Dobragens, novelas, programas de humor: sempre o espetáculo. Foi sempre assim? A paixão apareceu desde pequenino. Eu adorava imitar todas as pessoas da minha família. Era muito expressivo, muito dramático e teatralizava muito as coisas. Para além disso, tinha um ídolo: o Herman José.
O trabalho do Herman teve um impacto grande na sua vida? Eu sabia os sketches do Herman todos de cor! Mas sim, sempre tive vontade de ser ator.
E sempre quis fazer disso profissão ou apenas um hobbie? Houve uma altura em que me afastei um pouco dessa vontade de ser ator, porque também desenhava muito bem e queria seguir Belas Artes. E além de ter esse bichinho da representação, não tinha assim uma grande certeza. Quando era miúdo, todos queriam ser bombeiros, outros polícias, etc. Eu queria ser arquiteto, e adoro arquitetura. Mas depois acabei por optar por design de comunicação, porque a matemática tramou-me [risos]. E, para entrar nos cursos de Belas Artes, eu não precisava de ter matemática no 12º ano, e eu já não podia ver a matemática à frente! Tive um ano parado para fazer melhorias e a fazer a matemática, que estava atrasada.
E como foi entrar para as Belas Artes? Era muito complicado entrar: tínhamos de ficar entre os 80 melhores de todo o país. E orgulho-me de ter conseguido entrar. No primeiro ano era tudo igual para os cursos diferentes e, na avaliação final, houve uma professora que me disse: ‘como é que tu vais para design se a tua vocação é para as artes plásticas?’.
E a professora tinha razão? Tinha. Eu não servia para estar a trabalhar em frente a um computador. Não era a minha cena! [risos]. E foi nessa altura que a vontade de ser ator voltou a aparecer. Os meus pais perceberam isso e comecei – paralelamente ao curso – a fazer algumas formações de ator e fui gostando cada vez mais. E foi essa vocação que prevaleceu no final.
A família olhou com bons olhos para o percurso que estava a construir? Sempre. Não foram aqueles pais que diziam: ‘Filho, design de comunicação é que dá dinheiro’. Porque, na verdade, na altura dava. Perceberam o talento que eu tinha e, sobretudo, o que eu também quero com as minhas filhas é que sejam felizes naquilo que fazem. A profissão de ator não é fácil. As vezes não há trabalho. Mas eu adoro fazer isto e é isto que eu quero fazer da vida. Prefiro ser feliz.
E de tudo o que fez, o que é que gostou mais de fazer? O que eu gosto mais é de aprender, de experimentar. Eu gosto de tocar vários instrumentos, gosto de fazer humor, gosto de fazer drama. Representar nas várias áreas – cinema, teatro, televisão, dobragens – é tudo diferente. E tu gostas de tudo. Mas, acima de tudo, gosto de fazer aquilo em que acredito. E há muito pouca coisa que eu tenha feito na minha carreira que não me sentisse à vontade para fazer. Sempre acreditei naquilo que fiz e sempre dou tudo naquilo que faço.
O que é mais difícil para si fazer? De mim próprio! [risos]. E talvez um certo concurso, uma certa entrevista, que às vezes não me sinto tão à vontade para fazer.
Porquê? Já estão à espera que eu faça uma graçola e eu não sou só assim. Eu sou ator. E sou um ator comediante. Não me considero humorista.
Qual é a diferença? Para mim, um humorista é um indivíduo que vai para cima de um palco, que escreve o seu próprio material e tem um registo. Eu não. Eu sou sobretudo, embora também o possa fazer, um interprete. Gosto de fazer personagens e gosto de sair de mim.
Como é que foi trabalhar com o Herman tendo em conta que era a sua grande referência? Eu imitava o Herman na escola. Cheguei, ainda na escola primária, a fazer um espetáculo final da quarta classe de “Serafim Saudade” e foi um sucesso. Por vezes olho para o Herman como aquela figura da Disney. E ainda hoje isso acontece! Fico a pensar: ‘Uau, estou a trabalhar com ele, quem diria’. E isso é muito engraçado.
Olhando para a frente, o que quer experimentar que ainda não teve a oportunidade? Muita coisa! Por exemplo, gostaria de fazer mais papéis sérios e não ser sempre só ‘o cómico’. Porque tenho vontade e capacidade para fazer outros registos. Gostava de fazer mais cinema, talvez até fazer um trabalho lá fora. Mas saindo um pouco do mundo da interpretação, também admito que não descarto tirar um curso de realização. É como já disse: gosto de experimentar coisas novas e aprender.
As personagens mais ‘cómicas’, como o Manuel disse, são menos credíveis aos olhos das pessoas? Acha que o público não atribui tanto valor em comparação com outras personagens? Que não existe tanto esforço? Há pessoas que percebem, há outras que não. Acham que nós chegamos, improvisamos, rimo-nos e divertimo-nos. E claro que isso acontece! Quando fazemos humor, temos de nos divertir. Mas claro que há muito trabalho por trás. Quando eu faço uma imitação – e seja de quem for – tenho de saber o texto na ponta da língua. Hoje em dia temos a ajuda da internet, que nos permite estudar as personagens para que se consiga fazer uma boa imitação. E mesmo que não seja uma imitação, temos de fazer um bom trabalho de terreno.
