Ricardo Pereira: “A observação é uma das coisas que nos leva a fazer melhores escolhas”

É Danilo em ‘Cara e Coragem’, o vilão da novela que acaba de estrear na Globo Portugal, e responde por Paulo na série ‘A Generala’, que chega ao ecrã da SIC generalista depois de ter sido transmitida na OPTO, e no filme ‘Revolta’, nas salas de cinema desde junho. A moda deu-lhe mundo e independência…

Não estava previsto começar com esta pergunta, mas entretanto partilharam nas redes sociais, no domingo (17 de julho), a novidade relacionada com a renovação dos votos de casamento [do Ricardo e da Francisca Pereira]. Desta vez foi a Francisca que o ‘pediu’ em casamento. Foi mesmo apanhado de surpresa? Era suposto ser só um domingo normal de passeio? É engraçado porque eu fui gravar e tinha uma série de amigos, colegas da novela que estou a fazer agora na Globo, Cara e Coragem, que me perguntaram exatamente isso: se a Francisca me tinha preparado aquela surpresa, de irmos ao Cristo [Redentor] para me pedir para renovarmos os votos. A verdade é que o dia 17 de julho foi o dia do nosso casamento, há 12 anos, e nós celebramos sempre as datas que são especiais, às vezes é só estarmos e partilharmos o dia juntos e relembrarmos o dia do nosso casamento e a nossa trajetória. A Francisca até tinha ido passar uns dias a Portugal, eu não consegui porque estava a gravar, e disse-lhe: «Vem passar este dia especial aqui ao Rio». Disse-lhe que íamos subir ao Cristo, portanto até fui eu que organizei a ida – por ser um lugar de que nós gostamos muito e por ter uma vista incrível sobre a cidade do Rio de Janeiro. Só que ela foi mais ‘ninja’, trouxe umas novas alianças e fez-me o pedido de casamento. Há 13 anos fiz o pedido de casamento numa praia na Ericeira e, 13 anos depois, ela decidiu renovar os votos com este pedido simbólico, até porque nós somos muito ligados ao número 13, tem muito a ver com a nossa história de vida e é um número de que nós gostamos muito. E aconteceu num lugar mágico como é o Cristo. Se tudo correr bem será um momento giro para nós celebrarmos a vida no ano que vem.

Tal como o Cristo Redentor também o Rio de Janeiro o recebeu de braços abertos em 2004? O Brasil faz parte da nossa história. Eu vim há muitos anos, antes mesmo de namorar com a Francisca, e, além disso, tem tudo a ver comigo, com ela, com a nossa vida, com os nossos filhos. Os nossos três filhos nasceram aqui. E o Cristo é muito simbólico em relação a tudo: à nossa história de vida, ao nosso relacionamento, ao nosso casamento, à nossa vida no Brasil, no Rio de Janeiro.

Falou do número 13 ser especial. Isso significa que não é dado a superstições? Não, o meu pai sempre me disse uma coisa gira que eu levo para a vida: «Não sou supersticioso porque dá azar» [risos]. É uma brincadeira, mas o número 13 já vem do meu avô. É um número de que o meu avô gostava muito. O meu pai jogou basquetebol durante muitos anos e era o número que usava. Há muitos 13 cá em casa: em camisolas, colares… É um número que me guia, guio-me muito pelos números 13 que vejo ao meu redor nas coisas mais estranhas da vida, seja uma matrícula de um carro, o número de uma porta, uma data, seja a soma de alguns números. O 13 tem-me acompanhado ao longo da vida e é um número de que gosto muito.

