por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
As remunerações médias brutas dos trabalhadores do Estado cresceram, entre 2014 e 2021, em média, 72 euros (um aumento de 4,7%). Um valor muito abaixo da média europeia, que, no mesmo período, registou um crescimento de 536 euros (uma subida de 21,3%).
As contas são do economista Eugénio Rosa, num estudo em que tomou como base os valores do Eurostat e que revela ainda que nos chamados países ‘frugais’ o crescimento foi ainda maior: na Alemanha com mais 1104 euros (+30,2%) e na Holanda com mais 508 euros (+21%).
Uma conclusão que não surpreende Henrique Tomé, analista da XTB, que lembra que “há vários anos os aumentos dos salários em Portugal têm sido apenas residuais e esta diferença entre a média da União Europeia serve como ‘abre olhos’ para o Governo e eleva a necessidade de se ter de intervir o quanto antes para travar a tendência dos anos anteriores, que em nada contribuem para o desenvolvimento da economia nacional”, diz ao i.
Estes argumentos não convencem João César das Neves, para quem “a comparação de salários nominais em valores absolutos em euros entre países com níveis de vida e salariais muito diferentes é retórica sindical sem grande significado real”.
Raio-x Eugénio Rosa realça que a remuneração dos trabalhadores do Estado em Portugal era de 1529 euros e na União Europeia 2519 euros, o que significava que a remuneração em Portugal representava apenas 60,7% da média europeia.
Já em 2021, a remuneração média dos trabalhadores do Estado em Portugal era de apenas 1601 euros (+72 euros do que em 2014), enquanto a remuneração média na União Europeia era 3055 euros (mais 536 euros do que em 2014), “o que significa que a remuneração média em Portugal correspondia apenas a 52,4% da média dos países da União Europeia (-13,5% do em 2014)”. E é categórico: “Em Portugal, a perda de poder de compra dos funcionários públicos tem sido enorme, o que está a causar a destruição da administração pública e a torná-la incapaz de responder às necessidades da população, no que diz respeito aos serviços públicos, como é visível o estado de degradação a que chegou o SNS”.
O economista avança ainda que, entre 2009 e 2022, a tabela remuneratória única dos trabalhadores da Função Pública “teve apenas dois aumentos ridículos: um de 0,3% em 2020 e outro em 2022 de apenas 0,9%”. As críticas do economista não ficam por aqui. “Há ainda que acrescentar o enorme aumento de 133% do desconto para ADSE (de 1,5% para 3,5%)”, acusa, dizendo que “é a destruição da administração pública que está em marcha, pois os trabalhadores mais competentes estão a abandoná-la para irem trabalhar no setor privado e, ao mesmo tempo, tem sido incapaz de contratar trabalhadores qualificados e com as competências que necessita para poder fornecer aos portugueses os serviços públicos de qualidade de que estes precisam”, como na Saúde, na Educação, na Segurança Social, nos transportes públicos, na Polícia, ou na gestão de fundos comunitários. E deixa a questão: “Será que António Costa, com entradas de leão, terá saídas de cordeirinho?”.
Negociações
Uma questão que ganha novos contornos quando as negociações entre o Governo e os sindicatos não têm sido fáceis. A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, a Federação de Sindicatos da Administração Pública e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado têm vindo a exigir novas negociações.
Recentemente, o Conselho de Ministros aprovou os aumentos nos salários de entrada de algumas carreiras da Função Pública, bem como para os funcionários que têm um doutoramento. A subida incide sobre as primeiras posições remuneratórias na categoria da carreira geral de assistente técnico e técnico superior, bem como sobre os doutorados, e produz efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2022.
César das Neves reconhece que, tendo terminado o longo período de inflação quase nula, “os sindicatos têm razão em pedir acertos significativos nos salários, porque a perda de poder de compra será bem real”. E acredita que esse é mais um elemento que se junta a pressões crescentes de vários lados sobre as contas públicas. “Isso revela como o equilíbrio de que o Governo se orgulhou há três anos era ilusório, porque não se baseou em verdadeiras reformas, mas em meros cortes pontuais. E, face a isso, a conceção do Orçamento do Estado para 2023 vai ser mesmo muito difícil”.
Já Nuno Mello diz que o Governo está de pés e mãos atadas nesta matéria. “Após o período do pico da pandemia, Portugal (tal como as restantes economias) acabou por engordar a dívida soberana para níveis ainda mais assustadores”. E, face a este cenário, o analista da XTB salienta que uma solução de “aumentos nos salários da função pública iria aumentar ainda mais o déficit do Governo e contribuir para um aumento da dívida pública, o que não é nada saudável para a economia, sobretudo nesta altura em que os juros estão a subir”. E acrescenta que “a solução poderia passar por aumentar gradualmente os salários da Função Pública e incentivar o privado a aumentar mais os salários, criando condições para tal”.
É certo que estes são argumentos que não convencem as estruturas sindicais. O secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap) chegou a afirmar que “com estas propostas ninguém ficará satisfeito”. Para José Abraão, não há dúvidas: “O grande volume financeiro apontado para estas alterações salariais é para IRS e não para melhorar definitivamente os salários dos trabalhadores, de tal modo, que tínhamos solicitado ao Governo informação no que diz respeito a números”. E acrescenta que, segundo uma tabela do Governo, a medida abrange “o que diz respeito à sexta posição remuneratória, 17 mil trabalhadores que custarão eventualmente 14 milhões”, “nos técnicos superiores são 22 mil e custarão 22 milhões” e ainda que “no que diz respeito aos doutorados são 750 e irão custar 3,5 milhões”.
Feitas as contas, a proposta do Governo socialista vai abranger 39750 trabalhadores da Função Pública e terá um custo total de 37,5 milhões de euros.
A opinião não é muito diferente da visão da Frente Comum, para quem a proposta de valorização salarial do Governo é “muito insuficiente”, deixando 97,7% dos trabalhadores com as mesmas condições salariais.
Para Sebastião Santana, líder da Frente Comum, o Governo tinha condições “para ir muito mais longe” na valorização, sendo que a proposta “nem aos trabalhadores a quem se dirige, que a este ano, a 2022, diz respeito ao grupo de trabalhadores assistentes técnicos, é manifestamente insuficiente”.