Esse trabalho de terreno passa por fazer o quê? Perceber as pessoas e os sotaques, por exemplo. Eu ando sempre atento: sou como uma esponja na rua! E isso já desde pequenino. Mas sim: há mesmo muito trabalho. Conseguimos até ser um pouco obsessivos: sempre a gravar no telemóvel a voz, ir ao Youtube ver, depois ouvimos, e temos de ter o texto mesmo decorado, caso contrário as coisas não saem. Mesmo em situações de improviso, podem não sair bem. Há pessoas que não percebem este percurso. Acham que estamos ali, fazemos umas palhaçadas e é só isso. Mas não.
Já ficou consumido pelo trabalho? Sim. Em vários momentos. Tento fazer várias coisas ao mesmo tempo e depois não tenho tempo para nenhuma delas. Tenho de saber gerir melhor o meu tempo e estou sempre a aprender sobre isso. Nunca vou conseguir [risos]. Tenho de pensar: ‘Calma, Manel’.
E já sentiu a sua saúde ficar afetada pelo trabalho? Já tive momentos mais complicados, mas não foi nada de grave. Não cheguei ao burnout. Não sou hiperativo, mas o meu avô já me dizia – quando eu quero pequeno – que eu não conseguia estar parado. É por isso que ainda hoje, por exemplo, faço Lego. É como se fosse uma terapia.
É um hobbie importante? Sim! Dedico-me mesmo à construção. Mas se agora me ligassem da Dinamarca e me dissessem: «Vem cá ser criativo da Lego», eu não ia. Ia estar a fazer por obrigação. Acho que tenho boas capacidades para ser criativo da Lego, mas fazer por obrigação não. E nós temos criativos portugueses muito bons a trabalhar na Dinamarca.
Em relação à sua família, do que se lembra quando era mais novo? O que mais me marcou foi sobretudo o facto de viver no campo. Não havia telemóveis. Andávamos muito de bicicleta. Ainda no outro dia, na sequência dos fogos que se fazem sentir em Portugal, estava a ver parte da serra de Palmela a arder. São zonas que conheço muito bem. E os meus pais não sabiam para onde íamos. Não sabiam de mim, da minha irmã. Na altura, podíamos entrar para um quinta para roubar fruta, mas ao abrigo da reforma agrária, os proprietários não estavam com falinha mansas! [risos].
Isso quer dizer que se aventurou por algumas vezes? Sim, com amigos. Mas não estive propriamente em perigo de vida! [risos]. Mas os donos das quintas, se fosse caso para isso, pegavam numa pressão de ar e mandavam-nos uma chumbada! Uma vez estava com um amigo a fugir de uma mulher que nos mandou uma forquilha que chegou a roçar um ombro de um amigo meu. Hoje é diferente. Há telemóveis. Há mais facilidade em saber onde estão os nossos filhos. Acho que nos sabíamos desenrascar, uma coisa que hoje em dia não vejo tanto. Mas essa educação de viver mais na rua era muito saudável e eu gostava muito.
E há poucos dias Palmela estava a arder. Lido mal com os incêndios e com a desgraça que é esta altura do ano. Lido mal com a criminalidade no que diz respeito aos incêndios causados por fogo posto. Faz-me muita impressão o risco que é o trabalho dos bombeiros. As pessoas a perderem as casas. E faz-me muita impressão Portugal ser um país incrível, com uma paisagem incrível, e ver tudo queimado. Mas a força da natureza acaba por pintar de verde novamente. Acompanhei mais de perto este incêndio de Palmela porque os meus pais vivem naquela região e chegaram a ter a mala feita para sair de casa. Lembro-me de a minha mãe me dizer ao telefone: «O que mais me entristece é pensar que tenho uma trouxa feita para poder fugir de casa».
O Manuel gosta de estar atento às decisões políticas? Gosto muito. Não falo publicamente sobre política, mas gosto de falar com amigos e com pessoas que saibam falar sobre política. Vivo em democracia e sou completamente apartidário. Já votei quer à esquerda, quer à direita, porque a democracia é assim. Se eu não estou contente com o Governo, vou mudar. Mas nunca para as fações mais radicais.
O que é ser ator hoje em dia? Encaro a profissão de ator, e de ator comediante, como um serviço público. O humor também é uma arma, tem é de ser bem usada. Não podemos usar balas a sério, têm de ser aquelas de Paintball. O humor também pode beliscar, também influencia.
Não é fácil fazer humor. Hoje em dia está tudo mais sensível. As questões das minorias e do racismo estão mais na ordem do dia, e ainda bem. É difícil fazer humor sob o risco de ferir algumas suscetibilidades, mas penso que seja uma fase. É preciso que estes movimentos, como o LGBTQIA+ ou racismo, venham ao de cima. É importante.