Em 2004 aterrou no Brasil para se tornar o primeiro protagonista estrangeiro numa novela da Globo. Apesar de continuar a ser um país conhecido pelos seus perigos e insegurança, era possível imaginar que passadas duas décadas fosse o sítio onde constituiu família? Quando vim fazer a novela [Como Uma Onda], em 2004, houve um grande impacto artístico – pelo elenco e pela razão óbvia de a Globo, em tantos anos de teledramaturgia, escrever uma história em que pela primeira vez o protagonista não era brasileiro. Gerou-se uma grande curiosidade também na imprensa: Quem era esta pessoa que vinha? E o elenco tinha muita gente de uma nova geração que estava a aparecer nesse momento: a Alinne Moraes, o Cauã Reymond, a Sheron Menezzes, o Henri Castelli. A juntar aos pesos pesados de atores consagrados como o Hugo Carvana, a Denise Del Vecchio, o Herson Capri, a Maria Fernanda Cândido… Quando vim, achei que vinha passar um tempo, fazer o meu período de novela, mas transformou-se numa bonita história pessoal e profissional ao longo dos anos. Os projetos foram sempre surgindo, entre novelas, cinema, séries, programas de televisão que apresentei. E, ao mesmo tempo, comecei a namorar com a Francisca, durante umas férias em Portugal. E viemos morar juntos para o Brasil, que também passou a ser a nossa casa. Um lugar que nos acolheu, pessoal e profissionalmente, maravilhosamente bem. Um lugar onde eu tenho experimentado, na minha carreira de ator, desafios tremendos, com grande impacto na história da dramaturgia do Brasil e isso, naturalmente, faz com que eu cresça profissionalmente. Pessoalmente, um lugar onde eu e a Francisca e os nossos três filhos temos sido muito felizes também. Vim em 2003, há quase 20 anos. Se pensarmos que eu tenho 42 anos, a minha fase adulta vivi-a quase toda no Brasil. E sempre, graças a Deus, não pensando muito em situações más que pudessem acontecer. Sinto-me completamente em casa e também já criámos laços de afetividade com amigos que se tornaram família.

Acho que vou referir precisamente um desses nomes. A atriz Taís Araújo esteve em Portugal há dias e disse sobre si: «Hoje o Ricardo é escalado para as novelas sem se pensar que não é brasileiro. Ele é ator e ponto final». Também a Noémia Costa revelou recentemente que vai integrar o próximo projeto da Globo e disse ter sido indicada para o papel por si. E nesta sequência, a atriz portuguesa adiantou: «Existem bons colegas, mas têm de ser acima de tudo bons seres humanos». Duas declarações que também o definem enquanto profissional e pessoa. Fica com a sensação de que tem cumprido a sua missão ao longo dos anos? Sempre me esforcei muito na minha carreira – e há muito tempo que ela passa pelo Brasil -, mas mesmo tendo a base no Brasil há muitos anos, continuo com uma carreira muito ativa em Portugal e noutros países. Hoje o mundo também se aproximou e, na nossa área, podemos fazer projetos em todo o lado, com atores portugueses, brasileiros, americanos, ingleses… Nós vemos atores em vários projetos, em vários países, falados em várias línguas e há pessoas que têm mais esse desejo de experimentar novos desafios, de irem para outros lugares, experimentar trabalhar com pessoas diferentes… e eu tenho isso no meu sangue, vem desde sempre. Eu comecei a trabalhar em moda muito cedo e a moda levou-me a morar em vários países.

Passou por oito países?! Exatamente. Na moda eu percebi a vontade que tinha de conhecer novas culturas, trabalhar em diferentes lugares, com pessoas diferentes, com cabeças diferentes e ter essa possibilidade, de aprender e evoluir, por ter esse mundo, por partilhar e viver experiências diferentes… isso está dentro de mim desde muito cedo, é aquilo que me guia. Faz-me procurar vários desafios na minha vida de ator. Eu tenho trabalhado em Espanha, na Holanda, França, Colômbia… Esses lugares levam-me a ficar fascinado: a experiência de eu ser dirigido por um realizador de uma nacionalidade diferente, com uma cabeça diferente, com uma experiência e mundo diferentes… Acho que isso só me engrandece e me faz crescer enquanto artista, enquanto ator. O que a Taís [Araújo] disse faz parte do meu crescimento aqui no Brasil. A partir do momento em que decidi que queria apostar, solidificar e experimentar uma carreira mais duradoura no Brasil, na altura para mim fez todo o sentido contratar e trabalhar de perto com uma fonoaudióloga, alguém que me ajudasse a aperfeiçoar o português do Brasil, de modo a abrir o leque de possibilidades, para ser escolhido, ou ser uma possível escolha, para trabalhar, fosse numa série, num filme, no teatro, ou num projeto televisivo. O que a Taís diz é verídico. Hoje, quando me escolhem para um projeto, não me veem como um português. Se for preciso fazer um português sabem que sei fazê-lo, se for preciso fazer um brasileiro sabem que eu também sou capaz de fazer. Em relação à Noémia [Costa] e a outras pessoas com quem me tenho cruzado ao longo da minha vida, quer no Brasil, quer em Portugal ou até mesmo noutros lugares, eu acho que nós temos que estar sempre atentos e, na medida do possível, sermos parceiros e ajudarmo-nos uns aos outros. Não se trata apenas de indicarmos alguém para um trabalho ou de darmos uma opinião. Às vezes estou a ler um livro e penso: ‘Este livro dava um filme’. E ligo a um amigo meu, que é realizador, e digo: «Vou oferecer-te um livro. Está aqui». Muita coisa já aconteceu a partir daí… Obviamente que hoje, devido ao meu conhecimento e experiência no mercado brasileiro e português – em Portugal trabalhei nos três canais e aqui, no Brasil, além de trabalhar há muitos anos na Globo tive também uma experiência na Record e em muitas produtoras de cinema -, muitas vezes as pessoas vêm pedir a minha opinião e eu dou com o maior dos prazeres. Quem me conhece sabe que eu gosto de juntar pessoas e faço-o no meu dia-a-dia. Gosto quando pessoas que têm a ver uma com a outra e não se conhecem se juntam e dali nasce algo. Acho que é isso também que me dá muita satisfação e me guia na vida.

