminina é observada em todas as regiões e países, variando de 7 anos na América Latina e no Caribe a 2,9 anos na Austrália e Nova Zelândia.
Um dado que a demógrafa Maria João Valente Rosa escolhe para explicar, em parte, o porquê de se terem registado taxas de crescimento contínuo na população mundial nas últimas décadas. “A mortalidade diminuiu, não só nos países mais desenvolvidos mas à escala mundial. Foram diminuições muito significativas, embora as desigualdades em termos territoriais continuem a existir de forma marcada, mas diminuíram”, começa por explicar ao i a docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. “O facto de diminuir a mortalidade significa que mais gente sobrevive à morte, portanto mais gente existe. Mas não é só isto. Por outro lado, a diminuição da mortalidade não se fez acompanhar de forma equivalente por uma diminuição da natalidade. Ou seja, as taxas da natalidade mantiveram-se, durante algum tempo, muito mais altas que as da mortalidade. Por isso, a mortalidade baixou, a natalidade não diminuiu da mesma forma e então o tal saldo natural começou a ser positivo e cada vez mais positivo”, continua Maria João Valente Rosa, questionando: “Agora, e se a população começar a baixar a fecundidade?”
“De facto, a fecundidade está também a diminuir no mundo. Temos um índice de fecundidade que, para simplificar, lhe chamam o índice do número médio de filhos por mulher, que anda por volta dos 2,3 no mundo. Para todos os efeitos, tem vindo a baixar, porque no início dos anos 1950 era de 4 ou 5 filhos por mulher, o que é muito. Porém, o que se passa é que, apesar de a fecundidade baixar, os nascimentos são função de duas coisas: da fecundidade e do número de mulheres nas idades férteis”, responde a própria docente, pegando nos dados do relatório das Nações Unidas sobre a sobrevivência das mulheres em idade fértil. “Mesmo que a fecundidade diminua, como há cada vez mais mulheres a chegar às idades férteis… O grande fator de continuação de aumento da população mundial é o que chamam de ‘momentum’, ou seja, o facto de termos cada vez mais mulheres no período fértil. Mesmo que a sua fecundidade seja inferior à das suas mães, elas [as mulheres em idade fértil] são mais do que as suas mães, porque sobreviveram à mortalidade e porque nasceram em períodos de elevada fecundidade. São muitas mulheres, e isso significa que os nascimentos vão continuar a ser muitos”, explica a demógrafa.
Pelo mundo, é sabido que a África Subsariana é a região que tem visto as maiores taxas de crescimento da população nos últimos anos, e dados da Statista comprovam isso mesmo: segundo esta plataforma, o Sudão do Sul foi o país que mais cresceu em 2021, com uma taxa de crescimento de 5,05%. Seguem-se o Burundi, com 3,68%, o Níger, com 3,65% e Angola, com 3,38%.
crianças em abundância Segundo o relatório das Nações Unidas, a taxa de fecundidade global em 2021 situou-se nos 2,3 filhos por mulher. Um número substancialmente mais baixo do que o que foi registado em 1950, quando a taxa era de cerca de 5 filhos por mulher. Espera-se, também, que essa mesma taxa venha a descer para 2,1 filhos por mulher até 2050.
Maria João Valente Rosa passa, então, a debruçar-se sobre as diferenças em termos de crescimento populacional por todo o mundo e os nascimentos de crianças, sendo que, tal como o próprio relatório das Nações Unidas explica, não é algo homogéneo nas diferentes regiões do mundo. “Acontece que, quando olhamos para o mundo, isto não está igualmente repartido. As regiões que mais se espera que venham a crescer são as regiões menos desenvolvidas. Não são as ‘less’, mas são as ‘least’, mesmo as que estão muito pouco desenvolvidas. São essas que se espera que venham a ter um grande aumento, em virtude de, por um lado, os níveis de fecundidade serem mais elevados do que a média global – quanto menos desenvolvida uma população, maiores são os níveis de fecundidade. Por outro lado, também reconhecendo alguma redução da mortalidade”, explica a demógrafa, concluindo que tal, em termos mundiais, “vai traduzir-se em imensas crianças”. “Nós não temos falta de crianças. Mas onde vão estas crianças nascer mais? Cada vez mais nos ‘least’. E onde vão nascer cada vez menos é nos países desenvolvidos. Há aqui um redesenho dos sítios onde se nasce mais ou menos”, continua, realçando dados já presentes no relatório das Nações Unidas, que refere que os locais onde se registaram taxas de fecundidade altas o suficiente para manter um crescimento positivo se situam na África Subsariana (4,6 filhos por mulher), a Oceânia (excluindo a Austrália e a Nova Zelândia, com uma taxa de 3,1 filhos por mulher), o Norte de África e a Ásia Ocidental (2,8) e a Áfrical Central e Sul (2,3). Aliás, significa isto que na África Subsariana, a taxa de fecundidade é cerca de três vezes mais alta do que na Europa e na América do Norte, onde se situa nos 1,5 filhos por mulher.