Isso entra na discussão dos limites do humor. Eles existem? Eu acho que o humor não tem limites. Tem é de se ter noção do limite de se fazer humor. As minhas referências são assim. Não me identifico com aquele humor rude, de gozar, achincalhar. Não. Tento sempre ter algum cuidado. Se bem que eu não escrevo o meu próprio material, escrevem para mim. Mas também já houve alguns trabalhos que escreveram com os quais não me senti tão à vontade. E expressei esse desconforto. Mas o humor não pode deixar de existir. Está, neste ponto, um pouco estrangulado pelas sensibilidades e pelas redes sociais. Mas acho que é uma fase.
As coisas vão melhorar? Vão. É uma fase que estamos a passar e que – a meu ver – é necessária. Há dias estava a pensar na questão da ‘Black Face’, que era uma coisa que, no inicio do século, servia mesmo para atacar os negros na cultura americana. E hoje em dia custa-me um pouco que, estando caracterizado de negro, seja conotado como ‘Black Face’. Mas eu tenho que perceber. Acho, porém, que não estou a caricaturar uma raça ou etnia, e sim uma personagem. Mas atenção: É claro que hoje em dia – e ainda bem – tem de se ter muito cuidado com isso. Claro que há atores negros para fazer esses papéis. Mas também pode ser apenas uma caracterização. Não tem propriamente, penso eu, de ter uma intenção má por detrás E hoje em dia há a política do cancelamento, que me tira do sério.
Porquê? Os Litlle Breton tinham um scketch no qual havia uma mulher que ia tomar café com uma amiga. E essa amiga apresenta o genro, que é um homem negro. E ela começava a regurgitar porque era profundamente racista. Aquilo era uma caricatura de uma pessoa racista e, mais do que isso, era ridicularizar o racismo. E eu tenho pena quando o humor é mal interpretado.
Hoje em dia o trabalho de um comediante, de um humorista, pode ser influenciado pelas redes sociais? Sim. Um ator, se as pessoas não gostam, diz que não gostam. Um comediante, por outro lado, é um alvo mais fácil. Mas a sátira é uma coisa saudável e sem ela o mundo fica mais triste. O Herman no outro dia, por exemplo, convidou o Igor Regalla para fazer o Mariana, e eu acho isso muito saudável. Eu já fiz uma imitação de Anselmo Ralph. Éramos um elenco de dois atores e mudávamos de um papel para outro. Para mim, era uma personagem. Não tinha nenhuma intenção má ou política.
Já vai havendo mais esse cuidado. De haver mais representação. Acho muito bem que no cinema haja mais representação. Temos a Disney – no Toy Story 4, a fazer um trabalhado maravilho ao ter duas mães a deixar o filho na escola. Já temos novelas em que há um casal de dois homens e isso nem é um assunto, é a coisa mais normal do mundo. No Pinóquio, a Blue Fary é negra. E é coisa mais normal do mundo. A representatividade, quer na comédia, quer na ficção, quer em tudo, é muito importante. A inclusão é o mais importante e todo o audiovisual tem essa função.
Recebeu o premio de melhor ator secundário pelo seu personagem de Festa é Festa. É sempre bom o nosso trabalho ser reconhecido. Foi um prémio que foi posto em votação, e que foi votado pelo público. Eu encaro o público como um patrão.
Como foi fazer a novela? Foi especial. Não conhecia o que era o ritmo de novela e foi especial porque foi um projeto vencedor. A coisa foi crescendo e isso passou cá para fora. Penso que as personagens estão muito bem construídas. As pessoas passaram pela pandemia – fechadas em casa. Era uma novela descontraída, as pessoas identificavam-se com as personagens. Foi quase como uma distração para o público e nós sabemos como as coisas têm andado difíceis para as pessoas.
E agora? Gostava de fazer uma novela mais séria? Sim. Apesar de eu nunca ir deixar a comédia.
Sobre a sua relação com a Beatriz, existe uma diferença de idades que ainda acarreta consigo um tabu. Houve muitos haters e comentários negativos? Houve. Sim. Mas hoje em dia, as pessoas nas redes sociais funcionam como um cata-vento. Na altura, ficaram muito chocadas. E inventou-se muita coisa. Foi muito violento. Agora, já posso publicar uma fotografia que as pessoas gostam muito. É o algoritmo! [risos]. É esperar que as coisas fiquem mais calmas e tentar não reagir. Chegámos mesmo a ponderar tomar medidas mais sérias, mas depois deixámos passar.
E era fácil distanciar-se desses comentários? Tentei não ligar. Mas não vou esconder que sofri um pouco na altura. Não é nada fácil lidar com as redes sociais, com certos comentadores de televisão que saltaram debaixo de uma pedra e dizem as maiores barbaridades, mas isso depois tudo passa. Nem sequer argumento porque os meus pais sempre me ensinaram: «Não discutas com um estúpido que desces ao nível dele e ele ganha em experiência!» [risos].