Ainda antes da representação, a moda levou-o a deixar Portugal cedo. Sempre foi muito independente desde criança? Penso que nunca fui muito à frente do tempo, nem na minha infância nem na adolescência, sempre fui muito tranquilo. Depois, o facto de ter começado a viajar talvez me tenha levado a acelerar um bocadinho a minha velocidade de pensamento, de trabalho, de tentar estar por dentro dos assuntos… Fez-me ser cada vez mais curioso, com mais vontade de descobrir coisas novas, de procurar conhecimento, fosse em palestras, livros, contacto com pessoas… Sempre fui uma pessoa muito de rua, para mim a rua faz-nos crescer e evoluir muito. E o contacto com pessoas e realidades diferentes faz-nos ter o pé no chão e, ao mesmo tempo, perceber o que é que é, de facto, a vida e isso procurei desde criança. Quando comecei a viajar tornei-me muito mais observador e curioso. Quando era mais novo, e mesmo na adolescência, ainda estava muito nas asas dos meus pais – que foram grandes companheiros e amigos, aliás são-no até hoje. Os meus pais sempre me quiseram ensinar e explicar tudo desde que eu era muito novo e eu guardava cada ensinamento mas, ao mesmo tempo, sabia e sentia que estava protegido. Depois quis seguir para o mundo, desde cedo, tinha uns 15 anos. Acertando e errando, como todos fazemos. Acho que o erro faz parte do nosso processo de crescimento, de aprendizagem, é importante passarmos por isso e, aí sim, dos 14 para os 15 anos comecei a ser muito independente. Tive uma conversa franca com os meus pais e disse-lhes: «Quero experimentar trabalhar em moda, quero conhecer outros lugares, quero viver essa independência de uma forma total. Não quero ser independente para passados 15 dias dizer que preciso de ajuda, não. Quero ser independente, mas consciente do que isso acarreta».

Aconteceu ter que voltar a casa dos pais? Não, não, não… Mas estariam lá – e estão lá – prontos para me dar a mão e abraçar-me. Têm sido incansáveis e ao mesmo tempo que eu ia aprendendo, evoluindo, crescendo e trazia novas experiências, partilhava sempre com eles. Trouxe-os muito para o meu dia-a-dia, para as descobertas que fui fazendo. Essa relação que nós temos, de companheirismo, de amizade e de troca constante faz com que a nossa relação seja maravilhosa. E mais: é mesmo aquele sentimento de pertença na vida uns dos outros, algo que não ficou lá atrás. Aquela coisa de ‘agora vou para o mundo e os meus pais ficaram lá’… não. Os meus pais fazem parte do meu dia-a-dia de uma forma muito intensa até hoje e eu faço questão de que assim seja e eles também.