Uma das conclusões deste relatório das Nações Unidas, no entanto, revela também que “em 2050, o número de pessoas com 65 anos ou mais em todo o mundo deverá ser superior a duas vezes o número de crianças com menos de 5 anos, e aproximadamente o mesmo que o número de crianças com menos de 12 anos de idade”.
crescimento por geografia O mundo, estimam as Nações Unidas, vai atingir o seu pico de população mundial nos meados de 2080… Mas onde estão os grandes centros de crescimento global? As taxas de natalidade na Europa e na América do Norte têm vindo a decrescer desde que atingiram o seu pico, nestas regiões, nos anos 60, mas não é por isso que o crescimento global diminuiu. Isto porque noutras partes do globo cada vez mais os países estão a atingir recordes de população. Tenha-se em conta, por exemplo, a Nigéria, que, em 2020, contava cerca de 206 milhões de habitantes. Isto quando, em 1960, esse número era apenas de 45 milhões. Significa isto um aumento de 4.58 vezes. Um número muito mais alto do que aquele registado, por exemplo, nos Estados Unidos da América, onde entre 1960 e 2020 a população aumentou em apenas 1,82 vezes.
O próprio relatório das Nações Unidas dá conta disso: em 2022, as duas regiões mais populosas do mundo estavam ambas localizadas no continente asiático – Ásia Oriental e Sudeste Asiático, com 2,3 mil milhões de pessoas (29% da população global) e Ásia Central e do Sul, com 2,1 mil milhões (26%). China e Índia, com mais de 1.4 mil milhões de habitantes cada, formam a maior parte da população nessas duas regiões.
A China continua a ser o país com a maior população do mundo. No entanto, segundo os dados deste relatório, estima-se que a Índia venha, ainda em 2023, a destronar os chineses neste ‘campeonato’.
Mais, prevê-se que mais da metade do aumento projetado da população global até 2050 estará concentrado em apenas oito países: República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Tanzânia.
“Já Malthus, que viveu em finais do século XVIII, em que ainda nem tínhamos atingido o tal milhar de milhão de pessoas, alertou para o facto de que a população, se não fosse controlada, deixaria de ter recursos suficientes. Portanto isto já tem uma longa história”, comenta Maria João Valente Rosa, alertando para os efeitos na sociedade do crescimento da população mundial. “A questão que se coloca sempre é saber até que ponto o planeta Terra consegue aguentar este número de pessoas crescente, que todos os anos entra na equação populacional. Na realidade, um dos impactos que começa a ser mais preocupante, assumindo que os recursos são finitos, tem a ver precisamente com isso. Eu acho que a questão ambiental deve ser aqui puxada para o debate”, continua a demógrafa, questionando de seguida: “Mas afinal, então se a população atingir um pico, que efeito é que isso terá?”
“É uma menor pressão sobre o planeta globalmente”, responde a própria, alertando: “Ao mesmo tempo, não é uma solução imediata, porque depende da gente e do tipo de consumo. Se toda a gente tiver o estilo de vida e os consumos dos norte-americanos ou mesmo dos europeus, o planeta já teria estoirado”. “Os efeitos da população deixar de crescer podem ser de menor pressão em termos globais, bem como uma menor pressão sobre o ambiente. Pode ter esses efeitos, que são desejáveis, mas dependem muito de políticas que tenhamos e que comecemos a desenvolver agora. Políticas inteligentes para tornar certas práticas sustentáveis, nomeadamente de preservação da biodiversidade, porque se vamos escalar o que hoje existe para a população que vai existir no futuro, os danos são gravíssimos sobre o ambiente”, conclui a docente da FCSH.
Desenho geográfico À conversa com o i esteve também Ana Alexandre Fernandes, docente de Sociologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa. Sobre os efeitos que poderá ter a ‘estagnação’ da população mundial, e uma eventual redução, já depois de atingir o tal pico dos 10,4 mil milhões de pessoas, a demógrafa alerta que “uma população que não cresce envelhece e poderá, a longo prazo, caminhar para a extinção”. “Este seria um exercício meramente teórico mas possível. Aconteceu com o Império Romano, caiu por dentro por falta de “romanos” porque não se reproduziam. É também uma preocupação da velha Europa que está muito envelhecida e precisa de populações migrantes”, continua a docente.
Ainda sobre o assunto, mas no que toca às ‘mudanças’ no tabuleiro económico mundial que trouxe o maior crescimento populacional em locais do mundo como o Sudeste Asiático ou a África Subsariana, Ana Fernandes considera que a vitalidade demográfica explica grande parte das alterações económicas e políticas, ainda que não explique tudo”.
“Estas populações adquiriram hábitos de consumo e estilos de vida que mobilizam e transferem os “interesses” económicos mundiais. O custo da energia está também em parte relacionado com o crescimento nos países terceiros que até ao início deste século não consumiam e não usavam sequer o transporte privado”, continua a docente do ISCSP, alertando também para um outro eventual efeito nefasto do crescimento populacional. “Ao longo da história, os crescimentos populacionais explicaram a emergência de conflitos armados e guerras. Estamos com quase 8 mil milhões e com concentrações populacionais brutais como acontece na Nigéria, por exemplo. Lagos (capital da Nigéria) é já uma das cidades mais inseguras do mundo e esta zona tem sido alvo de conflitos armados”, avisa.