Conseguem falar diariamente apesar da diferença horária? Sim, todos os dias. O meu pai sempre disse uma frase que eu levo para a minha vida: «Liberdade com responsabilidade». Nós, quando gostamos de ir à descoberta e quando somos jovens, temos aquela ideia de que estamos preparados para tudo e que estamos prontos para desbravar o mundo, mas o mundo é enorme e repleto de questões e de coisas que não conhecemos. À medida que vamos avançando na idade temos maturidade e vamos ganhando estofo para encarar determinado tipo de situações mas, quando somos jovens, há coisas que nos batem de uma forma muito crua. Então, essa liberdade com responsabilidade fez-me subir e caminhar nas escadas da vida de uma forma muito ponderada, calma, não dando passos maiores do que a perna, sabendo que subir três degraus de uma vez pode significar descer seis no momento a seguir. Entendi que essa liberdade com responsabilidade significava que tinha que assumir as consequências boas e más das decisões que tomava e do caminho que escolhia – acho que isso me fez ganhar maturidade mais rapidamente. Quando começas a abrandar para ser mais ponderado, isso faz-te crescer, estar mais atento ao que os outros te dizem, aos ensinamentos que os outros, pela sua experiência e pela sua idade, têm e, acima de tudo, a ser mais observador. A observação é uma das coisas que nos leva a fazer melhores escolhas.

Sempre se definiu como uma pessoa responsável e bem-comportada, mesmo quando era mais jovem. Isso permitiu também que não se deslumbrasse nalguns momentos, por exemplo quando chegou ao Rio com 22/23 anos? Sim, sem dúvida. Foi isso e a educação. Hoje, como pai, vejo isso, os filhos são muito o espelho daquilo que os pais são ou do que os pais foram. Acho que o bom exemplo, a educação que eu tive e a forma como os meus pais me ensinaram o que era a vida, foi fundamental para eu seguir um rumo, seja ele qual for. Não sou uma pessoa nada crítica em relação às escolhas que as pessoas fazem nas suas vidas e aos filhos, cada um tem que ser completamente livre de escolher e de optar pelo seu caminho, respeito todas as formas de vida porque sem dúvida que todas são válidas, todas elas têm um propósito e todas, acima de tudo, têm que dar prazer e satisfação à pessoa que fez a escolha. Eu encontrei o meu caminho que é também o espelho daquilo que o meu pai e a minha mãe me passaram, os valores que a minha família tinha. Há coisas com que te identificas mais e outras com que te identificas menos, a vida depois também te faz chegar a outro tipo de visões, de perspetivas e experiências e, assim, aproveitando umas e mandando outras fora, nos vamos moldando como indivíduos. Eu não acredito que haja rumos nem caminhos 100% certos, nem sei se isso será algum dia uma coisa boa.

Ter sido filho único ajudou a que ambicionasse ter uma família numerosa? Os meus pais sempre quiseram ter um segundo filho, só que eu tenho muitos primos direitos, tanto do lado do meu pai como do lado da minha mãe. Quando digo muitos são muitos mesmo! Hoje já têm todos filhos, portanto quando nos juntamos todos, é muita gente… Passamos a vida a fazer encontros e é sempre um grupo enorme, é uma família muito grande. Reuníamo-nos em casa dos meus avós, em Lamego; nas férias, na Ericeira, e em vários outros lugares. O que acontece é que os meus pais foram adiando e acabaram por não ter um segundo filho. Mas sempre tive uma casa cheia com primos e com os filhos dos amigos dos meus pais. Termos uma família grande foi sempre um desejo, meu e da Francisca. Hoje somos cinco e somos completamente apaixonados uns pelos outros, passamos a vida grudados uns nos outros. É uma beleza e é, como eu costumo dizer, a viagem mais bonita das nossas vidas. Vermos os nossos filhos crescer e estarmos ao lado deles, aprendermos com eles, vivermos as experiências deles… tem sido assim uma jornada simplesmente maravilhosa.

É conhecido por estar sempre disponível para os outros, pela simpatia e pelo seu sorriso. Queria perguntar-lhe o que é que lhe tira o sorriso? Ou o que é que é capaz de o deixar com o sorriso mais amarelo? A maioria das pessoas caracteriza-me por eu estar permanentemente com um sorriso no rosto. Tem a ver comigo, sempre fui assim, serei sempre assim. Até mesmo nos problemas, prefiro enfrentá-los com um sorriso. A leveza que temos perante as coisas – e nem sempre são boas – dá-nos uma capacidade maior para ultrapassar os problemas e as adversidades que a vida nos coloca. Todos temos. O meu sorriso, às vezes, pode até nem deixar passar ou transparecer que posso estar triste ou magoado com alguma coisa, mas eu gosto de ter uma atitude positiva perante a vida. Gosto de encarar a vida com um sorriso. É mais fácil para encarar as coisas boas, mas também as coisas más.

O sorriso ajudou-o mais vezes a fugir dos problemas ou, por outro lado, também os criou? As duas coisas! Por um lado, ajuda a salvar-me de situações que eu não quero acreditar que estão a acontecer, mas se as levares de uma forma mais alegre é mais fácil saíres de algumas saias justas e, por outro lado, também pode dar alguns problemas porque as pessoas podem achar que eu estou mais contente numa situação que, se calhar, não é para estar tão contente, mas é uma forma de trazer alguma energia positiva àquele momento e de ajudar aquele momento a ser ultrapassado o mais rapidamente possível. O que me tira o sorriso é a hipocrisia: algo que nós sabemos que não é e alguém nos está a fazer acreditar que é, isso desgasta-me bastante. Eu gosto da frontalidade, gosto muito de esclarecer as coisas, não gosto de viver na mentira. Se nós estamos aqui a viver e a ter esta oportunidade, e são diferentes as formas que cada um tem de estar na vida, vamos tentar aproveitar, tendo em conta as circunstâncias de cada um, mas vamos tentar aproveitar a vida da melhor forma. Mais vale esclarecer as coisas, resolver, admitir os erros. Admitir um erro é importante, nós todos erramos. Não gosto da falsidade, da hipocrisia, daquilo que parece, mas na verdade não é.

Não tem problemas em fazer um pedido de desculpas quando sente que deve? A qualquer pessoa! Não sou uma pessoa minimamente orgulhosa nisso. Todos temos um caminho. Não acredito na perfeição das coisas, acredito no caminho do prazer, é importante ter prazer, alegria em tudo o que fazemos; se não temos alguma coisa está errada. Não sou de guardar rancores nem mágoas, prefiro esclarecer as coisas e pedir desculpa se estiver errado.

Estreou-se no Teatro em 2000, fez novelas, cinema, séries. Foi distinguido em várias ocasiões pelos papéis que desemprenhou. Fora de cena, já sentiu a necessidade de ter que representar em algum momento na vida? Não, não. Eu respeito muito os lugares onde somos atores, onde somos artistas, seja num set de filmagens ou num palco. No meu dia-a-dia sou o Ricardo e sou o Ricardo em qualquer circunstância. As pessoas que vêm ter comigo e me encontram, os meus amigos que me conhecem desde sempre, pelo que me dizem – e quero acreditar que dizem a verdade [risos] -, eu sou o mesmo Ricardo desde miúdo, e eu gosto de ser eu próprio quando não estou a representar. Quando estou a representar estou a dar vida a outras personagens que não sou eu e respeito muito o lado mágico da nossa arte, onde atuamos e exercitamos a nossa profissão. É um lugar sagrado para mim. No meu dia-a-dia sou inteiramente o Ricardo, um jovem de 42 anos que gosta de viver a vida, de aproveitar a vida com a família e com os amigos e de conhecer coisas novas.

Tem algumas alcunhas ou teve durante a juventude? Sim, para os meus amigos sou o Ricardinho, para alguns amigos brasileiros sou o Ricky, muita gente me trata por Pereira, a minha mãe chama-me Chichas desde pequenino – porque diz que eu tinha umas bochechas bem rechonchudas [risos]. Nas mensagens de voz que me deixam é assim: «Vais jantar, Ricardinho?»; «Ricardinho, olha…». Há muita gente que me trata assim.

A propósito de Ricardinho… não é futsal, mas dá frutos na famosa altinha? [risos] Gosto muito, gosto muito do desporto na praia, e a altinha é muito característica nas praias cariocas. O Vicente e a Boo [os dois filhos mais velhos] adoram brincar também, a Julieta [a filha mais nova] ainda não consegue muito bem. É uma forma de estar na praia, de passar um bom tempo, de praticar desporto e mandar uma mergulhaça depois, é bom.

Diz que viver no Rio é sinónimo de aproveitar os dias até ao último minuto, viver o agora, onde os problemas são mais rapidamente ultrapassados. As rotinas no Rio são mais leves? Estamos em pleno inverno e estão 30 graus. O facto de estar bom tempo praticamente o ano inteiro faz com que as pessoas saiam mais de casa, partilhem mais momentos fora de casa, faz com que as pessoas estejam mais juntas. As pessoas acordam mais cedo, deitam-se mais cedo, querem aproveitar o dia. O Rio tem uma natureza incrível, a mata atlântica está dentro da própria cidade. Tem o mar muito próximo e isso faz com que as pessoas se provoquem a si próprias para irem mais para a rua, fazerem mais desporto, encontrarem-se, passearem, terem um contacto maior com a natureza e isso modifica o mindset, a forma como as pessoas encaram a vida, modifica muito o relacionamento entre as pessoas e a forma como encaras os problemas. Isso é o espelho do que é a própria cidade, faz com que tenha esse lado mais – como dizem aqui – descolado, em que as pessoas vão mais tranquilas para os lugares. O encontro é mais leve e isso traduz-se na forma como vivemos e encaramos o dia-a-dia.

Enquanto apresentador também coleciona vários trabalhos, um deles foi o Sem Cortes, onde entrevistou os principais artistas brasileiros. Algum que o tenha marcado mais? É difícil. Cada entrevista, às vezes, tinha duas horas e meia de duração para depois ser editada em 25 minutos, imaginem o trabalho que era. Temos material no arquivo da Globo para um dia fazermos, quem sabe, um especial só com entrevistas profundas a grandes nomes da dramaturgia aqui do Brasil e da Globo. Não consigo eleger um nome, passei por vários momentos, descobri muita coisa acerca de algumas pessoas, olhei de uma forma tão querida para a maneira como as pessoas falavam das suas carreiras e das suas vidas pessoais. Foi emocionante e emocionámo-nos e não foi só o convidado que se emocionou, eu próprio me emocionei. Tivemos ali a oportunidade de conhecer tantas coisas bonitas, de Tony Ramos, do Antonio Fagundes, da Susana Vieira, da Marisa Orth, do Cauã, do Edson Celulari, do Jorge Fernando, do Miguel Falabella, de tanta gente! Foi muito bom e foi muito importante para mim. Foi um exercício brutal no meu trabalho enquanto apresentador, mas foi muito importante também para ter ainda mais respeito por aquilo que é a nossa arte e a nossa profissão porque há trajetos de vida surpreendentes que aquele programa teve a oportunidade de mostrar ao público, mas que as pessoas nem faziam ideia.

Está há quase 20 anos na Globo, atualmente é um dos protagonistas da novela das sete, Cara e Coragem. É mais um desafio? Sinto-me muito grato por estar há tanto tempo numa casa como a Globo, extraordinária, a terceira maior televisão do mundo. Ter tido a oportunidade de estar presente e de fazer parte de projetos de tremendo sucesso, projetos pioneiros dentro da própria casa, de estar, neste momento, envolvido em mais um, fazendo um vilão, o Danilo, um dos protagonistas em Cara e Coragem [estreou no passado dia 11 de julho na Globo Portugal – no Brasil é transmitida desde 30 de maio]… Cresci muito artisticamente aqui, cresci também pessoalmente, a minha vida pessoal mistura-se também com a minha vida profissional, tanto no Brasil como na Globo, e ao mesmo tempo continuo com a mesma vontade de querer melhorar todos os dias, de querer crescer todos os dias, de querer ser desafiado por eles para personagens e projetos diferentes… Acho que só faz sentido se for assim.

Nesta altura em que faltam pouco mais de dois meses para as eleições presidenciais brasileiras sente-se um clima diferente? Estão a começar agora a falar mais sobre as eleições, pelo que tenho estado a acompanhar, mas nas ruas, pelo menos aqui do Rio, ainda não se sente muito.

Benfica ou Flamengo? Vou ter que dizer Benfica, embora o Flamengo seja o meu clube do Brasil, não só fui atleta do Benfica em basquetebol e em ténis, mas também por ter uma história ligada à minha família. Além disso cresci a ser benfiquista e acompanhei muitos momentos do Benfica. Como sou benfiquista há mais tempo, Benfica!

O seu pai jogou basquetebol no Benfica? O meu pai não. Tinha um bisavô que jogava futebol no Benfica e ganhou o primeiro campeonato nacional, em 1931, acho que não estou enganado.

Picanha ou cozido à portuguesa? Cozido à portuguesa! Gosto muito de cozido à portuguesa, é um dos meus pratos favoritos.

Natal com frio, em Portugal, ou de t-shirt, no Brasil? Natal com frio, em Portugal e Réveillon com calor, no Brasil. l